A história da gravura no Brasil, dentro do contexto das artes visuais, ganha forma de modo significativo no século XX. Dentro desta linguagem entram as técnicas de impressão a partir de uma matriz, sendo elas: xilogravura, gravura em metal, litografia e serigrafia.
Foi determinante para o início desta história a atuação do italiano Carlos Oswald em nosso território, tendo ele sido encarregado de inaugurar em 1914 a oficina de gravura do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Este pioneiro da gravura em metal no Brasil se interessava principalmente em gravar paisagens, além de trabalhar com outras linguagens, como a pintura.
Já na década de 1920 grandes gravadores brasileiros iniciaram suas produções, configurando uma primeira fase da linguagem no Brasil. Oswaldo Goeldi é um nome essencial quando o assunto é gravura, iniciado na técnica de xilogravura em 1923 por Ricardo Bampi. Suas primeiras gravuras variam entre retratos e paisagens urbanas, com predominância da tinta preta na superfície e a incisão de poucos pontos de luz. A aplicação da cor em sua obra vem para acentuar elementos especiais dentro de composições escuras, nas quais o artista continua trabalhando a incidência sutil de luz.
O caráter expressionista da obra de Goeldi influenciou toda a geração de gravadores que se desenvolvia a partir daquela década. Desta fase destaca-se Livio Abramo, que iniciou suas pesquisas na gravura em 1926, transitando em diversos estilos ao longo de sua carreira. A obra de Abramo é atrelada ao engajamento político do artista, tendo se dedicado a retratar questões sociais, da realidade dos trabalhadores na década de 1930 à vida e paisagem sertaneja, quando ilustrou o livro Pelo Sertão de Afonso Arinos.
O figurativo na gravura foi base também para poéticas inspiradas pelo universo mítico e fantástico, como percebemos nas criaturas de Marcello Grassmann e nas cidades imaginárias de Darel Valença Lins.
Assim como ocorre com diversas linguagens e trajetórias artísticas, artistas passaram a experimentar composições geométricas e abstratas na gravura depois de encontrar certo domínio da técnica dentro do figurativo.
Fayga Ostrower, polonesa naturalizada brasileira, é um bom exemplo deste tipo de percurso. A artista iniciou seus estudos em diversas linguagens artísticas no ano de 1943 com Axel Leskoschek. No ano seguinte produziu gravuras em linóleo para o livro O cortiço de Aluísio de Azevedo, o primeiro trabalho de uma série de ilustrações emblemáticas que faria posteriormente. Com o passar dos anos Ostrower geometriza suas composições e valoriza a cor em suas impressões, tornando-se referência em gravuras abstratas a partir da década de 1950.
O paulistano Arthur Luiz Piza explorou possibilidades das ferramentas utilizadas de gravação em metal e os materiais envolvidos nesses processos. Muitas de suas composições geométricas sugerem movimento constante a partir de elementos gráficos minuciosamente empregados. A carioca Anna Bella Geiger, que iniciou seus estudos artísticos com Fayga Ostrower, também possui um trabalho de gravura mais experimental, pelo qual introduziu sua pesquisa sobre cartografias e o corpo.
A artista Maria Bonomi transita entre o figurativo e o abstrato através de esquemas geométricos precisos e estruturados com um rico uso das cores. Bonomi possui uma extensa produção em xilogravura, litografia, calcogravura, entre outras técnicas.
Na litografia as experimentações com cores são centrais e ganham maior fluidez em determinadas produções, como ocorre no trabalho da carioca Renina Katz a partir da década de 1970. A artista explora transições graduais de cores depois de um longo período produzindo gravuras figurativas com críticas sociais.
A paisagem é constantemente revisitada pelo paulistano Evandro Carlos Jardim em suas gravuras em metal. Jardim é um dos mais importantes gravadores contemporâneos, responsável pela formação de gerações na gravura por sua carreira como docente em instituições como a Escola de Belas Artes, a Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP e a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP.
As técnicas de gravação e impressão, antes de serem reconhecidas como linguagens autênticas nas artes visuais, foram amplamente utilizadas em diversos meios, como a imprensa e ilustração de livros. Um dos gêneros mais importantes no Brasil é a xilogravura da literatura de cordel, reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Iphan. Gilvan Samico e Abelardo da Hora são duas das maiores referências de abordagem da cultura popular nordestina na xilogravura.
Os ateliês de gravura são centrais na reconstrução da história da linguagem no Brasil. Seja por iniciativas privadas, por museus consagrados ou pela implementação de ateliês específicos para a linguagem nas universidades. No Rio de Janeiro, além da já citada oficina de gravura do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, inaugurada em 1914, podemos citar os ateliês da Fundação Getúlio Vargas, da Escola Nacional de Belas Artes, da Escolinha de Arte, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage – EAV/Parque Lage.
Em São Paulo, os cursos de artes visuais nas universidades inauguraram seus ateliês de gravura na década de 1970. Ateliês abertos na cidade começaram a surgir na década seguinte, alguns em funcionamento até hoje, como o do SESC Pompéia e do Museu Lasar Segall, como ressalta Claudio Mubarac no texto curatorial da exposição Xilo: Corpo e Paisagem.
O papel destes espaços de formação foi fundamental para o desenvolvimento de produções de extremo refinamento técnico, além de promover encontros entre vários dos mestres citados no texto, seja como professor ou estudante.
Todos estes nomes essenciais nas técnicas de gravura demonstram, através de suas poéticas e experimentação material, a infinitude de desdobramentos de uma linguagem que revolucionou o alcance de produções artísticas e trouxe novas discussões acerca das noções de reprodução na arte.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
Referências:
Textos de Claudio Mubarac:
Gostou desse texto ? Leia também :
Técnicas em Gravura
1 Comment
Excelente artigo. Apaixonada por litografia desde épica aluna da Escola Guignard nos anos 80 . Morando hoje na Itália, infelizmente a gravura não é considerada como se deveria.
@artecorradi