Os processos coloniais europeus que acometeram especialmente as Américas e a África são normalmente considerados por seus impactos econômicos, sociais e históricos. Contudo, esses processos violentos de invasão e imposição sobre territórios – e seus povos – possuem mecanismos baseados também na cultura. Contra os rastros coloniais que perduram até os dias atuais, encontramos os esforços decoloniais, que buscam, entre tantas coisas, uma revisão histórica, apresentando novas perspectivas.
Este texto pretende levantar alguns pontos essenciais sobre estudos e produções decoloniais na arte, movimento que define grande parte do cenário artístico internacional atual.
Todo grande movimento histórico é atrelado a movimentações culturais – envolvendo, assim, também as artes. O impacto da colonização europeia na cultura se baseia e se estabelece pela definição de uma classe artística principal, com um perfil muito bem definido: homens brancos: o símbolo – e a matéria – da colonização.
O estabelecimento deste perfil específico como protagonista na história da arte causou a exclusão de outros perfis, por questões estruturais, de acesso e visibilidade. E um dos movimentos decoloniais é justamente a reivindicação deste espaço.
Presenciamos, agora, a ascensão de narrativas que até então estavam silenciadas.
Estão centralizados nas produções artísticas decoloniais os corpos que carregam as consequências do processo colonizador: indígenas, negros, mulheres, transgênero, e demais corpos dissidentes que fogem do padrão hegemônico branco, cisgênero e heterossexual.
A restituição de poder, de espaço, de lugares que lhes foram tirados é objetivo e consequência da inserção desses artistas em ambientes institucionais.
Sendo a extração um dos pilares da colonização – não só de matéria-prima, mas também de poder -, encontramos em algumas produções artísticas a retomada de suas próprias narrativas, que lhes foram extraídas.
As instituições culturais se configuram como os principais espaços de conservação, exposição e diálogos de produções artísticas de modo sistemático. Desta maneira, entendemos essas instituições como canais de manutenção e difusão de narrativas históricas.
As instituições culturais, como os museus, são responsáveis por narrar as histórias da arte. E dentro deste cenário, buscam rever suas histórias contadas até agora. E se propõem a contar as novas histórias sob uma nova perspectiva: crítica, diversa e inclusiva.
Em uma publicação recente, apresentamos exposições de museus brasileiros que fazem parte deste movimento de revisão de seus acervos e programas públicos. Com esses exemplos, compreendemos o impacto do debate decolonial a nível institucional.
Dentro dessas revisões institucionais, alguns museus passaram a compreender que não é mais possível seguir uma lógica na qual a instituição fala sobre – ou fala por – determinados grupos invisibilizados.
Tentando superar a postura de falar “do outro”, os museus, agora, desenvolvem programas de debates e exposições nos quais representantes desses grupos falam por si. Assim ocorreu na exposição “Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea”, que tem curadoria de Jaider Esbell, artista e curador indígena que foi convidado pelo MAM SP para guiar o projeto.
A história oficial narrou as figuras de poder na colonização como heróis, e para eles foram destinadas suas homenagens. Encontramos nos grandes centros urbanos brasileiros os monumentos que celebram a trajetória de grupos como os bandeirantes, por exemplo.
É o caso do Monumento às Bandeiras, do escultor Victor Brecheret, inaugurado em 1953, na ocasião do quarto centenário de São Paulo. Símbolo da empreitada colonialista, o monumento já foi alvo de intervenções, como quando jogaram tinta vermelha sobre as estátuas em 2013.
Neste ano, o monumento mais comentado foi o Borba Gato, produzido por Julio Guerra e inaugurado em 1963 em São Paulo. Em julho deste ano, a estátua foi incendiada e a discussão acerca de monumentos no país foi reacendida. A presença destes monumentos no espaço público suscita a reflexão acerca de qual memória coletiva estamos construindo e conservando enquanto sociedade.
Como estão sendo representadas as histórias dos oprimidos, dos povos que lutam?
Os esforços decoloniais não devem parar nas produções intelectuais/artísticas, muito menos nas iniciativas institucionais. O público, enquanto consumidor da arte e agente do sistema, deve incorporar essas reflexões acerca do modo que operamos esse próprio sistema.
Trata-se de rever nossas referências, as produções que incentivamos e consumimos, os artistas que convidamos para exposições, debates, e todos os tipos de atividades. Dessa forma, uma pluralidade de discursos finalmente será possível, na medida que o espaço é aberto a todos que não tiveram acesso.
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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