A obra “Painting with Houses” (1909) do artista russo Wassily Kandinsky, agora tem adicionada à sua trajetória uma intensa negociação de reparação histórica. Adquirida pelo colecionador judeu Robert Lewenstein em 1923, a obra foi vendida em 1940, no período da invasão nazista na Holanda. O valor da segunda venda, muito abaixo do valor pago por Lewenstein, levanta suspeitas de que a transação tenha sido feita sob coação, uma das formas de cerceio praticada por nazistas na época da Segunda Guerra Mundial.
Passados 73 anos, a família de Lewenstein voltou a tratar do assunto ao alegar que a venda da obra se tratou de uma venda forçada. Entendida em 2018 como uma causa sem evidências fortes por parte da comissão holandesa de restituição, a solicitação da família foi recusada. Dois anos depois, os herdeiros de Lewenstein processaram o Museu Stedelijk e a Câmara Municipal, perdendo o caso sob o argumento de que a tela é mais importante à coleção do museu, não existindo vínculo claro entre a família e a obra.
A autorização para a devolução teve êxito apenas neste ano, com uma nova postura do Ministério da Cultura Holandês que reconhece a importância da reparação histórica com a comunidade judaica. Esta mudança, porém, não foi espontânea. A reivindicação da família foi um estímulo para acelerar a reflexão sobre a origem das obras de arte e a transparência das instituições culturais na Europa que vinha caminhando lentamente.
Ingrid van Engelshoven, Ministra da Educação, Cultura e Ciência na Holanda, lançou em junho deste ano uma carta ao Parlamento com orientações para o “fortalecimento da política de restituição de itens culturais saqueados durante a Segunda Guerra Mundial”.
Essa foi uma medida em resposta ao Comitê Kohnstamm que identificou cerca de 3.800 peças da coleção nacional que foram adquiridas naquele período. A partir dessa conclusão, a certeza sobre a origem das obras foi posta à prova e o governo reconheceu que deve “continuar nossos esforços para devolver itens perdidos involuntariamente ou adquiridos ilegalmente na época da Segunda Guerra Mundial para as pessoas certas”, disse Van Engelshoven.
Faremos isso por meio de pesquisas sistemáticas e melhor comunicação. E quando realmente não soubermos quem é o proprietário, fico feliz em dizer que veremos como podemos devolver a arte roubada de proprietários judeus para a comunidade judaica. Este é um passo importante em nossa reflexão sobre a política de restituição.”
O movimento de restituição vem criando força não só na Holanda mas em outros países da Europa como a Alemanha e a devolução dos Bronzes de Benin à Nigéria ou o Museu do Louvre que se envolveu em solicitações de repatriação de obras por famílias judias.
A obra de Kandinsky é conhecida por sua proposta de trazer a cor como elemento principal, sem estar submetida à função de compor algum objeto representativo. A cor e a linha são defendidas por ele como a base para qualquer tipo de produção visual. No seu trabalho, Kandinsky exalta a autoridade que esses fundamentos exercem na pintura e diz:
“ninguém nunca vai encontrar a possibilidade de pintar sem cores e linhas, mas pintar sem objetos é uma prática que existe no nosso tempo por mais de 25 anos. Os objetos podem ser introduzidos na pintura, ou não.”
A história da arte moderna e contemporânea carrega o nome da Kandinsky como pioneiro na Arte Abstrata e seu pensamento influenciou as tendências das décadas seguintes.
A obra “Pintura com Casas” foi feita em 1909 e faz parte do estudo do pintor que se desprendia cada vez mais da representação dos objetos para chegar em fases como na obra “Improvisation 26 (rowing)” feita em 1912, na qual se deixa influenciar pela pulsão da cor e da música e as formas já são mais livres e mais próximas da abstração.
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Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP
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