Na última quinta-feira (21), a Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas foi o cenário do I Seminário Acadêmico de Economia do Mercado da Arte. Este evento, que se concentrou em promover a interação entre acadêmicos, pesquisadores e profissionais do mercado de arte, reflete uma tendência contemporânea importante: a ampliação do acesso à arte e a discussão sobre seu potencial como investimento. O seminário incluiu apresentações de pesquisas e estudos relacionados ao tema, bem como uma mesa de debate com nomes influentes do setor. Durante este dia de conversas e trocas, diversos tópicos relevantes foram abordados, incluindo os desafios enfrentados pelo mercado brasileiro. Considerando a alta relevância desse tema, a Artsoul foi uma das parceiras do evento. Abaixo, uma seleção dos destaques do evento.
A manhã começou com uma fala de abertura e introdução feita pelo Grupo de Estudos de Economia do Mercado da Arte da FGV, organizador do evento. O Professor Paulo Tenani e a pesquisadora Katya Hochleitner enfatizaram a importância de abordar a arte por uma perspectiva acadêmica e mercadológica. Esse foco é fundamental para que os interessados em investir em arte possam tomar decisões com base em dados e métricas sólidas.
As apresentações abordaram uma variedade de tópicos, proporcionando uma compreensão abrangente do mercado de arte brasileiro. O Prof. Anaildo Baraçal, vinculado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), trouxe uma perspectiva histórica ao analisar o desenvolvimento do mercado de arte no Rio de Janeiro desde a chegada da família real portuguesa em 1808. O pesquisador Fernando Souza, ligado à USP, compartilhou um estudo que investiga os acervos dos bancos Itaú e Santander, grandes colecionadores, focando particularmente em como eles tratam obras de arte em demonstrações financeiras e contábeis. Já a advogada Luiza Portelli examinou a crescente demanda da arte urbana no Brasil, com foco nos grandes números de venda que marcas de moda alcançam ao se associarem a artistas de rua, como grafiteiros.
Outra área de grande interesse foi a precificação das obras de arte e seus desafios. Esse foi o tema abordado por Gustavo Perino, perito e coordenador do curso de pós-graduação da Universidade Santa Úrsula de Peritagem e Avaliação em Obras de Arte. O pesquisador destacou a multiplicidade de fatores a serem considerados no processo, desde aspectos básicos até fatores mais sutis, como histórico de exposições e proprietários anteriores. Além disso, também se leva em conta a presença da obra em catálogos de exposições e sites confiáveis e renomados. A advogada Caroline Mazer deu continuidade com um estudo que revelou que, embora as obras de arte sejam investimentos altamente rentáveis, a falta de informações transparentes complica o desenvolvimento do mercado. Muitas vezes, o público interessado desconhece a trajetória da obra, inclusive se é resultado de roubo ou alvo de lavagem de dinheiro.
Alexandre Spinola, consultor de negócios de arte, reforçou em sua fala a importância de se conhecer os sistemas, circuitos e o mercado de arte para realizar bons investimentos. Paulo Varella abordou em seu estudo estatísticas baseadas num levantamento de dados sobre galerias e artistas brasileiros coletados em websites, focando em gênero, local de nascimento, educação, galeria de arte atual e localização da galeria de arte. A análise demonstra que a maioria desses artistas é do sudeste, nasceu entre os anos de 1970 e 1990, pertence ao sexo masculino e tem formação em algumas das instituições mais tradicionais do Brasil, como FAAP, USP e UFRJ.
O advogado Leonardo Cançado continuou os questionamentos sobre o tema através de um estudo sobre o “direito de sequência”, legislação que garante aos artistas uma parcela do valor de venda, sempre que sua obra for comercializada. Essa iniciativa tem como objetivo aumentar o interesse dos artistas em registrar suas vendas e, consequentemente, contribuir para a transparência dos dados. O perito criminal Nilton Thaumaturgo trouxe uma perspectiva diferente sobre o assunto. Ele foi um dos responsáveis pela “Operação Sol Poente”, operação policial de destaque que deflagrou um golpe milionário que envolvia obras de Tarsila do Amaral. O especialista compartilhou as técnicas utilizadas pela polícia para comprovar a autenticidade dos quadros da artista.
A inserção de artistas brasileiros no mercado global de arte foi um tema central no evento. Ana Paula Moreno, pós-doutora pela FGV em Mercado da Arte, traçou uma ampla análise desde os anos 90, destacando que o mercado de arte e galerias desempenham um papel crucial na internacionalização da arte contemporânea brasileira , muitas vezes superando museus e instituições culturais. Matheus Gumerato, mestre em História da Arte, explorou a relação das pinturas brasileiras com o mercado de arte global, analisando a participação em leilões internacionais. Marta Pereira, mestre em Negócios da Arte, examinou a representação brasileira no exterior, com foco em artistas nacionais em leilões de 2013 a 2022, explorando preços e desempenho de vendas. Por fim, a Profa. Mariana Lorca, apresentou um estudo sobre o “empreendedorismo artístico”, identificando estratégias para impulsionar carreiras internacionais de artistas.
Trazendo outra perspectiva para o evento, Lilian Bado compartilhou sua experiência como diretora da “A Outra Feira de Arte”. Voltado para artistas iniciantes, o evento oferece aconselhamento curatorial, rede contatos e uma plataforma de exposição. Nei Rosa, doutorando da UFRGS, compartilhou seu estudo com mais de 200 colecionadores brasileiros de arte. Em sua pesquisa, abordou temas como valores mais comuns em cada aquisição, quantidade de obras, entre outros dados. A apresentação da Profa. Vanessa Bortulucce também trouxe uma perspectiva singular. Seu estudo analisou como o mercado de arte influencia a própria produção de artistas, que acabam tratando de negociações e vendas sobre seus trabalhos. Para isso, apresentou obras de artistas como Gustave Courbet, Nelson Leirner e Cildo Meireles.
O Seminário contou também com um importante estudo apresentado por Thierry Chemalle, mestre em Ciências Econômicas pela FGV. Através de uma análise profunda do mercado de arte entre 1972 a 1985, o pesquisador analisou o investimento em arte em comparação com outros ativos como o ouro. Outro ponto relevante foi a influência do Estado no desenvolvimento do mercado de arte brasileiro, que foi abordado por dois palestrantes. Romero Maia, diplomata, apresentou os esforços do Instituto Guimarães Rosa, criado em 2022 e vinculado ao Ministério das Relações Exteriores, para impulsionar a internacionalização da arte brasileira por meio da diplomacia cultural. Por sua vez, a Professora Ana Fialho, especialista em arte, mercado e políticas públicas, trouxe dados que comprovam como o aumento do investimento estatal em arte e cultura, principalmente entre 2002 e 2015, teve um impacto positivo no mercado de arte brasileiro, elevando o país a um patamar de destaque internacional.
No fechamento do evento, ocorreu a mesa redonda “Obstáculos para crescimento do mercado brasileiro de arte”, na qual cada um dos participantes teve como desafio apontar as principais dificuldades para o estabelecimento do mercado nacional. A Professora Ana Fialho mencionou três questões cruciais: a falta de uma política pública robusta para aquisição de acervos, a necessidade de estruturar a legislação sobre comércio de artes visuais, inspirada na abordagem de outras áreas como cinema e edição de livros, e a complexa burocracia e carga tributária que desencorajam colecionadores de atuarem no Brasil. Aloisio Cravo, fundador de uma casa de leilões importante, reconheceu a riqueza e qualidade da oferta cultural no Brasil, comparável às metrópoles globais, mas enfatizou que a instabilidade econômica prejudica a frágil economia da arte. O Professor Paulo Tenani, por sua vez, destacou dois problemas principais: assimetria informacional entre os que já estão no mercado da arte e os novatos, e a heterogeneidade das transações, dificultando a análise econômica.
Victória Zuffo, presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT), também compartilhou sua perspectiva, finalizando a mesa. Ela identificou três desafios para o estabelecimento do mercado de arte no Brasil: a falta de educação artística, a informalidade do mercado e a ausência de políticas públicas. Zuffo também mencionou iniciativas da ABACT para combater esses problemas, como a aproximação de escolas com galerias e o Projeto Latitude, uma parceria com o governo federal para internacionalizar a arte brasileira através da criação de uma plataforma para galerias.
Após as apresentações, o público teve a oportunidade de fazer perguntas aos palestrantes, como, por exemplo, as diferenças entre mercado primário e secundário. A Professora Ana Fialho também destacou o impacto do comércio digital, que se expandiu notavelmente durante a pandemia e agora é uma realidade na maioria das galerias brasileiras.
A busca por um mercado da arte mais robusto é um movimento que traz benefícios para todas as esferas de produção. A partir dessa estrutura, os artistas podem criar suas obras com mais segurança, as galerias conseguem assessorar melhor seus clientes e o colecionador têm mais informações para realizar suas aquisições. Nesse sentido, a Fundação Getúlio Vargas anunciou que o seminário será mantido como parte de sua programação anual. A iniciativa é fundamental, pois fomenta o diálogo sobre arte e permite que mais interessados possam participar desta conversa. Se você for um amante da arte, se programe para participar do próximo evento, além de outras atividades semelhantes ao longo do ano.
O evento contou com apoio de Artcontabil, Givoa, Artsoul, Efluxus, APM, C. Tolovi, Artcult, Ypsilone, Acessar, Aloisio Cravo, José Vidal Bellinetti, Carolina Massad Cury, Agência Catu, Katia Rotenberg, Marcos Cimardi
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