A configuração do isolamento social no Brasil desde o começo da pandemia do covid 19, mesmo que guiado por determinações governamentais imprecisas, sem dúvidas impôs novas condições em nossas rotinas. Tanto para quem teve a opção de ficar em casa, como para quem precisou sair para trabalhar. E, para além disso, implicou em uma série de adaptações e reflexões em torno de nossos modos de convívio e consumo.
Não poderia ser diferente em um universo tão dinâmico como o das artes visuais.
Para Darli Nuza, artista pesquisadora, Doutora em Arte e Tecnologia com ênfase em mercado de arte tecnológica pelo PPGArte/ UnB, a análise das relações entre mercado, arte e tecnologia envolve dois vieses: “Um é o mercado de arte e tecnologia que comercializa obras produzidas com tecnologias contemporâneas ou são completamente digitais, sem suportes físicos. O outro são as plataformas digitais, ou seja, o online que é usado como meio para negociação dessas obras e, exposição e venda de obras tangíveis, físicas”. Nos ateremos ao segundo.
A pesquisadora observa que nos últimos anos “o crescimento do on-line para vendas disparou, principalmente durante a pandemia, a nível mundial e o Brasil não ficaria de fora, por ter seu arsenal de galerias (acredito que isso não tem volta). Mesmo com as feiras suspensas, as galerias se reorganizaram no online com encontros, conversas com artistas e agentes de arte. Assim, desenvolveram seus catálogos online para manterem visitas e consequentemente, vendas”.
Maria Montero, artista e galerista, fundadora da Sé Galeria(SP), avalia esse novo contexto para nossas relações pessoais e profissionais: “Vai ser a era da troca, do pensamento mais voltado para um interesse coletivo, menos individual. É um contexto frágil que exige transparência, possibilidades colaborativas e uma escuta generosa. Cito o p.art.ilha e o time to rethink como duas experiências transformadoras”. E também compara nossas dinâmicas atuais e anteriores à pandemia: “No nosso dia dia frenético estávamos conversando de modo insuficiente”. Montero acompanha as pesquisas de artistas representados por sua galeria, como Traplev, que desenvolveu uma série de trabalhos nos primeiros meses de quarentena, relacionando questões econômicas, sociais, e toda a complexidade envolvida por este período.
Diante deste cenário, partir do olhar de artistas se mostra uma tarefa essencial. Produções visuais são materializações críticas de visões de mundo, de modo que artistas conseguem sintetizar fenômenos que nos atravessam em planos individuais e coletivos.
Para Rapha Dutra, artista visual multimídia, nascida em Salvador e atualmente residente em São Paulo, o impacto da pandemia sobre seus processos pode ser percebido de diversas maneiras. Em uma ordem prática, seu trabalho se adaptou a editais de emergência que se multiplicaram na pandemia. Mas o isolamento vivido por ela foi também objeto de pesquisa, dando origem à série fotográfica Irretratos de Quarentena.
A publicação desta série permitiu a Dutra analisar as interações dentro das redes sociais em diferentes momentos da quarentena:
“Dentro da série Irretratos de Quarentena eu fui percebendo que as aproximações aconteceram ao longo do tempo. Eu fiz essa série dentro do 1º mês de quarentena. Tive uma boa interação, especialmente em algumas que abordavam alguns temas. Recentemente eu repostei nos stories as mesmas performances em sequência e reparei novas interações, de pessoas inclusive que tinham interagido antes, mas que revisitaram e se aproximaram diferente”.
O início desta crise humanitária foi marcado por um grande esforço de instituições de arte – com seus meios de comunicação – em destacar todo aparato de experiência digital desenvolvido até então, como visitas virtuais e acervos online. Neste momento, depois de quatro meses enfrentando limitações, o mundo da arte, especialmente o mercado, repensa sua relação com o universo digital, tanto para a apresentação de obras e conteúdo, como para a comercialização de trabalhos.
Feiras consagradas foram adaptadas em plataformas digitais, como ocorreu na edição de Hong Kong da ArtBasel, enquanto a versão de Basel, na Suíça, foi cancelada este ano. E novos espaços digitais voltados à comercialização de obras de arte e subsistência de galerias foram criados, como a Not Cancelled, plataforma que promove semanas de arte e feiras digitais.
Para Maria Montero, que participou da edição brasileira da Not Cancelled com a Sé Galeria, as estratégias criadas entre galerias neste momento são significativas: “É claro que acaba sendo uma estratégia de sobrevivência, mas tem um lado bem bonito, nesse momento de muita incerteza. É um exercício de seguir perto da produção dos artistas, uma feira online no momento atual é também um recorte da produção crítica dos artistas nesse presente contemporâneo tão fragilizado”.
A Sé Galeria está entre as mais de 40 galerias participantes da Arte da Quarentena, evento online que inaugura o espaço expositivo da Artsoul. Trata-se de um recorte da produção visual desenvolvida ao longo do isolamento social vivido por artistas que produzem em diversas linguagens. A exposição apresentará mais de 600 trabalhos.
Darli Nuza vê nesse momento uma ampliação: “Com as plataformas digitais o mercado de arte viu o ingresso de novas pessoas, diferentes públicos, suas visões gostos e hábitos. Deixar de usar todas essas ferramentas e seus resultados, pode ser considerado recuo mercadológico. Logo, os dois se farão presentes nos espaços de arte: o físico e o virtual”.
E Maria Montero reforça a importância de ações coletivas neste momento: “A vida está um pouco a flor da pele então qualquer instrumento para seguirmos juntos, imaginando mundos melhores é válido. Online, offline ou ao vivo, nossa responsabilidade aumentou exponencialmente. Só espero que possamos usar os canais disponíveis para manter alguma esperança na arte e na poesia, grandes forças de resistência social e política, numa era tão prosaica e de valores tão obscurecidos pelo sistema falido onde habitamos todos.”
Arte da Quarentena acontece entre os dias 27/07 e 02/08, no espaço expositivo da ArtSoul, e 10% das vendas serão destinadas às instituições: Associação Brasileira de Arte Contemporânea(ABACT); Horizontes; Instituto de Arte Contemporânea(IAC).
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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