Entre os dias 30 de agosto e 03 de setembro ocorre a segunda edição da SP-Arte Rotas Brasileiras, na ARCA, espaço localizado no bairro da Vila Leopoldina em São Paulo. A feira é uma vertente da consagrada SP-Arte – Festival Internacional de Arte de São Paulo.
Rotas brasileiras tem como um de seus objetivos atrair o olhar do mercado de arte sudestino para projetos e produções artísticas de todas as regiões do Brasil. É reconhecido que o mercado de arte e os espaços institucionais são muito centralizados no Sudeste e no Sul do país – e a partir disso, uma série de iniciativas têm proposto desvios para a inserção de outras regiões no circuito.
Contando com 70 curadorias de galerias e projetos, a organização da feira destaca o fato dos estandes serem pensados a partir do propósito de se olhar para a diversidade da produção nacional. Segundo Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte, Rotas brasileiras reimagina “as fronteiras entre o erudito e o popular, o centro e a periferia, o comercial e o institucional. A feira se propõe a expandir perspectivas, ampliar narrativas e romper estereótipos, estando mais interessada em trazer perguntas do que respostas fechadas”.
Reafirmando a feira de arte como um lugar de incentivo ao cenário cultural, a SP-Arte destinou espaços para projetos especiais envolvidos com experimentações de práticas artísticas em diferentes regiões do país. O coletivo Xiloceasa, formado por artistas da região do Ceagesp – São Paulo, trouxe à feira combinações de matrizes de xilogravura produzidas por seus integrantes ao longo da história do coletivo desde 2005 . É interessante para o público a possibilidade de contato com as matrizes para que se tenha uma aproximação maior com o meticuloso processo de produção de uma gravura.
A Igreja do Reino da Arte, coletivo de artistas do Rio de Janeiro, trouxe trabalhos de Edu de Barros e Andy Villela, que apresentam a “Santa do Paoco”. Em suas redes sociais, Edu de Barros conta que “A Santa do Paoco é a padroeira da edificação artística e se desdobra como uma entidade cujo simbolismo está associado à representação trans e feminina nas instituições sociais e artísticas”. Já a GDA – Galeria de Artistas, apresenta Afonso Pimenta e João Mendes, dois fotógrafos mineiros dos Retratistas do Morro, projeto vencedor do Prêmio PIPA Online 2023. O estande traz registros de cenas cotidianas das favelas brasileiras, principal foco do projeto que resgata e articula uma produção fotográfica em atividade há pelo menos cinco décadas nas periferias. Ambos projetos marcam a presença de temáticas sociais que ganham cada vez mais visibilidade em espaços institucionais – e que devem também ter uma circulação mercadológica.
O espaço de residências artísticas Sertão Negro, fundado em Goiânia pelo artista Dalton Paula, está presente na feira com “Aterramento”. A partir do encontro de produções de oito artistas, a curadoria aborda a relação dos corpos com a terra enquanto elemento sagrado, chegando a lugares de reflexão como a memória, afetividade, religiosidade, entre outros. Para a materialização dessas poéticas, diversas técnicas são interseccionadas, como pintura, fotografia, instalação e escultura.
Um ponto forte da feira é a abrangência de diferentes linguagens e materialidades presentes nos estantes. A curadoria da Lume de São Paulo, por exemplo, traz a solo da mineira Maré de Matos, intitulada “UM SENTIDO QUE CHEGA A TEMPO”. A artista experimenta a inserção da palavra na arte. Nessa curadoria, pode-se destacar a sobreposição têxtil como forma de organizar o uso da linguagem escrita abordada pela artista.
A Aura Galeria, de São Paulo, buscou trazer para a feira sua missão de representar, cada vez mais, artistas de todas as regiões do país. Com uma curadoria dividida em cinco eixos baseados nas regiões do Brasil, a galeria conseguiu trazer uma diversidade de linguagens e poéticas. Representando o Norte está o trabalho de Dhiani Pa’saro, que, segundo a galeria, oferece meios de desmistificar o olhar sobre a produção indígena, muitas vezes vista apenas por um viés artesanal. Os arranjos geométricos do artista são produzidos com a técnica de marchetaria utilizando pintura e diversos tipos de madeira.
Dentro de linguagens mais tradicionais como a pintura, nota-se a presença de outros suportes, para além da tela. No estande da RV Cultura e Arte, de Salvador, está o trabalho de Milena Ferreira, que investiga a memória individual e coletiva através de diversos materiais, em parte coletados no centro histórico de Salvador ou nas casas em que morou. Entre as obras está um conjunto de pinturas feitas em azulejos de formatos diversos.
A pintura de grande escala de Hariel Revignet é destaque na Mitre Galeria, de Belo Horizonte. O díptico “pintura instalação” – nas palavras da artista – é inspirado nas mais diversas versões de seres regentes da água nas culturas de matriz africana e indígena. A ancestralidade afro-brasileira também está em destaque no estande da Paulo Darzé Galeria, de Salvador, com obras de Ayrson Heráclito e Nadia Taquary, contando com esculturas, instalações, pinturas e fotografias.
Algumas curadorias se destacaram também pela integração entre obras e a expografia, fugindo de fundos neutros, como branco ou cinza. A Choque Cultural de São Paulo, por exemplo, promoveu no estande da feira o encontro entre o artista Alê Jordão com o botânico, paisagista e ativista ambiental Ricardo Cardim, que desenvolveram em conjunto a instalação Terra e Luz. Nesse ambiente, a arte urbana e questões ambientais são tratadas de modo em que obra e espaço se conectam de forma ampliada.
Outro exemplo é o estande da HOA Galeria, com a solo de Igi Lola Ayedun intitulada “UM FURACÃO RASGANDO DO ESTÔMAGO ATÉ A GARGANTA Y DOS OLHOS, MAR ABERTO, Y DOS OLHOS, OCEANO”, com três séries desenvolvidas pela artista em residência na França. O estante, com metade pintada de azul, dialoga diretamente com a pesquisa da artista acerca de pigmentos azuis na história e na pintura.
O Movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna, é homenageado pela galeria Marco Zero, de Recife. Além das obras de Suassuna, a curadoria de Cristiano Raimondi conta com trabalhos de Bozó Bacamarte, Gilvan Samico, Miguel dos Santos e Romero de Andrade Lima. Já a Almeida & Dale traz as pinturas de Heitor dos Prazeres, um dos mais importantes pintores do século passado – além de cantor e compositor.
Inaugurada em março desse ano, a Casa SP-Arte – espaço fixo da feira localizado no bairro Jardim Paulista – apresentou a nova individual de Maxwell Alexandre no dia 26 de agosto – em parceria com a Galeria Millan. “Novo Poder: passabilidade, Miss Brasil”, faz parte da série “Novo Poder”, desenvolvida pelo artista desde 2021, e já foi apresentada em La Casa Encendida em Madrid e no Pavilhão Maxwell Alexandre em São Cristóvão, no Rio de Janeiro – espaço criado pelo artista e também inaugurado neste ano. No novo desdobramento da série, foram mais de 20 obras inéditas pensadas especialmente para o espaço ocupado pela Casa SP-Arte. Entre as questões levantadas pelo artista, está a inserção de corpos negros em espaços da arte – nesse momento, em um atravessamento do mundo da moda como uma das formas de empoderamento pensadas pelo artista.
Quem visitar a SP-Arte, também terá a oportunidade de conhecer a mostra Arte dos Mestres no STATE, espaço ao lado da ARCA. Apresentando produções de 20 mestres e famílias artesãs, a mostra possui curadoria de Josiane Masson e Marco Aurélio Pulchério, com organização da ONG Artesol – Artesanato Solidário – que se dedica à valorização de artesãos há 25 anos.
São mais de 200 trabalhos que representam diversas vertentes da arte popular, contando com mestres de estados como Alagoas, Ceará, Mato Grosso, Pernambuco e Pará. A mostra é uma forma de articular e dar visibilidade a essas produções espalhadas pelo território nacional.
“Nossa missão é funcionar como um catalizador para toda a potência que os saberes e fazeres presente nessa produção autoral já possui, mas que no Brasil ainda não recebe toda a atenção devida. Essa exposição, que também funciona como uma feira, busca destacar os processos artesanais na feitura das obras e a valorização da nossa cultura popular transmitida através de gerações”, afirma a presidente da Artesol Sônia Quintella.
Todos os trabalhos foram especialmente desenvolvidos para a mostra que fica em cartaz até 03 de setembro, e podem ser comprados diretamente com os mestres e as famílias. Além de conhecer essas produções, o público pode assistir a documentários e participar de conversas públicas com os artistas e mediação do antropólogo Ricardo Lima. Entre os convidados das conversas estão a pesquisadora Adélia Borges e a diretora do Museu do Pontal, Ângela Mascelani.
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