A expansão de narrativas contra-hegemônicas no universo das artes visuais é uma urgência. Vivemos um período de revisões históricas que traz impacto também às instituições artísticas e acervos museológicos no mundo todo. Convidamos Abiniel João Nascimento e Naine Terena para expor suas pesquisas e trajetórias, nos contando como atuam para criar novas perspectivas dentro de um universo que constantemente os nega.
Naine Terena de Jesus, é filha do povo Terena, doutora em educação, mestre em artes e graduada em comunicação social. Pesquisadora, professora, arte educadora. Realiza trabalhos sócio-educativo-cultural na Oráculo Comunicação, Educação e Cultura e atualmente é docente na União das Faculdades católicas de Mato Grosso, onde desenvolve pesquisa de extensão que envolve sociedade, tecnologias e diversidade. É uma das curadoras do Paraskeué – podcast para vida, foi curadora da Exposição Véxoa – nós sabemos da Pinacoteca de São Paulo e uma das curadoras do Festival de artes indígenas Rec-tyty, junto de Ailton Krenak, Sandra Benites, Cristine Takuá e Carlos Papá. Foi agraciada como mestre da Cultura em Mato Grosso – 2021 pelo Edital Mestres da Cultura da Lei Aldir Blanc / MT. Site.
Artsoul: Para começar, poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória? De que maneira estudos sobre cultura e arte contemporânea ganharam destaque em sua vida, tanto no âmbito profissional como no pessoal?
Naine: Os estudos vieram depois da prática. Ainda na adolescência por influência da minha mãe comecei a fazer artes manuais (pinturas, crochê, etc), da comunidade, onde eu via meus tios tocarem o pifano e o tambor da dança Terena. Depois, me envolvi com as artes cênicas e fui para a Faculdade, estudar comunicação social. Já totalmente envolvida com comunicação e artes, resolvi fazer um mestrado onde eu queria abordar o teatro, que era minha principal ação artística. Fui para a Unb e estudei as danças do povo Terena, pensando nas composições de movimento, mas muito mais que isso, a trajetória do mestrado, me colocou diante da minha própria identificação e das memórias que eu tinha sobre eu mesma. Através da arte, da educação e da cultura, percebi que essas memórias são importantes, tanto para a formação do indivíduo, como para a constituição do país. Muitas questões soterradas pela avalanche homogênea de informações que recebemos durante a vida, que vão nos afastando das diversidades que nos compõe. Fui para o doutorado estudar educação e nos pós doutorados, foquei nas tecnologias e educação, vertentes também que me chamam muito a atenção e que estudo também, pensando na democratização do acesso à informações, ainda soterradas e que precisam emergir, para a clareza de quem é o povo brasileiro.
Artsoul: Qual é o seu principal objeto de pesquisa atualmente e, de que forma essa pesquisa se relaciona com o universo das artes visuais no Brasil?
Naine: Eu tenho vários focos (risos). Mas o meu interesse principal sempre foi o uso das tecnologias para a constituição e acesso à memórias dos grupos sociais excluídos institucionalmente no Brasil. A questão indígena ganha força pela minha origem indígena, mas tenho trabalhos com outros movimentos sociais, com a expectativa de que possamos entender as dimensões de vida existentes no Brasil. Atualmente tenho um projeto de extensão com esse enfoque, e a pesquisa do Podcast que faço com outros colegas. Nesse podcast em especial, temos conversado com artistas indígenas a fim de registrar memórias deste momento e em especial de suas constituições enquanto indivíduos (indígenas).
Artsoul: Poderia nos falar mais sobre a sua relação com a educação? Como você enxerga o papel da educação na experiência da arte?
Naine: Tenho um interesse muito grande na formação dos professores. Estou há três anos como professora em uma Instituição de ensino superior onde busco dialogar com os meus alunos de licenciatura sobre a presença de um professor transformador na escola. Fora isso, ministro o ano inteiro, cursos e oficinas para educadores, coordenadores e gestores, que querem romper com a educação homogênea e colonial, apresentando possibilidades de diálogos com um Brasil que a formação dos professores ainda não consegue abraçar, seja pela falta de materiais, seja pela falta de conteúdos adequados, seja pela própria estrutura de ensino das unidades onde estão. Temos muitas rupturas a fazer para que as próximas gerações aprendam a respeitar a diversidade. A escola é um dos locais que precisamos realizar esse diálogo.
Artsoul: Quais os maiores desafios para indígenas no meio cultural atualmente?
Naine: Acredito que é concretizar suas ações sem a intervenção dos gestores, curadores, produtores. Quero dizer que as instituições culturais, são ainda amarradas em processos e cânones, que tentam orientar o pensamento indígena na arte, ou ainda, a sua entrada nas instituições. Os modos de fazer de cada artista ou grupo indígena tem sido desvendado aos poucos e é um processo em construção.
Artsoul: De que maneira esse cenário pode melhorar?
Naine: Precisamos estudar, reestudar e pensar maneiras de diálogo. A construção desse momento está sendo feita agora, mas não se pode perder o olhar para o que foi (e não foi visto), como tenho costumado dizer: “Nós estávamos aqui o tempo todo, só você não viu” (parafraseando a Pitty).
Artsoul: Gostaria de nos apresentar projetos que esteja envolvida atualmente?
Naine: Estou bastante envolvida com o podcast, que agora integra uma residência artística no instituto Incluzartis, que me convidou a pensar como o instituto pode ampliar seu diálogo com artistas e saberes indígenas. Desse podcast se desdobram outras ações, já que é um projeto de pesquisa. Além dele, estou finalizando um livro, chamado ‘Tempo’, com quatro autores indígenas de Mato Grosso. Tem algumas revistas acadêmicas, um livro sobre o Teatro indígena, que fui convidada pela Andreia Duarte para coordenar; teremos um curso também na Pinacoteca de São Paulo, ainda pensando na exposição Véxoa e os programas educativos dos Museus, além de uns projetos com Denilson Baniwa, Jamille Pinheiro. Fora tudo isso, atendo e compartilho junto a artistas de Mato Grosso de seus projetos, alguns deles também focados em mestres da cultura, como a Quilombola Justina Ferreira, um grupo tradicional de cururu e siriri chamado Patuchá, e outros trabalhos de mulheres artistas, baseados em formação de outras mulheres, a coluna no site do Instituto Itaú Cultural, entre as tarefas remotas dos filhos (essas dão mais trabalho).
Artsoul: Como o meio da arte pode dar mais ênfase às questões indígenas para além do mês da visibilidade em Abril?
Naine: A presença dos artistas indígenas tem sido um forte aliado para a visibilidade das questões indígenas. Acredito que através da arte, temos outras potências de alcance da população de maneira geral.
Artsoul: Poderia nos recomendar projetos, plataformas e qualquer tipo de mídia, para que nosso público possa se aproximar mais das questões indígenas no Brasil, assim como produções indígenas nas artes?
Naine: Sim! o site do Festival Rec-tyty; o site da livraria Maracá; o meu repositório e o Podcast do Instituto Incluzartis, onde estão os nossos 3 episódios e as redes sociais da Apib (Articulação dos povos indígenas do Brasil).
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Entre os dias 22 e 25/06, Naine Terena e convidados ministrarão o curso online “Exposições de arte indígena e o processo educativo para a nova história do Brasil”, pela Pinacoteca de São Paulo. Informações no site.
Acesse a exposição Véxoa: nós sabemos
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Entrevista concedida por Naine Terena por e-mail entre Abril e Maio de 2021.
Confira aqui a entrevista de Abiniel João Nascimento
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.