Para uma análise do papel que os museus, galerias e espaços independentes tiveram ao longo da história, é inevitável seguir uma linha cronológica tendo em vista que a noção de instituição de arte que temos hoje foi construída a partir de uma cadeia de transformações do circuito artístico.
Os museus hoje ocupam um espaço central para o público e são referência sobre o que acontece no mundo da arte. Essa posição é compreensível mas o circuito artístico contemporâneo não se resume apenas aos museus.
É verdade que os museus têm suas origens muito antigas se comparados aos recentes equipamentos culturais, mas a complexidade do circuito atual demanda que se analise cada um deles dentro do seu campo de ação.
O espaço dos museus enquanto referência de atualidade demorou para ser conquistado e só foi possível a partir da frequente revisão de seus meios. Acompanhando a tendência de cada época, os museus se remodelaram muitas vezes.
Podemos pensar que a criação de um espaço para reunião de artistas e reflexões sobre arte começou na Grécia antiga com os Mouseion, espaços nos quais os artistas da época faziam rituais de apreciação aos deuses para receber inspirações para seu trabalho.
Aqui se vê o “museu” em sua primeira manifestação registrada até hoje. O ato de organizar exposições começou muito depois, já por volta do século XVI, como forma de exibição de coleções particulares, cujo hábito é uma característica humana nata de selecionar objetos que tenham uma certa semelhança entre si ou sejam agradáveis esteticamente.
No caso das exposições de arte, as coleções particulares foram estabelecidas como eventos que demonstravam as direções intelectuais da aristocracia da época. Essa prática incentivou o patrocínio aos artistas da época como Da Vinci, Rafael e Michelangelo e se fez cada vez mais comuns.
Sem os conceitos posteriormente construídos de curadoria, educativo e catalogação, própria das instituições atuais, esses eventos eram direcionados para a aristocracia que comunicavam o nível cultural de determinada família.
Com base nessa perspectiva, os museus foram tradicionalmente criados na Europa e seguiram seu curso de ampliação da programação e de público conforme as demandas populares de acesso à maioria.
A industrialização teve grande influência na atitude dos museus por transformarem as relações sociais e de trabalho em dinâmicas voltadas às potencialidades de progresso. Isso se refletiu nos museus ao se perceberem como entidades não mais responsáveis apenas pela celebração do passado e dos clássicos, mas responsáveis também pelo papel de agente de desenvolvimento social. Os museus passaram a ser mais dinâmicos ao considerar as reivindicações por democratização e busca facilitar o entendimento das obras e elaborar sua programação ao grande público.
Nos Estados Unidos, as instituições já nascem dinâmicas e voltadas a atender ao grande público como o MET em Nova York em 1872.
No Brasil, tendo os primeiros museus como desdobramento das atividades culturais da família real, houve a sólida formação da arte acadêmica chamada “Belas Artes” – uma das principais vertentes do acervo da Pinacoteca de São Paulo, direcionada a esta formação da história colonial do Brasil.
Foi apenas através das movimentações modernas que essa postura foi revista. Não pelas instituições de arte acadêmica, que hesitavam em reconhecer a arte moderna enquanto manifestação artística mas sim pelos artistas e empresários que perceberam a necessidade de alargar o espaço para incluir as novas propostas.
Em Nova York, a criação do MoMA em 1929, foi o estopim para o início de uma nova era. Influenciou a formação do Masp em 1947 e do MAM no ano seguinte, cuja inauguração carimbou a posição do país no mapa da arte moderna por mediarem, a partir de então, o intercâmbio entre obras nacionais e internacionais.
A visão de “progresso” está muito presente ao tirar do centro a produção antiga para dar lugar aos artistas vivos que trabalham em conjunto para fazer seu trabalho ser reconhecido artística e financeiramente.
A era dos manifestos se desenvolve nesse período, momento no qual os artistas passam a tomar a postura de representar seu trabalho. Abandonam a ideia romântica de que a obra, enquanto simples representação estética, deve falar por si mesma e agora organizam suas ideias em manifestos que representam o que querem da arte a partir dali.
Nesse sentido, os museus ganham o status de ambientes atualizados e promotores de desenvolvimento social, opondo-se à visão popular do museu como histórico e obsoleto.
Ao lado dos museus, as galerias, espaços independentes e os marketplaces compõe a cena artística contemporânea.
Com um desenvolvimento que coexiste ao dos museus modernos, as galerias, em diferentes formatos participaram da expansão da arte moderna no Brasil. Na ausência de ambientes propriamente artísticos, as exposições de artistas independentes em anexos de livrarias, cafés e até vitrines de lojas era uma prática um tanto comum. As vitrines de lojas de móveis eram lugares comuns às artes visuais, já que alguns artistas plásticos tinham formação em arquitetura, esses dois campos de estudos andaram juntos.
Enquanto isso, os agentes culturais como os marchands, em grande número europeus residentes no Brasil em razão da Segunda Guerra Mundial, buscaram legitimar o valor dos materiais modernos. Nesse contexto, nasceram as primeiras galerias de arte plástica como a Galeria Guatapará na década de 1930, cuja exposição “I Exposição de Arte Moderna” da SPAM (Sociedade Pró-Arte Moderna) destacou a importância dessa nova vertente.
Mas a primeira galeria de importância estrutural ao mercado foi a Galeria Domus que não só deu visibilidade para o movimento mas se consolidou enquanto instituição ao apresentar programação constante, edição de catálogos e eventos que difundiram a ideia moderna.
O mercado foi se desenvolvendo em novas galerias e a arte em novas linguagens que colocaram novamente o circuito em revisão.
A performance e intervenções da década de 60 e 70, fizeram parte dessa mudança que ampliou o escopo de galerias e eventos como a VERBO, na Galeria Vermelho, hoje um dos eventos anuais mais conhecidos de São Paulo voltado para a performance.
Há quem considere os museus atuais como agentes de legitimação artística de carreiras e trabalhos, enquanto as galerias atuam na construção do valor de mercado.
Na cena contemporânea, os espaços alternativos de arte atuam com o interesse de ampliar o espaço da produção e inserção de novos artistas no mercado.
Os espaços alternativos são independentes em sua maioria, sem uma mantenedora que a financie e atua com recursos próprios. A novidades que trazem é o acompanhamento de todos os processos de produção da obra em residências artísticas. Como no Pivô esses espaços são flexíveis e abertos aos tipos de experimentação próprios da contemporaneidade:
“não é só uma sala de exposições, as exposições são a conclusão de longo percurso. O Pivô é um espaço onde a arte é feita e vivida em todas as suas etapas, da ideia ao encontro com o público na exposição”
Fernanda Brenner
Os marketplaces surgem com proposta muito fresca de consolidar o mercado no universo digital. É uma outra forma de interação com a obra de arte que foge do tradicional e se fez pertinente numa era de intensa movimentação em rede.
Reforçado, ainda, pela pandemia do último ano, a internet virou palco para a explosão de novas ideias. Museus, galerias e todo o circuito se viu intimado a se reinventar.
O virtual se tornou recentemente a chave para ampliar os públicos. Dos assíduos que sempre acompanham as novidades aos que se sentem intimidados pelos eventos de arte, o ambiente virtual dá autonomia para o colecionador entender seus gostos e ampliar seu repertório. O marketplace explora esses recursos e seguem à risca as demandas do consumidor contemporâneo encaixando com um tipo de público que não tem medo de experimentar.
Todas as frentes do circuito demonstram a complexidade da cadeia produtiva da cultura e cada uma representa uma parte dessa demanda cultural. Apresentam as características sociais de onde estão inseridas e passam a ser imprescindíveis para entender a história da arte e as relações entre cultura e desenvolvimento social.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP
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