O Coletivo Vozes Agudas, grupo que surgiu no espaço independente Ateliê397, anuncia o 1º Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas. Segundo Talita Trizoli, coordenadora do grupo Vozes Agudas e pós-doutoranda no IEB-USP, o prêmio destina-se a artistas mulheres brasileiras ou residentes no Brasil , é dada preferência para aquelas que ainda estão se inserindo no mercado, e “também aos marcadores sociais não-privilegiados como uma categoria de análise política dessas produções” .
Conversamos um pouco com a Talita para entendermos mais sobre o prêmio.
ArtSoul – Poderia começar introduzindo um pouco a história do Coletivo Vozes Agudas e do Ateliê 397, contando um pouco suas atuações?
O Coletivo Vozes agudas é um grupo feminista de estudos e de intervenções no meio das artes. Ele existe já há 03 anos, e surgiu a partir de um curso ofertado pelo Ateliê 397, com quem ele tem vinculo até hoje. Tivemos várias integrantes e colaboradoras ao longo desses três anos, e promovemos inúmeras ações de visibilidade para a questão feminista nas artes, como discussão de textos e ensaios, cursos, palestras e exposições com mulheres artistas nas dependências do Ateliê 397. O prêmio Vozes Agudas é uma continuidade dessas ações.
ArtSoul – Quais foram as maiores motivações para o desenvolvimento do 1º Prêmio Vozes Agudas?
Percebemos ao longo de anos, por experiências próprias ou por pesquisas acadêmicas, que o lugar que as mulheres artistas ocupam no meio das artes ainda é frágil e desvalorizado, principalmente se elas fizerem uso de temáticas feministas em sua produção ou se não pertencem a um espectro social de privilégio. Assim, pensando também em que atividade promover dentro desse contexto de pandemia, elaboramos o projeto do prêmio Vozes Agudas, tendo em vista justamente a possibilidade de criar plataformas de visibilidade para artistas sem inserção no sistema das artes.
ArtSoul – E de que forma o projeto responde ao contexto atual?
Com a deflagração da crise econômica e social devido a pandemia de COVID-19, ocorreu uma sobrecarga de trabalho doméstico e afetivo sobre as mulheres. Diversas pesquisas apontam o esgotamento mental, o abandono de carreiras e o imenso aumento de jornadas de trabalho para as mulheres por conta do isolamento social e o fechamento de instituições. O prêmio, ainda que singelo, visa justamente incentivar a presença das artistas mulheres como profissionais, e oferecer algum tipo de auxílio para o desgaste e invisibilidade que elas se encontram.
ArtSoul – Como você enxerga as relações entre mercado de arte e produções artísticas de mulheres agora?
Ainda que na nossa história da arte haja mulheres artistas importantes, e tenhamos um volume considerável de alunas mulheres em cursos de artes, ou como profissionais atuantes do meio, ainda ocorre uma baixa representatividade de mulheres artistas em galerias e exposições coletivas, e mais preocupante ainda, de espaços de liderança no setor – seus salários são inclusive menores do que seus colegas homens. Sendo assim, as reinvindicações feministas de inserção e valorização profissional ainda são necessárias, atreladas de modo inseparável a outros marcadores sociais, como raça, classe e idade por exemplo.
ArtSoul- O que é preciso fazer para inscrever um projeto no prêmio?
Para se inscrever é preciso preencher um formulário online, onde será possível enviar um portfólio de no máximo 10 páginas e 100 MB em formato pdf. Estamos interessadas em conhecer as produções em seu contexto e trajetória, mais do que trabalhos ou linguagens específicas. Assim, quaisquer artistas que se identifiquem com o espectro simbólico do feminino, exerça essa feminilidade em alguma medida, e não tenha larga adesão ao sistema econômico das artes, pode enviar o portfólio para avaliação. Podem se inscrever também coletivos de arte feminista, tendo aí entre as integrantes mulheres CIS ou TRANS – mas ressaltamos que existem apenas duas modalidades de inscrição: individual ou de coletivo.
ArtSoul – Quais características o prêmio mais valoriza para a seleção dos projetos vencedores?
Estamos interessadas em produções em diálogo com as questões contemporâneas das artes, portanto não estamos restringindo mídias, formatos ou linguagens. Estamos atentas também aos marcadores sociais não-privilegiados como uma categoria de análise política dessas produções, sabendo que esses referenciais interferem diretamente nas oportunidades de acesso e mesmo nos temas e vocabulários estéticos.
ArtSoul – Existe algum tipo de projeto que não contempla os ideais do prêmio e, portanto, não seria escolhido?
No caso, apenas de candidatas ou coletivos que não se identifiquem como mulheres ou o problema da feminilidade em alguma medida.
ArtSoul – As 3 artistas escolhidas farão parte de uma exposição coletiva na galeria Jaqueline Martins. Poderia comentar sobre como se deu essa parceria?
O apoio da Galeia Jaqueline Martins se dá dentro de um contexto de troca com as atividades do Ateliê 397, assim a exposição faz parte dessa programação ainda em fatura. Como ainda não temos a agenda já finalizada, fica difícil já delimitar o restante das ações. Mas a exposição com essas três artistas será uma coletiva com recorte curatorial independente do prêmio, ainda que ele será um material de referência para nós.
ArtSoul – Existem prêmios para produções artísticas femininas que serviram como inspiração para o prêmio Vozes Agudas?
Existem prêmios para mulheres artistas dentro de associações de apoio e pesquisa nos EUA e na FRANÇA, como o do Women’s Caucus for Art em Nova York que existe desde 1972 e o grupo AWARE em Paris. São instituições independentes e com boa margem de negociação em seus territórios, mas no Brasil e nos países vizinhos da América Latina, desconhecemos iniciativas do tipo. Adoraríamos saber se existem ou houveram…
ArtSoul – Para encerrar, qual mensagem vocês gostariam de deixar para as novas artistas que estão tentando se inserir no mercado?
A sociabilização feminina coloca uma carga imensa de responsabilidade em cima das mulheres, e insere uma exigência de esforço e de excelência bem desproporcional aos colegas masculinos, brancos, “bem nascidos”, e não tolera os ditos “fracassos” – no entanto, é precisar frear e matizar essas exigências, entender que são condições sociais de limitação e não de responsabilidade pessoal. Uma boa dose de teimosia é necessária, mas principalmente, muita consciência do seu lugar social, suas limitações e direitos. Sabendo disso, fica mais fácil negociar algumas questões profissionais e não se cobrar em demasia por problemas que são do sistema, e não de dimensão pessoal.
As inscrições podem ser realizadas até 14/10/2020, mediante o preenchimento da ficha de inscrição. Todas as informações se encontram no edital e no site do prêmio. Para qualquer dúvida, é possível entrar em contato por meio do e-mail vozesagudas@gmail.com .
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