Projeto cédula, de Cildo Meireles – Conjunto de novas cédulas lançadas pelo artista em diferentes anos abordando novas questões políticas – imagem Folha de São Paulo
Arte conceitual, como é intuitivo concluir, está ligada a um conceito. Mas, claro, toda obra de arte pode ser entendida como representação de um conceito. Seja a tradução de preceitos religiosos, seja por seu conjunto de técnicas, ou até pela transformação da representação do mundo até então, a arte sempre carregou uma bagagem teórica conceitual consigo. O que fez então com que artistas de diversos países nos anos 1960, propusessem algo que se estabeleceu por arte conceitual?
Vejamos por início, uma definição livre de conceito: aquilo que a mente concebeu ou entende. Ideia ou noção; representação geral; símbolo mental. A definição é clara: conceito se propõe a ser um elemento abstrato. Como vimos, sempre houve elemento abstrato presente nas obras de arte; a celebração da imagem de uma divindade medieval, a emoção gerada pelo sorriso da Monalisa, o encantamento e a vibração que se absorve das pinceladas de uma pintura de Monet.
As obras de arte, em geral, carregam uma abstração. A questão que se coloca em xeque pelos artistas conceituais se refere a como todos esses trabalhos foram absorvidos pelo mundo da arte: uma recepção do público que chegava muito próxima à devoção e à fetichização da imagem.
Todas essas obras, então, se encerravam no objeto, no visível, no que estimula a admiração visual. A obra era o que se apresentava. Era sobre a técnica, era sobre o palpável, era sobre a imagem.
A arte conceitual vem, então, quando os artistas percebem este contexto e buscam emancipar a arte do domínio físico, trazendo trabalhos que valorizam a ideia em detrimento do objeto. Os artistas não negam o objeto, mas usam-o como ponto de partida inicial para o desenvolvimento do que é a obra de fato: o conceito.
Essa proposta mudou a base de toda a história da arte construída até então, uma vez que, entendendo a obra de arte como elemento além do mero físico, quase todos os parâmetros que norteavam o que se entendia por arte foram transformados. Ao invés da permanência, o efêmero; a performance ganha força nessa época como um acontecimento, um momento de efervescência criativa que se tem fim, não se pode apalpar, não se pode cultuar, não se pode emoldurar.
Ao invés da autoria única, a criação coletiva; a figura do artista se dilui e se dissemina a noção de coautoria a partir da interação com o público, o artista trabalha junto ao público e entende a obra não como objeto físico, mas como ação artística.
Ao invés do apadrinhamento de grandes academias, a crítica às instituições; os artistas se tornam mais independentes e buscam meios alternativos de circulação dos trabalhos que não os espaços museológicos.
No Brasil, tivemos fortes trabalhos artísticos a partir da década de 70, com destaque para a série Inserção em Circuitos Ideológicos de Cildo Meireles. Nesta série, o artista desenvolveu o Projeto Cédula (1975), no qual carimbou notas em dinheiro com frases de conotação política, como, por exemplo, “Quem matou Herzog?” – jornalista preso e morto por militares durante a ditadura militar brasileira – e inseriu novamente em circulação. Assim como o Projeto Coca-Cola, no qual inseriu um novo rótulo em garrafas comuns de Coca-Cola para colocá-las em circulação. Nessa intervenção, o rótulo ensina ao consumidor passo a passo sobre como produzir um coquetel molotov.
Mais recentemente, tivemos obras de Sérgio Adriano H, que, diferente de Cildo, não tem referência na ditadura, mas seu trabalho perpassa questões raciais muito pertinentes aos dias atuais. Na fotografia da série O Lugar que não pertenço I, o artista se encontra nu ocupando o mesmo pedestal no centro da cidade de São Paulo que está ocupado por escultura de bandeirantes – agentes responsáveis pelo genocídio de sociedades indígenas e africanas durante a colonização do nosso país. São trabalhos fortes e pontuais que nos levam muito além do estético e transformam o objeto em suporte para reflexões sociais.
Sérgio Adriano H é representado pela galeria Choque Cultural.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP. É fotógrafa independente e colunista da Artsoul.
Para ler mais sobre arte contemporânea, clique aqui.