O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o MASP, promoveu a terceira edição do seminário “Histórias da Ecologia”, um evento que aprofunda o debate sobre as intersecções entre arte e meio ambiente. Com a participação de renomados acadêmicos, artistas e curadores internacionais, foram exploradas temáticas como as novas perspectivas sobre o “rewilding”, a ecologia feminista negra e as práticas artísticas dentro de ecossistemas culturais. As discussões apresentadas também anteciparam o foco do próximo ano curatorial do museu, que será dedicado ao mesmo tema do seminário.
A primeira mesa começou com a introdução do curador André Mesquita, um dos organizadores da conferência, seguida da palestra de Ros Gray sobre o tema “Rewilding depois da ecologia imperial”. Em seu trabalho como pesquisadora, Gray colabora com artistas, curadores, cientistas e ativistas a fim de explorar os processos de “rewilding” planetário, o que ela entende como uma abordagem de desenvolvimento ecológico que restaura a biodiversidade dos ecossistemas, permitindo a recuperação da natureza em lugares específicos.
Diretora do Programa de Mestrado em Arte e Ecologia e co-diretora do Centre for Art and Ecology na Goldsmiths, Universidade de Londres, ela considera as questões de justiça climática como essenciais para o cuidado ecológico. Dentre os trabalhos abordados por ela para tratar de perspectivas ecocêntricas e decoloniais, destacam-se os projetos de Asa Sonjasdotter e Asa Elzen que realizaram pesquisas em uma comunidade queer feminisita na Suécia focalizando o papel das mulheres na agricultura e na prática ecológica.
Outro exemplo foi o de “Storytelling Stones” (2022), de Nida Sinnokrot, em que esculturas de pedras empilhadas exploram as diferentes sonoridades da natureza, como o barulho do vento e dos animais. Amplificando os sons locais, a construção oferece uma nova forma de conectar as pessoas com o meio ambiente – o que, para Gray, funciona como uma estratégia para futuros regenerativos que respeitam os bens comuns e a justiça climática. Portanto, são obras que sublinham uma crítica ao extrativismo e um retorno à produção agrícola mais consciente.
Ao término das considerações de Ros Gray, Mesquita passou a palavra para a segunda convidada da mesa, a ecocrítica feminista Chelsea Frazier, professora do Departamento de Literaturas em Inglês da Universidade Cornell, de Nova York. Fundadora do centro educacional “Ask an Amazon” – um centro educacional com o objetivo de apoiar estudantes e profissionais de organizações em seu desenvolvimento intelectual e criativo -, atualmente trabalha no manuscrito de seu primeiro livro.
Em sua palestra intitulada “Visualização das ecologias feministas negras”, Frazier explorou como a ecologia negra feminista pode ser incorporada na curadoria e na criação de acervos, destacando a importância de considerar as histórias culturais de mulheres negras na formação de práticas ecológicas alternativas. A apresentação incluiu uma análise de obras como “Phases of the Moon” (1998), de Maya Lin, que utiliza cera de abelhas para representar o ciclo lunar e a conexão entre o satélite natural e os ciclos ambientais. A obra oferece uma crítica à forma como os aspectos da natureza são frequentemente ignorados em nosso cotidiano.
Outra obra comentada foi “Silver River Mississippi” (2007), também de Maya Lin, que questiona a inversão de valores entre metais e água (ambos presentes nos nossos rios), destacando a importância vital da água e a crise ecológica associada ao consumo excessivo de recursos. Frazier argumentou que as práticas e perspectivas negras feministas rompem com os marcos coloniais dos estudos ambientais, permitindo a construção de novas concepções de ética ecológica.
Na parte da tarde, com mediação da curadora Isabela Rjeille, o seminário seguiu com a apresentação de Farid Rakun, integrante do coletivo Ruangrupa, criado nos anos 2000 em Jakarta, na Indonésia. Sob o título de “De ruangrupa, GUDSKUL e Lumbung: sobre e além do ekosistem”, ele discutiu uma visão ampliada e horizontal de como as práticas artísticas podem interagir com contextos urbanos e culturais – debate ligado às práticas do Ruangrupa, que é conhecido pelo enfoque em práticas artísticas que desafiam o extrativismo e promovem uma visão colaborativa e sustentável.
Farid explicou que, no início, o coletivo precisou construir sua própria estrutura, criando um espaço artístico que desafiava as normas estabelecidas pelo circuito da arte e promovia práticas não-competitivas. Ele destacou a importância de criar essas redes horizontais e sustentáveis para enfrentar práticas coloniais e extrativistas no cenário cultural. Com a exibição de um vídeo, ele explicou como o Ruangrupa transformou espaços privados em públicos, reforçando a ideia de que a arte deve estar intrinsecamente ligada a um ecossistema maior, que inclui aspectos sociais e ambientais. Este é justamente o diferencial do coletivo, que entende todo o modelo no qual os artistas estão inseridos: para eles, a única maneira de impedir ou interromper o mecanismo colonial de extrativismo é criando redes horizontais e sustentáveis.
A conversa entre Farid e Rjeille encerrou o evento, já que Jerá Guarani, liderança da aldeia Kalipety, na Terra Indígena Tenondé Porã, não pôde comparecer. Assim, o seminário ressaltou a ideia de que o cruzamento entre a arte e a ecologia não é apenas uma questão estética ou conceitual, mas uma necessidade urgente de repensar relações com o ambiente e com as comunidades marginalizadas.
Ao questionarem práticas ecológicas arraigadas em modelos coloniais, os convidados sinalizaram um novo momento na reflexão sobre a crise climática e a busca por futuros mais sustentáveis – um assunto que tem sido central não apenas no campo das políticas públicas, mas também da cultura. O seminário ofereceu um espaço para refletir sobre como podemos avançar em direção a um futuro mais justo e sustentável, através da prática artística e da teoria crítica.
Gostou desta matéria? Leia também:
Casa Bradesco apresenta obras viscerais em individual de Anish Kapoor na Cidade Matarazzo