Nas últimas semanas, uma obra de arte virou destaque em jornais e revistas de todo o mundo. “The Comedian” ou “O comediante”, do italiano Maurizio Cattelan, gerou polêmica ao ser anunciada e vendida na casa de leilões da Sotheby’s, na cidade de Nova York, por U$6,2 milhões, o equivalente a quase 5,9 milhões de euros e 36 milhões de reais. O trabalho já havia causado alvoroço alguns anos antes, em 2019, quando foi apresentado pela primeira vez ao público na Art Basel/Miami Beach, a maior e principal feira da atualidade.
O que acontece é que The Comedian consiste em uma banana (isso mesmo, a fruta!) presa com fita adesiva em uma parede. Trata-se de um objeto conceitual, ou seja, que não se vale pela estética, mas sim por uma ideia – embora, nesse caso, a estética também seja um ponto central na discussão.
De acordo com o próprio autor, seu intuito era criticar a superficialidade do mercado de arte, insinuando que, nesse meio, objetos banais podem ser transformados em itens de preços incalculáveis, a depender somente de uma legitimação. Em entrevista para o jornal italiano “La Repubblica”, publicada no dia 22 de novembro, ele afirmou que a obra “nos convida a refletir sobre o valor da arte e a dinâmica desse mercado”. Mas será que, ao fazer isso, Cattelan não se torna vítima de sua própria zombaria? Além disso, será que esse tipo de sátira ainda produz algum efeito positivo hoje, em 2024, 107 anos depois da Fonte de Duchamp?
A referência ao famoso mictório de porcelana é possível porque, no final das contas, o que se pretende com a banana pregada na parede é o mesmo que pretendia o escultor dadaísta no início do século XX: desafiar as convenções e o limite da arte. Nas palavras do grande poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, em texto publicado pela Folha de S. Paulo em maio de 2007, o urinol seria “um modo de gozar a pretensão dos artistas que ainda se julgavam criadores de obras de arte” – e, da mesma forma, gozar da pretensão dos compradores que investem em quaisquer bobagens.
Essa provocação foi de fato revolucionária e fundamental para o avanço das diversas vanguardas e movimentos artísticos. A dúvida que resta, porém, é se ela acrescenta alguma novidade ao contexto atual da arte contemporânea, em que as diferenciações entre “arte” e “não arte” já foram tantas vezes exploradas.
Transformando o alimento em ícone, Cattelan criou uma espécie de troféu, um símbolo de prosperidade para os super-ricos que podem oferecer milhões de dólares por uma “obra de arte”. Até aí, tudo bem, a tal crítica que o artista propõe está provada, tudo é possível para a elite econômica. Mas se tratando de bananas, em um mundo onde, segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 700 milhões de pessoas passam fome, esta não parece ser uma atitude tão inteligente assim.
Na realidade, o leilão não arrematou a banana em si. The Comedian não tem nenhuma característica que faça dela uma obra de arte única ou exclusiva. O que esteve em jogo, portanto, não foi a venda de uma fruta colada à parede, mas uma performance. O empresário chinês que a comprou, Justin Sun, na verdade pagou por um certificado, uma permissão para realizar essa performance e exibir a fruta como um objeto de desejo. Tanto a banana quanto a fita podem ser trocadas a qualquer momento (devem ser trocadas, até, considerando que o alimento apodrece em poucos dias). A questão é que, ao ser anunciada como obra de arte – assim como o mictório de Duchamp -, ela se tornou um ready-made, uma obra-objeto, um conceito.
Tanto é que, uma semana depois de adquirida, Sun desprendeu a banana da parede, a descascou e comeu. Esse “espetáculo” aconteceu durante uma coletiva de imprensa realizada em Hong Kong, no dia 29 de novembro. Em fala aos jornalistas presentes, Sun afirmou que a obra é “muito melhor do que outras bananas”. Para ele, comê-la durante o evento “também pode se tornar parte da história da obra de arte”.
Justin Sun não pertence a uma elite cultural ou intelectual. Seu reconhecimento está muito mais ligado ao meio corporativo. Fundador da plataforma de criptomoedas Tron, é conselheiro da World Liberty Financial, projeto de finanças descentralizadas lançado por Donald Trump. A nomeação foi conquistada após um investimento de 30 milhões de dólares.
Mas, diferente de Sun, nem todos nessa história são super ricos. O homem que vendeu a banana para Maurizio Cattelan, o comerciante Shah Alam, de 74 anos, é uma pessoa simples. Ao saber o destino da fruta e o valor pelo qual ela foi vendida enquanto obra de arte, ele se frustrou. Em entrevista ao The New York Times, Alam afirmou nunca ter recebido essa quantia de dinheiro em toda sua vida.
Esse desapontamento é comum a muita gente. Em geral, ver uma compra tão esdrúxula enquanto se tenta sobreviver em um mundo capitalista é realmente frustrante. E tudo isso só evidencia um paradoxo: a arte, em seu eterno exercício de romper parâmetros antigos e dados como ultrapassados, também pode se diluir e perder o sentido. Ao invés de combativa, quando mal elaborada, ela acaba se transformando em mercadoria vazia.
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