Organizadas desde a década de 1970, as grandes feiras internacionais se consagraram enquanto um dos principais dispositivos do mercado de arte.
O ato de comprar uma obra de arte envolve muitas etapas, diálogos, negociações. Atualmente as feiras de arte são consideradas o momento propício para qualquer uma dessas etapas, do encontro entre colecionador e obra, até a oficialização da compra.
Ao longo da história o consumo de arte foi se especializando. Antes que as feiras se estabelecessem como epicentros de compras de obras de arte, os leilões imperavam como o meio mais prestigiado e atraente para se comprar uma obra. Em sua tese de doutorado “Entre Feiras: Uma poética sobre feiras e o mercado de arte e tecnologia” a pesquisadora Darli Nuza exemplifica a dimensão das maiores casas de leilão do mundo, a Christie’s e a Sotheby’s:
“[…] a Christie’s tem uma presença global em 46 países, com 10 salões em todo o mundo, incluindo Londres, Nova York, Paris, Genebra, Milão, Amsterdã, Dubai, Zurique, Hong Kong e Xangai. Mais recentemente, a Christie’s liderou o mercado com iniciativas expandidas em mercados em crescimento, como Rússia, China, Índia e Emirados Árabes Unidos, com vendas e exposições de sucesso em Pequim, Mumbai e Dubai.”
E em seguida Nuza nos mostra o quão consolidado e antigo é este ramo: “Por sua vez, a Sotheby’s, duas décadas mais velha que a Christie’s, une colecionadores desde 1744”.
Para comparação: a primeira feira de arte contemporânea, a Art Cologne, foi apresentada em 1966. Mas é a Armory Show a mais antiga ainda em atividade, com a primeira edição datada de 1913.
Em 2019 o portal The Collector elencou as mais prestigiadas feiras do mundo como: Art Basel Miami, The Armory Show, TEFAF New York e Art Toronto na América do Norte; ARCOMadrid, Frieze London, Masterpiece London, FIAC (International Contemporary Art Fair), TEFAF Maastricht, La Biennale Paris, BRAFA Art Fair, PAD London e PAD Paris na Europa; Melbourne Art Fair, India Art Fair e ART STAGE na Ásia e Oceania; ArtBO, ArtBA e Zona Maço na América do Sul; Contemporary Istanbul, 1-54 Contemporary African Art Fair e Art Dubai na África e Oriente Médio.
No Brasil, feiras como ArtRio e SP-Arte já alcançam grandes escalas e projeção internacional.
As duas últimas décadas assistiram o meio das feiras se ampliar de modo impressionante, e as feiras mais novas se impuseram no cenário mundial, como observa Nuza: “Conhecida também como Basel Miami, teve seu início em 2002, mas já em 2005 era a maior feira de arte contemporânea do mundo. A Basel Miami seleciona duzentos expositores entre os 620 inscritos e o custo total para montar um estande de oitenta metros quadrados sai por volta de 110 mil dólares.”
Apesar do alto custo gerado às galerias, a importância das feiras é geralmente justificada pela possibilidade de encontros que esses eventos proporcionam entre galeristas, artistas, colecionadores, instituições e agentes culturais. As negociações que dali nascem tornam as feiras momentos primordiais e estratégicos no calendário de galerias do mundo todo. O pesquisador Xavier Greffe aponta também para a ativação econômica que as grandes feiras geram com seus visitantes, aumentando a circulação entre a rede hoteleira, os restaurantes e os demais serviços nas cidades.
A exposição de obras de arte em estandes deixou de ser a única atração das feiras, que passaram a incorporar debates críticos, performances e atividades variadas em suas programações. Deste modo, algumas feiras demonstram sua intenção em ampliar suas atividades para além do consumo.
O ano de 2020 trouxe um novo modelo de crise para o mercado enfrentar: o de saúde pública. Uma após a outra, feiras consagradas no mundo inteiro anunciaram cancelamento ou adiamento de seus calendários em decorrência da pandemia do novo corona vírus, como a Art Basel que teve sua principal edição cancelada. Já outras decidiram encarar o desafio de realizar uma feira de arte digital, organizando em pouco tempo espaços expositivos em plataformas digitais, como fez a versão de Hong Kong da Art Basel, que ocorreu no final de março.
No Brasil temos dois exemplos diferentes de enfrentamento da crise. A SP-Arte (Festival Internacional de Arte de São Paulo) costuma ocorrer anualmente no mês de abril, instalada no Pavilhão da Bienal no Parque Ibirapuera. Sua 16ª versão física que ocorreria entre os dias 1º e 5 de abril foi cancelada, e um novo evento em formato digital foi anunciado. Neste, que ocorre entre os dias 24 e 30 de Agosto, mais de 130 galerias nacionais e internacionais apresentarão obras de seus artistas no formato de Viewing Room.
Já a ArtRio anunciou que entre os dias 14 e 18 de outubro realizará sua 10ª edição presencial, em formato reduzido e seguindo as novas medidas de proteção contra o corona vírus para eventos de grande escala. Em paralelo, a feira carioca também realizará vendas online pela plataforma ArtRio.com, reforçando sua aproximação com o universo digital desde 2018, quando foi a primeira feira internacional a desenvolver um marketplace para vendas online.
A incorporação do universo digital pelo mercado de arte não é um fenômeno novo, apenas uma nova fase. A pesquisadora Marta Tavares lembra que “a plataforma alemã Artnet, que está online desde 1995, foi a primeira empresa dedicada a esta atividade”. Outra plataforma importante para o mercado é a Artsy, maior acervo digital de arte do mundo, com mais de um milhão de obras catalogadas. Deste modo, a implementação de marketplaces estreitou a relação entre mercado de arte e digital, possibilitando a colecionadores conhecer e consumir trabalhos artísticos de todos os cantos do mundo, sem a necessidade de deslocamento.
A ArtSoul, plataforma digital brasileira lançada em 2018, lançou em julho sua área expositiva com a mostra Arte da Quarentena, reunindo produções específicas do período de isolamento social. O marketplace já apresenta obras de 60 galerias, com quase 800 artistas representados no total, contribuindo para uma nova dinâmica de consumo de arte no Brasil.
Estes novos formatos ganham cada vez mais aderência pelo público e levantam discussões em torno do futuro do mercado de arte, gerando especulações sobre o consumo em níveis local e global. Além das plataformas já existentes, é inegável a velocidade na qual ferramentas digitais foram acionadas ou desenvolvidas em um contexto emergencial da pandemia, provando que o formato das feiras de arte é adaptável e disposto a sobreviver a qualquer tipo de crise.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
Referências
GREFFE, Xavier. Arte e mercado .[organização Teixeira Coelho] ; tradução Ana
Goldberger. – 1. ed. – São Paulo : Iluminuras : Itaú Cultural, 2013.NUZA, Darli P.. Entre Feiras: Uma poética sobre feiras e o mercado de arte e tecnologia. Brasília, 2019.
TAVARES, Marta. A Importância das Feiras de Arte: O Caso da Feira de Arte e Antiguidades da Associação Portuguesa dos Antiquários. Instituto Universitário de Lisboa, 2015.
https://www.thecollector.com/the-worlds-most-prestigious-art-fairs/
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