É possível afirmar que os temas que marcam mais consistentemente a produção contemporânea desde os anos 1980 referem-se ao tempo e à memória. Na verdade, esse enorme interesse dos artistas contemporâneos em trabalhar a questão da memória – seja pessoal, histórica, ou ligada a lugares e tempos – se configura como um ato de resistência à tendência de um apagamento das experiências e lembranças, a um estado de quase amnésia, à qual a velocidade da vida cotidiana nos coloca hoje. Na arte, o tempo da memória não é visto apenas como o tempo que já passou, mas sim como o tempo que nos pertence.
O “fim da história”, como afirmou o cientista Ilya Prigogine, já em 2000, seria “a realidade de uma sociedade atemporal que perdeu sua memória”. Pois a memória, condição básica de nossa humanidade, tornou-se uma das grandes molduras da produção artística contemporânea.
Já nos anos 1930, o filósofo alemão Walter Benjamin, em textos como “Experiência e Pobreza” e “O Narrador” – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov; discute a importância de uma nova forma de narrativa e de memória ligadas à transmissão da experiência pessoal. Ambos os ensaios partem daquilo que Benjamin chama de perda ou de declínio da experiência. Isto é, da experiência no sentido forte e substancial do termo, que repousa sobre a possibilidade de uma tradição compartilhada por uma comunidade humana. E essa experiência do compartilhamento só acontece no tempo.
Seguindo, décadas à frente, temos as ideias do pensador francês Paul Virilio, um dos mais originais pensadores e articuladores da sociedade contemporânea tecnologizada. Em seu livro, O Espaço Crítico, Virilio diz: “Ao lado dos fenômenos das poluições atmosférica, hidrosférica e de outros tipos, existe um fenômeno despercebido de poluição da extensão que proponho designar como poluição dromosférica, que vem de dromos, corrida. De fato, a contaminação atinge não somente os elementos, as substâncias naturais, (o ar, a água, a fauna ou a flora) mas ainda o espaço-tempo do nosso planeta. Reduzido progressivamente a nada pelos diversos meios de transporte e comunicação instantâneos, o meio geofísico sofre uma inquietante desqualificação de sua profundidade de campo, que degrada as relações entre o homem e seu meio ambiente.” Virilio argumenta que o tempo contemporâneo apaga a densidade das experiências.
De fato, juntamente com a memória, o tempo é hoje um dos elementos mais importantes para se pensar a vida e a arte contemporâneas. O tempo contemporâneo perfura o espaço, substituindo a sensação cronológica por uma circularidade plena de efervescência e instabilidade. Turbulento, esse tempo parece fugaz e raso, achatando, espiralando, afetando inexoravelmente noções de história, de memória, de pertencimento.
Nesse sentido, a evocação das memórias pessoais na arte, corresponde à construção de um lugar de resistência, demarcações de individualidade e impressões que se contrapõem a um panorama de comunicação à distância e tecnologia virtual que tendem a, gradualmente, anular noções de privacidade. É também o território de recriação e de reordenamento da existência – um testemunho de riquezas afetivas que o artista oferece ou insinua ao espectador, com a cumplicidade e a intimidade de quem abre um diário. O artista norte-americano Bill Viola foi um dos primeiros a colocar na linguagem do vídeo a questão do tempo e da memória como fundamentais para a construção das narrativas das memórias contemporâneas. Viola, numa entrevista pessoal, argumenta: “tem havido uma evolução e aceleração tremenda em fazer as coisas cada vez mais curtas, mais informação em menos tempo. Então sendo um artista, eu imediatamente pensei: Devemos fazer o contrário, colocar cada vez menos informação em mais tempo e assim provocar contemplação”.
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