Depois de 3 anos de atuação como um coletivo e um grupo de estudos, o Vozes Agudas lançou o 1º Prêmio Vozes Agudas. Neste projeto, se proporciona a inserção da produção de artistas mulheres cis ou trans no circuito artístico. Com um prêmio de mil reais e a participação em uma edição do podcast do coletivo, as artistas selecionadas também terão suas obras incluídas na Exposição Vozes Agudas em 2021 na Galeria Jaqueline Martins.
Não é baixa a porcentagem de conservadorismo dentro das instituições de arte contemporâneas e, reconhecendo a necessidade de rasgar os limites desse conservadorismo, o coletivo buscou olhar os trabalhos inscritos que até então resultaram em pouca adesão dentro do circuito contemporâneo seja por serem iniciantes ou carregarem consigo temáticas de indicadores sociais não centralizados.
Para um público especializado, as propostas alternativas podem fazer parte do radar de apreciação ao passo que para o público geral, a ideia de arte política e socialmente engajada ainda repele ao trazer de forma tão visceral os hematomas das relações sociais.
Após a intensa análise das inscritas, foram três as premiadas e duas selecionadas com menção honrosa.
Laryssa Machada, a primeira premiada, trabalha principalmente com fotografia e desenvolve uma estética vibrante sobre questões sociais passando também pela abordagem afro-descendente e indígena. É um diálogo poético sobre ser e o que se é obrigado a ser, explorando o abismo que existe entre esses dois polos. Na produção de Obediência, faz um “convite ao desacostume” – uma reflexão sobre a atitude humana frente aos recursos naturais e escancara a completa hipnose que a ganância desperta em nós. Se veste com embalagens plásticas de produtos de consumo de larga escala e demonstra a sua inquietação frente à artificialidade gerada pela vida urbana. E, ainda, desperta para a banalidade com a qual enxergamos essa dinâmica tão distante do que seria a nossa essência enquanto seres da natureza.
Na linha das mídias audiovisuais, a artista Massuelen Cristina surge com um trabalho que explora a sensibilidade das narrativas locais. Um trabalho subjetivo acerca dos detalhes e das inquietações de um ser no mundo. Reflete sobre questões de ancestralidade e as minúcias das cenas cotidianas. A partir de suas experiências pessoais e familiares, traz a percepção sobre si e os outros e demonstra, na prática, o quão grande é o pequeno. Numa extrema delicadeza, atinge a profundeza de quem se depara com as suas narrativas.
Ao desviar o sistema, a artista Monica Coster foi a terceira a ser anunciada como premiada. Apresenta um trabalho variado no que toca aos materiais e linguagens. Experimenta em vídeo, fotografia, escultura e instalação para construir suas obras. Vale aqui um destaque especial para uma intervenção na exposição do acervo fixo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Em 2016, usou das tradicionais linhas amarelas usadas em instituições culturais para delimitar os espaços das obras. Mas, ali, se voltou aos espaços vazios entre as obras expostas e demarcou o que seria o inverso do espaço tradicionalmente proibido. A atitude desperta um intenso questionamento sobre a utilização do espaço e as imposições institucionais e leva ao público a reflexão sobre seu próprio lugar enquanto apreciador e visitante. A brincadeira sagaz que desafia as dinâmicas institucionais se proporciona brilhantemente neste trabalho.
Com menção honrosa, foi a vez de destaque de uma artista independente e um coletivo. Ambas seguem por uma linha de questionamento às normatividades compulsórias e tóxicas com as quais a sociedade tanto se acostumou. Vulcanica Pokaropa explora a performance enquanto expressão de afrontar ao conservadorismo impositivo. O Coletivo Terroristas Del Amor, composto pela dupla Dhiovana Barroso e Marissa Noana desenvolvem um trabalho sobre o universo que envolve as afetividades lésbicas e a potência da união feminista.
É importante brindar as iniciativas que celebram estes trabalhos. A ampliação do acesso a essas produções só se torna possível com o esforço de coletivos e instituições que se dedicam a pensar ações que de fato incluam a diversidade. As iniciativas artísticas que trazem à tona o que é fresco, reflexivo, e que corresponde às urgências sociais reais, se enquadram na concepção do que se entende por arte contemporânea e precisam ser cada vez mais democratizados.
Podemos considerar que muito pouco sabemos sobre a produção dessas artistas, tendo em vista que foram escolhidas justamente por sua tangencialidade ao sistema da arte, mas em breve, na exposição promovida em 2021, será ampliada a possibilidade de conhecer com mais intensidade as propostas das artistas e consequentemente voltar a nossa atenção para outras propostas que não as tradicionalmente centrais.
Acredito que seja apropriado se utilizar da expressão criada por Laryssa Machada e dizer que esta premiação foi um convite ao desacostume.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
Gostou desse texto ? Leia também :