Não basta uma forma de arte ser feita hoje para atribuirmos a ela o caráter de arte contemporânea. Na verdade, essa atribuição depende da ligação dessa produção ao espírito do tempo agora, ou o Zeitgeist, que ecoa esse momento contemporâneo.
Para começo de conversa, podemos comparar a atitude dos artistas contemporâneos com a de seus antecessores, os modernos. Os contemporâneos não compartilham da atitude moderna, que buscava a construção de um tempo/espaço suspenso, puro, sintético e abstrato, situado num plano que estaria fora das coisas mundanas (que compõem o mundo real).
No mundo contemporâneo – demarcado por acontecimentos como a derrocada do comunismo, a queda do Muro de Berlim, o fim da bipolarização, o redimensionamento das geografias mundiais e a institucionalização do terrorismo como a grande narrativa global – a arte não mais redime. Pelo contrário, a prática artística passa a assumir-se como um projeto de negociação incessante com os acontecimentos e percepções da vida; passa a incorporar e comentar a vida cotidiana em suas grandezas e pequenezas, em seus potenciais de estranhamento, em suas banalidades e seus afetos.
Muitos estudiosos situam o início da arte contemporânea nos anos 1960, com as mudanças de mentalidades trazidas pela arte conceitual, mas é no início dos anos 1980 que o cenário sociopolítico norte-americano se configura de modo a apresentar um panorama completamente diferente. O governo republicano de Ronald Reagan substitui o slogan minimalista “menos é mais”, que prevalecia na produção artística americana até então, pelo mote “mais é mais”. O período é ilustrado na série Dallas (1978-1991), que retrata o glamour e a riqueza da alta-sociedade norte-americana. Nessa mesma época ocorre um boom na bolsa de valores e surgem os yuppies, jovens urbanos que enriquecem rapidamente com a economia de mercado. Esse novo público consumidor passa a desejar investir e consumir arte. Não aquela arte modernista experimental dos minimalistas e conceitualistas, mas uma arte que pudesse obter um valor de mercado e ser, ao mesmo tempo, decorativa. Volta-se à ideia de que a arte deveria ser reconhecível pelo público e que pudesse se ancorar nas narrativas da vida. Este período foi chamado de pós-modernismo, mas hoje ele é colocado num panorama mais amplo de arte contemporânea.
A partir da década de 1980, o cenário político mundial deixa de ser marcado pela bipolaridade capitalismo versus socialismo e o liberalismo econômico ganha força. Com a queda do Muro de Berlim, muda-se a estrutura política mundial e consequentemente a produção artística se transforma. Enquanto a arte moderna ancorava-se no ideal do novo, a arte contemporânea é marcada pela busca de sentido. O novo no mundo contemporâneo não existe mais como motor de produção artística. As radicais mudanças geopolíticas e as inseguranças trazidas pela tecnologia, pela globalização e pelas mudanças ambientais fazem com que os artistas busquem, antes de mais nada, um sentido no mundo. Obviamente, isso não significa uma volta à representação clássica; pelo contrário, toda expansão dos significados de arte trazidas pelos artistas modernos foi absorvida pelos contemporâneos.
Como declarou a artista contemporânea Barbara Kruger, no final dos anos 1990, em entrevista à revista Art in America (novembro, 1997, p. 97), “Fazer arte é materializar sua experiência e percepção sobre o mundo, transformando o fluxo de momentos em alguma coisa visual, textual ou musical. A arte cria um tipo de comentário”.
Em outras palavras: a prática e o pensamento que emolduram a produção contemporânea substituem a noção de arte em si por uma junção entre estética e ética, na configuração de conteúdos que tenham potências políticas.
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