Conhecido como autor de renomadas obras da Renascença Italiana, de cunho religioso e mitológico, Sandro Botticelli foi um dos ilustres e mais importantes pintores do Quattrocento no século XV – segunda fase do Renascimento-, além de ter grande influência na arte deste período, principalmente em sua cidade natal, Florença, onde tornou-se notável e famoso até a virada do século.
Retrato de um Homem Jovem, 1483. Sandro Botticelli. Imagem: WikiArt.
Alessandro di Mariano di Vanni Filipepi nasceu em Ognissanti, Florença, em aproximadamente março de 1445 e, o dia, apesar de incerto pela falta de registros históricos, é estimado o primeiro do mês. Embora Sandro seja um diminutivo de seu nome de batismo, há, ainda nos dias de hoje, muitas dúvidas sobre a adoção do nome Botticelli como seu pseudônimo. Porém, acredita-se que tenha sido um apelido, que significa “pequeno barril” em italiano, dado por um de seus irmãos que também era apelidado desta forma por conta de sua aparência física.
Segundo o pintor e biógrafo italiano Giorgio Vasari, Botticelli foi alfabetizado, aprendeu cálculo e, como muitas outras crianças, estudou para se tornar um comerciante, porém não obteve interesse algum pelas áreas, tampouco pela profissão de seu pai como curtidor de peles e couro. Por volta do início da adolescência, Botticelli começou a trabalhar com ourivesaria, fabricando jóias e artefatos com metais preciosos, onde desenvolveu grande apreço pela arte.
Na juventude, aproximadamente aos dezessete anos de idade, foi apresentado ao pintor renascentista Filippo Lippi, o qual passou a ser seu mestre na Escola Florentina do Renascimento, ensinando-o sobre a obra e técnicas do pintor Masaccio e a perspectiva tridimensional ainda não muito utilizada naquela época.
Após a morte de Lippi, Botticelli se dedica completamente à arte e, aos vinte e cinco anos de idade, abre seu próprio ateliê instalado na casa onde morava em Ognissanti. Em pouco menos de um ano, recebe sua primeira encomenda documentada, feita pelo governador de Florença, Lourenço de Médici, para adornar o Tribunale della Mercanzia. Entretanto, a obra “Fortaleza” (1470), que inicialmente seria de Piero del Pollaiolo, apenas passa para encargo de Botticelli após a intervenção de seu irmão mais velho, Antônio, e um amigo próximo dos Médici.
Nos anos que se seguiram, Botticelli se tornou um fiel servidor dos Médici e da Igreja, trabalhando em diversas obras que lhe eram encomendadas, além de também ter ganhado fama fora de Florença, tal qual Andrea del Verrocchio e Leonardo da Vinci. Fama essa que o levou a pintar três afrescos da Capela Sistina, no Vaticano, solicitado diretamente pelo Papa Sisto IV. Foram eles: “Tentação de Cristo”, “Cenas da Vida de Moisés” e “O Castigo dos Rebeldes”, todos de 1482.
A esta medida, Sandro Botticelli se consagrava um grande artista na Itália, sendo requisitado por aristocratas e famílias importantes de todo o país, tornando-se, inclusive, mestre de Filippino Lippi, filho de Filippo.
Por volta da década de 1490, em meio a um grande conflito político e religioso que se estendia em Florença graças ao declínio dos Médici e à invasão do rei da França (Carlos VIII), Botticelli tem sua fama tomada de forma negativa. O artista se envolve em algumas polêmicas em torno do assunto, como o apoio declarado ao monge e novo governador Girolamo Savonarola que, mais tarde, foi excomungado pelo Papa e condenado a pena de morte sob a acusação de falso profeta.
Em 1502 o artista foi acusado de “homossexualismo” e, apesar de ter ficado livre por não haver provas, o rumor se manteve por algum tempo, manchando sua imagem durante os últimos anos de vida.
O Trecento – primeira fase do Renascimento – foi marcado pelo Humanismo e a desvinculação entre religião e ciência, principalmente quando a Peste Negra tomou conta da Europa e do mundo, abalando crenças e abrindo espaço para o culto à mitologia e culturas divergentes ao catolicismo, algo que as artes abraçaram até mesmo durante as outras fases do movimento.
Mais de cem anos depois da pandemia, inspirado por obras greco-romanas que viu em uma viagem à Roma, Sandro Botticelli, ao retornar para casa, começa a pintar cenas mitológicas e não apenas passagens bíblicas como anteriormente em sua carreira.
Foi com a mais famosa pintura do artista, “O Nascimento de Vênus”, datada entre 1482 e 1485, que o paganismo e a mitologia representados em obras de arte atingiram o ápice.
Podemos ver ao centro da tela uma mulher nua, cobrindo seus seios e parte íntima com as mãos e os cabelos. Trata-se da deusa romana do amor, Vênus. Além de outras três figuras ao seu redor que representam Zéfiro e uma ninfa, voando ao lado esquerdo, e Flora, a deusa da primavera, à direita, prestes a cobri-la com um manto. A concha sobre a qual a personagem principal se encontra representa fertilidade e prazer, mas também é considerada um símbolo de batismo.
A pintura foi feita utilizando têmpera sobre tela e faz parte do acervo da Galeria Uffizi, em Florença, na Itália.
Em “A Primavera”, feita com têmpera sobre madeira, supostamente para o casamento de Lorenzo de Médici, o artista utiliza novamente um plano onde não há perspectiva linear.
Vênus carrega a atenção da obra ao ser posicionada no centro e a única mais ao fundo, tendo logo acima de si, o Cupido atirando uma flecha. Na esquerda, Mercúrio aparece segurando uma espécie de cajado e as Três Graças – representadas frequentemente na arte, como em pinturas de Peter Paul Rubens e da brasileira Maria Martins. À direita o deus Zéfiro é representado pela figura azulada com asas, segurando a ninfa Clóris, ao lado de Flora que joga flores de seu vestido.
A obra, localizada na Galeria Uffizi, em Florença, viralizou recentemente após ativistas ambientais colarem suas mãos no vidro em protesto climático. O quadro não foi atingido graças ao vidro protetor na superfície da tela e os manifestantes foram detidos.
Nos anos em que teve seu nome envolvido em polêmicas, Botticelli teria supostamente destruído diversas de suas obras com temáticas mitológicas. Isso porque como fiel seguidor de Savonarola, passara a repudiar o paganismo, voltando a pintar apenas telas de cunho religioso e cristão.
Dentre seus famosos quadros religiosos, datados antes e depois da década de 1480 (período que se interessou pela cultura pagã), estão as Madonas, que são contabilizadas em mais de 20 pinturas distintas registradas, e as diferentes versões de “Adoração dos Magos”. Algumas dessas adornavam as propriedades dos Médici e de ricas famílias florentinas.
“Adoração dos Magos” de 1475 é a mais conhecida e renomada versão da passagem bíblica pintada por Botticelli. Nesta obra o artista utiliza da perspectiva linear para construir o cenário da cabana de Maria e José e os monumentos ao fundo.
Encomendada pelo nobre Guaspare di Zanobi, a pintura contém figuras respeitáveis e portadoras de grande poder na época, como membros dos Médici, representados nos Reis Magos e arredores, além do próprio cliente. Botticelli também é representado à extrema direita, olhando para o espectador e sendo o único personagem vestindo um manto totalmente dourado.
A obra foi feita com têmpera sobre madeira e também está localizada na Galeria Uffizi, em Florença, Itália.
Com a ascensão de Da Vinci e o surgimento de outros importantes artistas do Cinquecento – terceira fase do Renascimento – , a arte de Botticelli passou a ser considerada ultrapassada. E apesar das polêmicas em que se envolveu, o que realmente incomodava os clientes e apreciadores de arte era a estética cada vez mais clássica, medieval e sem evolução.
Sandro Botticelli faleceu onde viveu, em 17 de maio de 1510, sozinho e sem nunca ter se casado ou tido filhos. Sua obra logo caiu em esquecimento, durando cerca de trezentos anos, até que os estudiosos e críticos pré-rafaelitas, John Ruskin e Walter Pater, encontraram valor em sua arte, trazendo de volta sua fama.
Atualmente é considerado um dos maiores pintores do Renascimento e suas obras fazem parte de acervos de grandes museus ao redor do mundo, além de serem vendidas a altos preços, como foi o caso do raro quadro “O Homem das Dores”, leiloado a US$ 45 milhões em janeiro de 2022.
Julia Mattioni é artista visual e estudante de Artes Visuais das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
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