Nos primeiros passos da carreira, artistas e curadores mapeiam editais de incentivo para a realização e apresentação de novos projetos. Dentre os formatos mais comuns desses editais estão as chamadas abertas para exposições coletivas, residências artísticas e o financiamento de projetos inéditos – este último, o caso da Temporada de Projetos do Paço das Artes.
A Temporada é uma iniciativa do Paço das Artes, uma das mais consistentes instituições voltadas à arte contemporânea no Brasil. A mais nova edição é a segunda realizada na nova sede da instituição, instalada em uma parte do Casarão Nhonhô Magalhães em Higienópolis desde 2019, onde deve permanecer pelos próximos vinte anos.
Antes da atual sede, o Paço já esteve na Cidade Universitária de São Paulo e no Museu da Imagem e do Som, além de sua primeira casa na Avenida Paulista – na então Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo do Estado de São Paulo -, quando foi fundado em 1969.
Ao dividir a sede com o Museu da Imagem e do Som por quase vinte anos (1975-1994), o Paço das Artes teve, por muito tempo, pouca definição institucional. Ou seja, sua missão e principais características dentro de um circuito artístico não eram claras. Os projetos de ambas instituições realizados dentro do edifício localizado na Avenida Europa eram próximos.
A passagem pela Cidade Universitária de 1994 e 2016, em um prédio modernista projetado pelo arquiteto Jorge Wilheim, foi decisiva para que a instituição pudesse desenhar um perfil próprio, com as características que a destacam hoje. Idealizada por Ricardo Ribenboim e Daniela Bousso – respectivamente, o diretor e a curadora do Paço na época -, em 1996 é realizada a primeira Temporada de Projetos com o objetivo de estimular a produção de arte contemporânea brasileira.
Ao longo de mais de duas décadas, o projeto promoveu trabalhos de artistas que, já na época de sua passagem pelo Paço, eram reconhecidos no cenário nacional, ou que se destacaram após expor na Temporada.
Em suas primeiras edições passaram artistas que hoje possuem ampla projeção nacional e internacional, o que de certa maneira atesta o papel do projeto em promover artistas emergentes. Nomes como João Loureiro, Marcius Galan, Márcia X, Luiz Hermano, Caetano Dias, Carlos Mélo, Raquel Kogan e Lia Chaia são alguns desses exemplos da primeira década de existência do edital aberto.
Além disso, o Paço das Artes já recebeu projetos de artistas relevantes através de convites diretos, como foi o caso de Leda Catunda e Carmela Gross em 1999, Tomie Ohtake em 2000 e Lenora de Barros e Edith Derdyk em 2005.
Após a primeira década e forte consolidação do projeto, outros nomes passaram pela Temporada, como Henrique Oliveira, Cristiano Lenhardt, Maurício Ianês, Regina Parra, Nino Cais, Ana Elisa Egreja, Flávia Junqueira, Rafael RG, Pedro França, Bárbara Wagner e Luiz Roque – os dois últimos, inclusive, participaram das últimas edições da Bienal de Veneza representando o Brasil nas exposições coletivas.
Os artistas selecionados para terem seus projetos financiados pela instituição recebem também um acompanhamento crítico com algum especialista. Pesquisadores e curadores são convidados para acompanhar as produções ao longo de meses e, no final do processo, produzem textos críticos sobre os trabalhos. Nas últimas edições esses críticos também têm realizado entrevistas com os artistas – que são compiladas em uma publicação disponível para o público levar para casa.
É interessante notar como alguns artistas e curadores que passaram pela seleção aberta do projeto, retornam como críticos em edições posteriores. Isso demonstra um tipo de vínculo que pode ser estabelecido entre instituições e agentes da arte contemporânea, que se firma para além da Temporada. Além disso, esses nomes também são considerados para a grade de cursos do Paço, um outro braço forte da instituição.
Um exemplo recente é a curadora Nathalia Lavigne, que foi selecionada para a Temporada de Projetos 2020 com seu projeto de curadoria Táticas de Desaparecimento – que contou com obras de Aleta Valente, Maryam Monalisa Gharavi, Nino Cais, Regina Parra e Thiago Honório -, e em 2022 foi convidada para fazer o acompanhamento crítico de um projeto de artista.
A missão da Temporada de Projetos segue sendo reconhecer e incentivar novas produções intelectuais e visuais no Brasil e, para isso, tem selecionado um projeto de curadoria e alguns projetos de artistas para serem acompanhados e financiados.
Nesta edição, foram selecionados os projetos dos artistas Diego de Santos, Gabriel Pessoto, Helô Sanvoy, Leka Mendes e Mari Nagem, e o projeto de curadoria de Ana Elisa Lidizia. Todos os projetos são exibidos simultaneamente no espaço expositivo. As instalações estão divididas por uma expografia com vazões que permite, em certa medida, que os trabalhos estabeleçam uma proximidade e não sejam divididos por caixinhas.
Ferramenta ferragem ferrugem é o projeto de curadoria de Ana Elisa Lidizia, que reúne trabalhos das artistas Clara Machado, Helena Trindade, Maré de Matos e Rebeca Carapiá. A curadoria de Lidizia esmiúça o código da escrita e suas potências visuais através dos trabalhos selecionados para a exposição. Cada artista reelabora os códigos da linguagem escrita para além de seu uso direto de comunicação, explorando técnicas e mídias como escultura, instalação, pintura e desenho.
Helô Sanvoy apresenta o projeto Parabrigar, reunindo um conjunto de obras que misturam diversos materiais provenientes de descarte e resíduos de construção como madeira, tijolos e vidro temperado, assim como couro e diversos metais. Com forte apelo estético em um primeiro olhar, o projeto trabalha o espelhamento e cruzamento dos materiais, apresentando uma configuração que marca um campo de encontro de linguagens como a escultura e a instalação.
A pesquisa de Diego de Santos é apresentada em trabalhos de escultura, pintura, colagem, desenho e fotografia no projeto Lost na região. O artista utiliza essas diferentes mídias para refletir questões relacionadas à especulação imobiliária, direito à terra e moradia, entre outras evocadas através das faixas de propaganda imobiliária – a base visual e material para todos os trabalhos apresentados no espaço.
O cruzamento de linguagens está presente também na instalação de Gabriel Pessoto intitulada Realidade Virtual. Em uma sala anexa, o artista recria um ambiente doméstico com trabalhos de bordado em talagarça, além de dois trabalhos digitais apresentados em TVs. Pessoto investiga a passagem da visualidade pixelizada para a materialidade dos pontos de bordado, ao mesmo tempo que traz para o digital o universo doméstico com a confecção de uma toalha de mesa em bordado digital, por exemplo.
As instalações A Floresta de Mari Nagem e Observatório de imagens inalcançáveis de Leka Mendes se encontram no final do espaço expositivo, especialmente porque o trabalho de Mari Nagem se divide em dois momentos.
A floresta consiste em uma instalação que remonta um estúdio audiovisual com uma parede de chroma key – que possui uma pequena abertura, possibilitando que o público veja a área externa do paço estando dentro do trabalho. Além disso, uma outra instalação coloca lado a lado uma folha de espada de são jorge, uma lâmpada neon, e uma escultura representando um galho pintado de tinta fluorescente, todos reunidos sobre um monte de terra. Por último – ou primeiro, a depender do caminho do visitante – a artista apresenta uma sequência vertical de desenhos de clorofila queimados.
Com tantas abordagens possíveis para o trabalho da artista, pode-se destacar as investigações sobre real e virtual, natural e artificial, entre outras contraposições. Um ponto central é o uso da cor e a percepção sobre como determinados tons e luminosidades são extraídos da natureza ou artificialmente manipulados por tecnologias digitais.
Já Leka Mendes parte da abstração para remontar imagens do espaço. Cada vez mais populares, as imagens dos astros vêm ganhando um pouco mais de precisão graças às novas tecnologias de observação e captação espacial. Todavia, a artista parte de processos mais orgânicos com trabalhos têxteis, justamente sem a intenção de reproduzir tais imagens – que a mesma considera inalcançáveis. Esse observatório proposto pela artista permite que o visitante explore um universo particular, desprendendo-se de uma intenção de revelação dos astros, mas percebendo essas imagens por seus valores estéticos.
A cada Temporada um novo júri é convidado para avaliar os projetos enviados no edital aberto. São muitos os critérios que podem ser levados em consideração para a seleção dos artistas ou coletivos. O que o conjunto de projetos em exibição demonstra é justamente uma variedade de propostas que se destacam por seus conceitos e questionamentos, elaborações plásticas, arranjos espaciais, entre outros fatores que comprovam sua relevância no momento.
A Temporada de Projetos 2022 pode ser visitada gratuitamente até o dia 30 de outubro. O Núcleo Educativo do Paço das Artes recebe agendamentos de grupos através do e-mail educativo@pacodasartes.org.br.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
Gostou desta matéria? Leia também: