Workshop aberto ao público, durante o Programa “Science technology society”, da Delfina Foundation. Air Morphologies, 2019. Detail of 2D and 3D image of a soot particle, Matterlurgy & Kristina Thiele (Digital Maker Collective). (Foto: Divulgação)
Em entrevista à Plataforma ArtSoul, o empresário e colecionador Bernardo Faria comenta sua experiência durante Residência na Delfina Foundation (Londres), com enfoque em temas da arte, ciência e tecnologia, que contou com a presença de um colecionador e dez artistas selecionados.
A Delfina Foundation é uma organização independente, fundada em 2007, que promove Residências artísticas dedicadas ao desenvolvimento de pesquisas e práticas criativas. Sediada em Londres, a Delfina propõe programas temáticos direcionados à artistas, curadores, críticos de arte e colecionadores, além de workshops, palestras e conversas, abertas ao público em geral. Entre eles, programas de residência e pesquisa que abordam “O Colecionismo como prática” (Collecting as practice), “Performance como processo” (Performance as process), e o Programa público “Autonomia” (Autonomy), realizado em 2014, em parceria com a Associação Cultural Videobrasil.
O programa “Collecting as practice”, consiste em projeto pioneiro ao propor uma reflexão sobre as múltiplas dimensões do ato de colecionar, estabelecendo um programa de residências específico para colecionadores. Transitando por questões da arte, filosofia, psicologia e ciências sociais, já contou com duas edições, em 2017 e 2018, que reuniram colecionadores do mundo todo, em um diálogo fértil, com artistas, curadores e com o público. Entre os colecionadores que participaram do programa contam-se nomes como Pedro Barbosa (Brasil),Dorith Galuz (França),Luba Michailova (Ucrania),Lu Xun (China), Daisuke Miyatsu (Japão), Haro Cumbusyan (Turquia), Mark Dion (EUA), Chanon Kenji Praepipatmongkol (Tailândia),Nadine Siegert (Alemanha), Santiago Vilanueva (Argentina), Amanda Abi Khalil (Líbano).
Em 2019, o empresário e colecionador Bernardo Faria, participou da primeira edição de um dos programas temáticos da Delfina Foundation, intitulado “Science technology society”. Em entrevista à Plataforma ArtSoul, Faria destaca o interesse pelo programa de Residência, como consequência de sua prática como colecionador e de sua experiência profissional com as novas tecnologias, incubadoras de criação, plataformas digitais e com o mercado dos bitcoins.
Para o programa, “Science technology society”, além do colecionador brasileiro, que permaneceu em residência ao longo de aproximadamente uma semana, a Delfina Foundation selecionou dez artistas de diversas partes do mundo, e em diferentes momentos de suas trajetórias, entre eles: Salik Ansari (Índia), Jaro Varga (República Checa), Victoria Scott (Canadá/EUA), e a dupla Matterlurgy (Inglaterra). Segundo Bernardo Faria: “Aplicaram para este programa mais de duzentos artistas (…) O objetivo é você estar lá, conhecer pessoas, conversar”. Para os artistas participantes, o programa teve duração de três meses. Segundo o colecionador, “esse tempo e espaço é muito interessante, porque você cria uma troca natural de conhecimento, você faz um grupo, uma turma.”
Sobre a presença de um colecionador na Residência, inusitada para alguns dos artistas selecionados, Bernardo Faria comenta: “Sou muito curioso, gosto muito de saber dos projetos, do que eles estão fazendo. Então sentei horas com eles. E me contavam dos projetos, o que eles tinham feito, (…) e o que eles estavam pensando para o futuro. Um deles, tinha um projeto, que pensava o futuro das mãos. Eu adoro ouvir, fiquei amigo deles. Eu tenho essa curiosidade e disponibilidade. É um espaço de conversa (…) muito horizontal. Você estabelece uma conexão, um (…) tempo com qualidade.” Entre as atividades presentes no programa temático, realizado em parceria com a Gaia Art Foundation, incluíam-se também reuniões, jantares e workshops, que contaram com a presença de curadores digitais do Victoria and Albert Museum e da Serpentine Gallery.
Segundo Bernardo Faria a Residência na Delfina pode ser definida como um “(…) programa de pesquisa e network”, voltado à projeção dos artistas selecionados no contexto britânico e europeu. Sobre o cotidiano durante o programa, esclarece: “A minha rotina, como fiquei pouco tempo, contava com muitas reuniões por dia. Fiz questão de falar com todos. Eram 10 artistas. Na média eu tive duas conversas com eles. Além das reuniões com pessoas de fora, que visitavam a residência, ou em outras instituições.”
Um dos objetivos centrais do programa é contribuir para o desenvolvimento de projetos e pesquisas dos artistas selecionados. Neste sentido, Faria comenta sua iniciativa de intermediar a relação entre artistas e desenvolvedores digitais, durante sua participação na Residência, em Londres, e em seu contato com programadores e desenvolvedores de soluções digitais do New Inc., em Nova York: “Meu trabalho hoje é ouvir. Nesta vertical, que estou olhando, as pessoas estão produzindo o futuro. Ideias para daqui dois, ou três anos. Então, muitas vezes, vi oportunidades em alinhar, dar soluções, para acelerar [esses projetos]”.
Além da prática como colecionador, Bernardo Faria também participa do conselho de diversos museus no Brasil e no exterior, entre eles, instituições como a Pinacoteca de São Paulo, o programa Pivô e o MoMA de Nova York. Em entrevista à Plataforma ArtSoul, destaca sua presença no conselho do New Museum de Nova York, bem como o envolvimento com as atividades do New Inc., incubadora de tecnologia abrigada pelo museu. Segundo ele, esta organização desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento de pesquisas contemporâneas em arte e tecnologia, ao construir pontes entre artistas, designers, programadores, desenvolvedores de soluções digitais e empresas.
Bernardo Faria comenta que à medida em que se consolida sua participação no conselho das instituições passa também a “(…) pensar a coleção como conceito”, pois percebe que, deste modo, “ela tem mais potência”. Trata-se de uma decisão que “ajuda (…) a pensar os artistas que você quer ter na coleção”. Segundo ele, à partir desta resolução, “Um dos primeiros ângulos que começo a olhar é a questão do impacto da tecnologia no nosso mundo.”. Sua prática como colecionador parte, assim, da iniciativa de entender “a coleção como um reflexo do nosso mundo, ou da nossa leitura de mundo”
A coleção Rothier Faria tem início há 12 anos atrás, com a presença do casal de empresários no núcleo do MAM de São Paulo, que desperta o interesse pela participação em núcleos e conselhos de outras instituições museológicas, e também por exposições e feiras de arte contemporânea. Segundo Bernardo Faria, atualmente “A coleção tem um pouco da ambição de ser um reflexo do nosso mundo”, deste modo: “Ao mesmo tempo que ela traz um pouco dessa angústia, que a gente vive com a tecnologia, dessas mudanças todas, viver sob vigilância e como a tecnologia está mudando, desmaterializando nosso mundo. Por outro lado, reflete nossa conexão como seres humanos. Então acho que vai fazer a grande diferença quem conseguir se conectar. A gente sabe que está vivendo um período bem complicado de transformação, de modos de pensar, trabalhar, viver”.
Entrevista – Equipe Artsoul
Texto – Anna Luísa Veliago Costa
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