A experiência estética dissolve definições que separam arte, design, arquitetura e outros meios criativos. Mediada por elementos compartilhados por essas áreas, a experiência estética ocorre através de uma série de estímulos sensoriais, encontrados em qualquer lugar através de cores, texturas, materiais, luminosidades e elementos diversos. Nesse sentido, um ambiente imaginado pelas mais diferentes áreas criativas torna-se capaz de oferecer ao público experiências ricas e potentes.
Em 2024, “De presente, o agora” é a temática da CASACOR, a maior mostra de arquitetura, design de interiores e paisagismo das Américas. Com curadoria de Livia Pedreira, Pedro Ariel Santana e Cris Ferraz, a plataforma convida todos os agentes envolvidos, assim como o público, a refletir sobre o tipo de ancestralidade que nossa geração deseja ser para o futuro. A mostra é realizada em 25 endereços diferentes, sendo 6 deles internacionais, ocorrendo em países como Estados Unidos, Peru e Bolívia.
Em cartaz no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, entre 21 de maio e 28 de julho, a edição paulistana da CASACOR ocupa cerca de 9.000m², contando com 5 ambientes dedicados a instalações e exposições, e 70 projetos de expositores. Além da área expositiva, a mostra abarca espaços gastronômicos, jardins, biblioteca, entre outros.
André Secchin, CEO da CASACOR, afirma que o objetivo central da plataforma é “arquitetar relações humanas”, compreendendo-a como um espaço de convivência diverso. Ao visitar a mostra, portanto, é válido estar aberto à refletir sobre a maneira como podemos nos revisitar através da arte, do design, e tudo que nos envolve.
Referências de pensamento acerca da ancestralidade, as filosofias de matriz africana compreendem a matéria enquanto elemento vivo, carregado de energia. Apesar de inanimados, os objetos são lidos através de suas materialidades que, com diferentes densidades e composições químicas, vibram e nos influenciam. É como compreender que as cores exercem influência sobre nosso estado emocional, mas elevando essa percepção às diversas propriedades presentes em objetos ou ambientes.
Um dos destaques da CASACOR neste ano é “Ocupação Terreiro”, uma instalação de Alexandre Salles, arquiteto e designer à frente do Estúdio Tarimba. A instalação é inspirada nos quintais e terreiros brasileiros, enfatizando a contribuição das culturas afrodescendentes no Brasil.
Neste ambiente figura o trabalho de Alex Rocca, artista e designer têxtil que circula entre os circuitos de arte e design no Brasil, e tem explorado formas de materializar suas pesquisas em torno das culturas afro-brasileiras e racialidade. Rocca é conhecido por suas tapeçarias com padrões orgânicos, que chegam a grandes dimensões e possuem variadas formas de exposição, do chão às paredes, com ou sem molduras. Recentemente, o artista tem explorado outras materialidades em peças tridimensionais, incorporando novos materiais, como é o caso de sua obra “Jurema”, exposta no ambiente pensado por Salles.
Desenvolvida ao longo de quatro meses, a obra é a primeira em que o artista utilizou miçangas, contas, pedras e bordado, em um processo minucioso, resultando em um trabalho delicado. Em entrevista exclusiva à Artsoul, o artista conta que “Jurema” se refere à um espaço físico, mais especificamente à mata, e que faz parte dos cultos presentes na Umbanda, “uma religião que cultua a natureza, a água, o solo verde, a mata, enfim, é um amor à natureza”, completa. Para Rocca é especial estar lado a lado de artistas que tanto admira na CASACOR, sentindo uma comunhão criada no processo do convite feito por Salles e Lucas de Oliveira Freitas, curador convidado.
O artista Emerson Rocha, que apresentou recentemente suas obras em instituições como SESC Pinheiros, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul e Museu de Arte do Rio, participa da proposta de Salles com a obra “romaria II – toda mãe preta é um atlas”. Rocha tem produzido uma rica iconografia em torno da vida de pessoas negras, interseccionando tradição e contemporaneidade, especialmente através de símbolos presentes no dia a dia.
“Acredito que estar presente em algo que tem uma visibilidade imensa por uma parte da sociedade – que muitas vezes o meu trabalho não alcança -, e mais que isso, fazer história com esses dois arquitetos nesse ambiente, é algo muito poderoso”, afirma o artista sobre a participação na CASACOR.
O artista também apresenta “fé nas crianças IV – eu serei as raízes e vocês serão a árvore” no ambiente projetado pelo arquiteto Gabriel Rosa. “Falar sobre ancestralidade é também falar sobre o agora, e ser escolhido como um dos fios condutores pra esse diálogo me deixa muito feliz porque sinto que sendo artista contemporâneo preto, eu estou trilhando o caminho certo”, completa.
No Estúdio Laços da Arte, desenvolvido pela arquiteta Luciana Viganó, as obras criam uma narrativa sobre a expressão individual em ambientes íntimos. A arquiteta propõe que as obras escolhidas para cada espaço refletem a relação do morador com suas raízes. A arquiteta revela que a proposta apresentada na mostra resgata “esse poder que também envolve a conceituação da beleza, o desenvolvimento intelectual e expressão dos sentimentos de forma original e singular”.
Já o escritório Cacau Ribeiro Interiores desenvolveu um projeto ocupando um loft, com diversos ambientes que buscam criar e ativar boas memórias. Tons pastéis, móveis de madeira, e uma atenção especial à iluminação natural configuram uma combinação leve, que recebe bem os trabalhos de arte para compor o ambiente. “É uma celebração do presente e um lembrete gentil para valorizarmos cada momento da vida”, afirma Cacau Ribeiro.
A atenção dada aos materiais é encontrada não apenas nas obras e peças autorais de design, mas em toda a forma como os ambientes são pensados. Cores quentes em harmonia com texturas acolhedoras sugerem uma conexão com a terra, como um lembrete de que o ambiente que nos envolve está diretamente relacionado com nossa ligação com o presente.
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