Boas composições também podem acontecer por acaso. Os benefícios da imprevisibilidade não valem apenas para a arte, mas também para a vida. Apesar de não ter ocorrido de forma proposital, o fato do conjunto de ateliês chamado de O Predinho ser ocupado apenas por mulheres, certamente dá o tom para o projeto que tem realizado seus primeiros passos.
Localizado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, o edifício composto por 2 blocos passou a abrigar ateliês de artistas visuais desde o início de 2022. Atualmente, o edifício é sede também de um estúdio de gravação e um restaurante.
Luciano Fanucchi, proprietário do edifício, contou em entrevista à Artsoul que o prédio foi construído por seu pai há cerca de 50 anos, com finalidade residencial – o que mudaria alguns anos depois, quando passou a ganhar fins comerciais. Para Luciano, a nova proposta de ocupação do imóvel representa uma resistência dentro de um cenário de construção de grandes prédios comerciais na região. O uso do imóvel para fins culturais pode também trazer uma movimentação no bairro, atraindo novos interessados em trabalhar com arte e áreas relacionadas, acredita o proprietário.
Foi através de Ana Gonzalez + Berganton e Marina Schroeder que ganhou forma a ideia de destinar aquele espaço ao setor artístico. Marina, que teve empresa de eventos durante 20 anos, comenta sobre o que mudou para ela através das trocas no Predinho:
“A arte faz parte da minha vida desde muito nova, mas o ambiente e as trocas com artistas é algo recente e que contribui demais para minha prática. Falo que encontrei uma tribo da qual eu faço parte depois de 40 anos’”.
Ana, que vive entre a gastronomia e a arte, já estava estabelecida no edifício com seu restaurante Fome de Quê? quando propôs a Luciano que uma daquelas salas comerciais se tornasse seu ateliê artístico.
“De certa maneira, é um lugar de concentração de ideias. Um espaço também acolhedor por fazer parte da minha história com o buffet, que acontece neste quarteirão de pinheiros há quase 25 anos. Acho que toda essa movimentação do “fazer acontecer” – que de uma certa maneira borbulha aqui nos corredores – ajuda na minha produção artística, pois, a partir do momento que existe a troca e vivências com outras artistas, assim como a dinâmica do estado natural para criar, para estar, me sinto livre e feliz para tornar a minha prática um ciclo constante de evolução”, elabora Gonzalez + Berganton em depoimento para a Artsoul.
O convite se estendeu à Beatriz Lindenberg, e não demorou muito para que uma rede de contatos já existente começasse a se articular naquele prédio, que foi reformado para essa nova finalidade.
As artistas, que são ligadas há um tempo por uma pós-graduação, sentiram a necessidade de produzir em um espaço comum, onde as trocas pudessem ocorrer de forma recorrente.
Durante entrevista à Artsoul, Marina contou que a ideia, a princípio, era ter um espaço para produzir e trocar, mas que de forma natural o projeto foi se delineando, até que todos os ateliês já estavam ocupados por mulheres – atualmente 18 artistas.
“Trabalhamos literalmente com as portas abertas, frequentamos os ateliês umas das outras, ocupamos as áreas comuns em conjunto, visitamos exposições juntas e trocamos ideias sobre nossos trabalhos. Trata-se de um ambiente muito estimulante, de muita parceria e aprendizado”, conta Mariane Chicarino a respeito do convívio entre as artistas.
A coletividade é cada vez mais pautada no meio da arte, indo na contramão de uma ideia antiga da solidão do artista como condição primordial para o processo criativo. Curadorias são pensadas por coletivos, produções artísticas nascem no atravessamento de muitas mentes e, cada vez mais, espaços vêm sendo ocupados por artistas que apostam na coletividade para potencializar seus trabalhos e seu alcance.
Ao longo de 1 ano o prédio foi recebendo as artistas que, aos poucos, passam a descobrir as possibilidades de troca e influências mútuas. Cada ateliê é ocupado por duplas ou trios, já que os espaços são amplos. Michelle Rosset conta um pouco sobre essa dinâmica:
“Eu sempre gostei muito de trabalhar sozinha na minha privacidade, mas ao mesmo tempo, o Predinho me proporciona a troca de informações e convívio com amigas antigas e novas que conheci quando me mudei. Essa troca é muito rica, pois olhando para o trabalho do outro sempre podemos repensar no que estamos fazendo e ajudar com alguma questão que for pedida”.
O primeiro gesto coletivo das artistas é a ocupação das escadas do edifício com trabalhos selecionados de cada uma. A descoberta da relação com arquitetura, portanto, se tornou um meio de abrir o diálogo entre produções que são tão diversas. Afinal, não há uma linha conceitual ou uma linguagem artística comum que conecta essas artistas, mas, antes disso, o desejo de um espaço que potencialize cada trajetória.
Em conversa com a Artsoul, Beatriz Lindenberg afirmou que essa troca passa por muitos lugares, desde leituras, dicas no processo criativo, e até mesmo a possibilidade de compartilhar inseguranças comuns – o que também faz parte de um processo de amadurecimento. Izabel Simonsen afirmou que a grande movimentação entre as artistas é algo que não as deixa parar, portanto, uma dinâmica de fortalecimento coletivo, algo inspirador. “Além disso, dividimos fornecedores de molduras, compartilhamos dicas de edital e residências artísticas, por exemplo”, completa Beatriz.
Um dos resultados imediatos para cada artista é, sem dúvidas, a visibilidade. A simples articulação de várias artistas no mesmo espaço possibilita a troca de contatos de cada uma delas para todas envolvidas nessa rede. Mariana Zoccoli reforça a importância desse tipo de rede: “A união de interesses e os novos contatos são essenciais para estar dentro do circuito. O trabalho em conjunto facilita o acesso à informação e abre novos caminhos para todas as artistas que aqui estão”.
O Predinho está tomando forma como um lugar de circulação de artistas, agentes do meio da arte e interessados. “O circuito da arte é dinâmico e exige dos artistas o mesmo dinamismo nas suas produções. Estar em contato frequente com outras artistas é fundamental para que isso aconteça”, comenta Simone Dutra.
Já para Eliane Mattos, a configuração atual d’O Predinho é essencial para que o coletivo atue dentro de um universo ainda desigual para mulheres:
“O Predinho vem nos ajudando a conquistar nosso espaço nesse gigante mundo da arte e ao mesmo tempo empoderando nós mulheres, em nossa luta diária de atingir nossos sonhos mais elevados como profissionais de respeito”.
Enquanto um espaço expositivo comum ainda está sendo idealizado, o edifício pode ser visitado através de hora marcada, pelo site ou Instagram.
Conheça as artistas do Predinho:
Debora Knittel | Izabel Simonsen | Lilian P Grunebaum
Vera Souto | Simone Dutra | Renata Pinheiros
Patrícia Carparelli | Suzy Gross | Mariana Zoccoli
Marina Schroeder | Beatriz Lindenberg | Ana Berganton
Luiza L Lavorato | Michelle Rosset | Mariane Chicarino
Flavia Matalon | Bruna Rinaldi | Eliane Mattos
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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7 Comments
Ótima iniciativa.
Muito interessante.
O “Predinho” pode ser visitado?
Se sim, favor indicar dias, horário de funcionamento e telefone para agendamento.
Obrigado desde já.
Abraços.
Claudio
Prezado Cláudio, O Predinho pode sim ser visitado. Para agendar sua visita, é preciso entrar em contato com as artistas na página oficial do instagram no link a seguir: https://www.instagram.com/o.predinho/
Parabéns, achei genial, so curiosidade, por que esta limitado para artistas femininas?
Olá, Bertini! O grupo foi formado por artistas mulheres de forma orgânica, ou seja, não foi uma intenção prévia, acabou acontecendo ao longo do processo.
Olá todas do Predinho!
Que iniciativa linda reunir tantas artístas num espaço único!
Eu gostaria de conhecer, pode ser?
abraço
Cecilia D’Antino
Prezada Cecilia, você pode conhecer sim! Para visitar o espaço, entre em contato com as artistas através do instagram oficial no link a seguir: https://www.instagram.com/o.predinho/ Assim, você poderá agendar o melhor horário diretamente com elas.
muito bom as obras de arte