Na semana de abertura da 12ª edição da MADE – Mercado, Arte, Design, a Artsoul conversou com seu idealizador, Waldick Jatobá. Pela terceira vez, o evento ocorre junto à feira de arte contemporânea ArPa, ocupando o Mercado Livre Arena Pacaembu, em São Paulo. O público poderá visitar a curadoria especial das feiras entre os dias 26 e 30 de junho.
Curador da feira pioneira no ramo do design autoral e colecionável no Brasil, Jatobá explica como a MADE participou do amadurecimento da área, sendo esse um mercado novo no mundo todo. Além de uma visão macro do mercado, o convidado também levanta aspectos fundamentais para um designer manter uma produção original e relevante. Para quem já conhece ou pretende visitar a MADE pela primeira vez, Jatobá também conta um pouco do que se pode esperar da feira, desde o tema à cenografia.
Artsoul – O ramo do design colecionável é novo e está em expansão, especialmente se compararmos com outros mercados mais tradicionais. Quais sinais exemplificam o amadurecimento do setor no Brasil nos últimos anos?
Waldick Jatobá: Desde quando começamos há mais de 12 anos atrás, temos focado muito no design autoral. Antes o Brasil tinha uma vocação para copiar tudo que era o lançamento internacional, e nós lançamos a MADE em 2013 com o propósito de mostrar um universo de criadores e designers – jovens na sua maioria – que tem em seu DNA essa função de experimentar, ressignificar o material, preocupar-se com a sustentabilidade de uma maneira geral.
Todos esses critérios foram lançados há 40 anos atrás pelos irmãos Campana – que são os precursores na mudança do jeito de se pensar no design contemporâneo, não só no Brasil, mas internacionalmente. O mercado tem crescido, mas diria que não tão rapidamente como eu gostaria, apesar de ter um crescimento muito positivo.
Artsoul – Como a MADE, enquanto vitrine de produções contemporâneas, reflete esse amadurecimento?
W.J. – Nesses últimos 12 anos foi possível identificar várias lojas e fábricas de móveis que começaram a se preocupar pela autoria do design, o trazendo-o para dentro do seu universo, lançando coleções, contando com a presença de diretores criativos. Há uma evolução muito positiva que antes não existia neste país, e a MADE é senão a principal, uma das principais influenciadoras nesse mercado, seja no segmento do design contemporâneo, com pequenas edições, na sua grande maioria muito artesanal, muitas vezes em edições limitadas seguindo o que o mercado internacional vem colocando como colecionismo no design.
Artsoul – Pensando em design como investimento, qual o papel da originalidade dos projetos?
W.J. – Tanto na arte, como no design, eu sempre coloco o investimento como secundário. Porque eu acredito que a primeira coisa que move a compra de uma peça de arte ou de design é emoção: o que essa peça vai trazer para você? É a forma que ela vai te tocar? É a forma como ela vai criar um estranhamento na sua na observação e que vai levar ao seu consumo?
Se você reparar que hoje em dia todo mundo tem tudo, e ninguém precisaria de mais nada, é justamente a diferença de um móvel que tem um conceito, uma narrativa por detrás do material, um outro tipo de tratamento, que faz com que você compre-o. Tudo isso está envolvido com a emoção que aquela peça transfere para você. E vem dessa emoção muito da inspiração e da criatividade do designer para criar uma peça única e autoral, o que não ocorre através da cópia, pois você não consegue transmitir a emoção, que ficou nos terceiros.
Quando você cria sua peça, você imprime ali a sua verdade, o seu ofício. Então há uma história por trás dessa peça, e na medida que é possível contar essa história – seja ela triste, alegre, feia, bonita – você consegue tocar o coração de alguém. É ter um objeto que foi desenvolvido baseado na verdade de um designer: é como se ele estivesse dando a alma àquele objeto, e através disso ele consegue trazer a emoção para dentro dele.
Artsoul – E de que forma o design autoral brasileiro reflete temas e interesses caros à contemporaneidade? Como ele reflete o próprio tempo?
W.J. – Se o design tem uma concepção e uma criação forte, o desenho tem que ser atemporal. Você não precisa marcar o desenho na sua criação. Se olharmos uma peça do Achille Castiglioni de 1960 hoje, é extremamente atual. Porque existe ali inovação, ela é completamente fresca, seja pela materialidade, estética, composição. E não necessariamente estou falando de tecnologia, mas de qualidade de criação.
Assim, o design não tem uma data – o que pode haver são algumas referências que podem ser usadas. Por exemplo, no modernismo a palhinha significava um determinado tipo de presença, mas agora vários designers contemporâneos estão trazendo a palhinha com uma ressignificação. Hoje em dia se fala muito do barro como elemento de construção, que pode ser usado na indústria do design do móvel, mas não existe uma coisa datada. O bom design tem que ser atemporal.
Artsoul – A MADE ocorre concomitante à ArPa, feira de arte contemporânea. Como o diálogo com a arte se faz presente na própria identidade da MADE? E quais benefícios podem ser apontados no encontro entre as duas feiras?
W.J. – O propósito é justamente unir forças e sinergias, porque tanto a MADE como a ArPa têm em seu DNA várias questões que trazem uma modernidade para esse segmento de feiras. Se olharmos bem, as feiras nacionais e internacionais se transformaram em grandes supermercados: existem feiras de três andares, feiras de 5.000 metros, de 500 estandes e ninguém mais aguenta isso. Você é bombardeado de informação em todos os sentidos.
Então, tanto a ArPa, como a MADE, têm essa preocupação de primeiro fazer uma curadoria muito especial, tanto de galerias como estúdios de design. Depois há essa preocupação do tamanho: não adianta eu querer fazer uma feira enorme se o meu colecionador não vai absorver um terço daquilo que ele viu no primeiro dia.
Essa proximidade das feiras de arte e design também faz com que o colecionador possa frequentar os dois eventos ao mesmo tempo. Cada vez mais o colecionador de arte contemporânea torna-se exigente com seu mobiliário. Então há um desejo de ambos os lados de cada vez mais estar em linha com o que o colecionismo oferece a presença, seja na arte, seja no design.
Isso parte também de um princípio que você tem que criar uma feira que você não esteja preocupado somente com o lado comercial: mas você tem de ter essa preocupação pela educação, tem de oferecer conteúdo: seja exposições, roda de conversas, roteiro de visitação em ateliers, galerias, museus.
Artsoul – Para finalizar, o que o público pode esperar da nova edição da MADE?
W.J. – Todos os anos nós abordamos um tema que perpassa a cenografia, as rodas de conversa, a disposição dos designers internamente. E neste ano nós vamos falar de design em movimento.
Movimento não apenas no lado físico, como quando você trabalha, corre, faz exercício, e existe todo um design que está por detrás dessa vida, mas como um constante dinamismo no pensamento, na criação, na experiência, na elaboração do produto. O designer precisa ser curioso, correr atrás da informação, do que está acontecendo. Tem que sair, ir para rua, observar o consumo das pessoas, o comportamento. Ou seja, precisa estar em constante movimento.
Nós trouxemos essa metáfora para dentro da MADE esse ano, e toda a cenografia é baseada em cima dessa brincadeira da construção. O próprio Pacaembu está em construção ainda, então o Bruno Simões, que é um dos meus sócios, criou uma cenografia baseada em andaimes. Dessa forma você entra e tem a sensação dos andaimes, das redes de proteção que há nos apartamentos quando são renovados ou construídos, justamente nessa ideia. E ao mesmo tempo é uma grande exposição, não existe uma individualização do box, mas existe um respeito espacial de cada designer nos seus metros quadrados, mas não existe uma casinha, um formalismo de um estande.
Nós vamos fazer pela primeira vez em uma quadra de tênis: quer dizer, é o design com arquitetura para proporcionar uma experiência. É um cenário preparado justamente para poder criar a emoção.
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