Obra de Matheus Rocha Pitta para a edição de 2019 do Clube de Gravura do MAM (Foto: Divulgação).
Criados por Museus e Galerias, os Clubes de Colecionadores voltados à Arte Contemporânea são conhecidos por reunir colecionadores iniciantes, interessados em suas propostas acessíveis e experimentais. Os Clubes viabilizam a execução de projetos e colaboram para impulsionar a produção de novos artistas. Em alguns casos, também contribuem para a ampliação do acervo de instituições museológicas.
Entre estas iniciativas, se destaca o Clube de Colecionadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que completa em 2019, 33 anos de existência. Dedicadas, respectivamente, à Gravura e Fotografia, suas edições anuais são reconhecidas como espaços permeáveis à pesquisas experimentais. Frequentemente, abrigam trabalhos que indagam, ou reposicionam, as linguagens da gravura e da fotografia, em novos sentidos contemporâneos. Entre os artistas selecionados nos últimos anos incluem-se nomes como Ângelo Venosa, Jac Leirner, Regina Silveira, Nino Cais, Carmela Gross, Waltércio Caldas, Leda Catunda, Mônica Nador e Nuno Ramos.
Os convites são realizados pelos curadores Felipe Scovino (Gravura), e Eder Chiodetto (Fotografia), em colaboração com o curador do museu, Felipe Chaimovich. Os projetos comissionados pelo MAM são produzidos com exclusividade, em tiragens limitadas à 100 exemplares. A adesão anual a um dos Clubes, garante a aquisição de cinco trabalhos, realizados por cada um dos artistas selecionados. Neste ano, o Clube de Gravura conta com obras de Barrão, Claudio Tozzi, José Roberto Aguillar, Matheus Rocha Pitta e Yuri Firmeza, e o Clube de Fotografia, com trabalhos de Elza Lima, Motta & Lima, Sara Ramo e Walter Carvalho.
Em entrevista à plataforma Artsoul, a coordenadora geral do Clube de Colecionadores do MAM de São Paulo, Carla Lozardo, destaca a importância histórica deste programa, que paralelamente ao estímulo à produção artística se consolida ao “incentivar e educar o colecionismo no Brasil”. Ressalta também que, ao longo de sua trajetória, o Clube tem contribuído para ampliar o acesso à obras de artistas brasileiros, expandindo a cultura do colecionismo para além da tradicional figura do Mecenas.
Criado em 1986 por Maria Pérez Sola, em seus primeiros anos, o Clube de Gravura do MAM apresentava, aos colecionadores participantes, obras vinculadas à produção modernista. No entanto, ao menos desde o final dos anos 1990, ao lado de nomes consagrados no campo da gravura, como Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira, tem cedido espaço a propostas desenvolvidas por artistas com forte atuação em outras linguagens. Acenando à uma diversidade de meios, o Clube vem contribuíndo para alargar a noção de gravura, ao contemplar trabalhos que se utilizam de carimbos, serigrafias e outros modos de impressão e reprodução.
Exemplo interessante deste percurso é oferecido pela presença de uma obra do artista carioca Barrão, na atual edição do Clube de Gravura. Barrão é conhecido por trabalhos em escultura, assemblages, por suas instalações multimídias, com o grupo Chelpa Ferro, e recentemente, pelo uso de materiais como cerâmicas e resinas. Segundo Carla Lozardo, “Isso é algo que o clube também faz: desafiar, tirar o artista de sua zona de conforto”. A presença, em 2019, de uma obra de Barrão, no Clube de Gravura, ou de Nuno Ramos, no Clube de Fotografia, demonstra a vontade do programa em provocar artistas a pensarem suas produções em outros meios, a instigá-los à novas possibilidades de atuação.
Neste sentido, a gestão de Tadeu Chiarelli, a partir de 1996, marca uma transformação importante. Ao buscar uma aproximação da produção contemporânea, o Clube de Gravura passa a abrigar propostas que problematizam, ou transpõem, os limites convencionados desta linguagem. A gravura tradicional – que utiliza o papel como suporte privilegiado – continua presente, mas agora considerada diante de uma diversidade de meios, técnicas, suportes e procedimentos. Para Carla Lozardo esse período representa, “um outro olhar, contemporâneo, para essa obra de arte, para o colecionismo e a produção artística”. Além disso, como ressalta a coordenadora do programa, as edições anuais dos Clubes de Fotografia e Gravura, também são caracterizadas pela preocupação em reunir “artistas consagrados, ao lado de artistas jovens, ou no início de suas trajetórias”.
Nos anos 2000, período marcado pelo destaque internacional da fotografia brasileira, é criado o Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM. Trata-se também de um momento em que o estatuto da fotografia, enquanto obra de arte, ganha evidência não apenas nas instituições museológicas, mas entre galerias e colecionadores. Finalmente, em 2006, os Clubes de Gravura e Fotografia, passam a contar com a participação de curadores, responsáveis por elaborar pesquisas, selecionar artistas e, em colaboração com eles, definir projetos a serem desenvolvidos, ou incorporados, ao acervo do museu e às coleções particulares dos associados.
Em mais de três décadas de existência, o Clube do MAM, tem desempenhado um papel importante para a formação de novos colecionadores no Brasil, simultâneo à própria construção do acervo do museu. As gravuras, serigrafias, fotografias e múltiplos, comissionados através da anuidade dos associados, compõem parcela expressiva da coleção do museu: ao menos 600, das cerca de 6.000 obras. Um dos programas mais antigos do gênero no Brasil, o Clube de Colecionadores do MAM de São Paulo conta com membros em diversas regiões do país e busca considerar esta diversidade na seleção dos artistas participantes.
Neste ano, passa a programar, pela primeira vez, eventos direcionados à seus associados. Entre eles, visitas à ateliês, debates e conversas com artistas e curadores. Segundo Carla Lozardo, estes encontros procuram aproximar os colecionadores de reflexões e processos envolvidos na criação das obras que integrarão seus acervos particulares. Representam, também, oportunidades para conhecer a trajetória de artistas selecionados, que atuam fora do eixo Rio/São Paulo.
É este o caso da fotógrafa paraense Elza Lima, que em setembro de 2019, participou de encontro no MAM, ao lado de Eder Chiodetto. De acordo com Carla Lozardo, neste ano, o Clube passou a “reconhecer a importância da relação com o artista, com a obra dele”. Durante o encontro, que buscava esclarecer o percurso e processo de criação da artista, Elza Lima apresentou “(…) todo o histórico dela, contando como busca seus saberes na Amazônia. Ela pega um barco, e vai fotografando os povos ribeirinhos no Rio Amazonas (…) as festas populares, as festas religiosas, o cotidiano (…)”.
Além do MAM, outros espaços procuram fazer dos Clubes de Colecionadores espaços destinados não somente à aquisição de obras, mas também à formação do olhar, à criação de um repertório, no campo da Arte Contemporânea. Com esta proposta, o Clube de Colecionadores da Galeria OMA, estabelece este ano um recorte temático: a produção de artistas mulheres, que desenvolvem trabalhos em torno da identidade, da relação imagem-palavra, da corporeidade e do feminino. Com curadoria de Júlia Lima, a edição de 2019, selecionou obras das artistas Julia Stradiotto, Daniele Queiroz, Clarice Cunha, Roberta Tassinari e Verena Smit. Ao investir na adesão ao Clube, cada membro garante a aquisição de 5 obras, produzidas por cada uma das artistas selecionadas. Ao fim do período de um ano, participam de 5 coquetéis de entrega de obras, ocasiões em que podem conhecer as artistas, e trocar experiências com os demais participantes do Clube.
Outros Clubes, por sua vez, dedicam-se à produção de um único artista. É o caso do Clube de Colecionadores da Casa Jacarepaguá, galeria especializada em Grafite e Street Art. O objetivo do Clube é tornar acessível a participação de novos colecionadores interessados no universo da arte urbana. Com duração de 5 meses, este ano o programa se organiza em torno da obra do artista Leonardo Dogh, que produzirá obras especialmente para o Clube. A participação garante aos colecionadores a aquisição de ao menos uma obra do artista e a possibilidade de concorrer a outras, em sorteios que serão realizados ao longo deste período.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.