Em 24 de janeiro morreu em Manhattan, Nova York, o escultor Carl Andre, um dos nomes mais influentes do movimento minimalista no mundo. A informação foi confirmada por Steven Henry, sócio e proprietário da galeria de arte Paula Cooper Gallery, onde o artista realizou sua última exposição individual, em 2022. Com 88 anos de idade, Andre teve sua carreira marcada pelo envolvimento na morte de sua ex-esposa, a artista cubana Ana Mendieta.
Durante as décadas de 1960 e 1970, Carl Andre contribuiu para uma transformação importante no universo das artes. Junto a nomes como Robert Morris e Donald Judd, ele ajudou a estabelecer, no campo da escultura, um movimento minimalista, caracterizado pelo uso de materiais industriais, formas geométricas e simplicidade. Em suas obras – na maioria das vezes compostas por madeira, granito ou tijolo – os objetos eram dispostos diretamente no chão, formando uma grande instalação de aspecto fabril.
Essa inclinação ao uso de elementos industriais em suas obras esteve relacionada a uma experiência anterior ao trabalho criativo: seu antigo emprego em uma companhia de trens na Pensilvânia, no nordeste dos Estados Unidos. Nascido em setembro de 1935 na cidade de Quincy, Massachusetts, Andre precisou trabalhar como condutor e guarda-freio de cargas para se sustentar antes da fama.
Em sua vida acadêmica, ganhou uma bolsa de estudos para frequentar a Phillips Academy, em Andover, e depois se matriculou na Kenyon College, em Ohio, onde estudava poesia. Sua vontade era de continuar cursando artes, mas foi expulso da universidade em apenas dois meses, por não assistir mais às aulas do curso. Em 1954, após a reprovação, Andre fez uma viagem para visitar sua tia na Inglaterra, onde acabou passando um período itinerante. Neste percurso, ao conhecer o monumento de Stonehenge (“o vestígio mais bem preservado do Período Neolítico”, formado por enormes e pesadas pedras), ele teve a inspiração que precisava para decidir seguir na escultura.
Em sua trajetória artística, ficou conhecido por redefinir “os parâmetros da escultura e da poesia através do uso de materiais industriais inalterados e de uma abordagem inovadora da linguagem”, como afirmou, em nota, a galeria que anunciou seu falecimento. O que aconteceu foi que Carl Andre, ao lado de outros artistas minimalistas, passou a produzir obras conceituais. Ele reduziu a escultura ao essencial, isto é, utilizou o objeto apenas como forma material, sem o objetivo de provocar qualquer sentimento no espectador.
Ao produzir esculturas cruas e de natureza industrial, o artista explorou a relação entre obra de arte, espaço circundante e observador. Seguindo padrões geométricos como linhas retas e arranjos simétricos, ele criou instalações abstratas que possibilitaram uma interação física com o público. Seu propósito era que, ao caminhar entre os objetos dispostos no ambiente, os indivíduos pudessem concentrar-se na forma pura da escultura, enfatizando a simplicidade e a geometria de sua arte, sem buscar representações figurativas ou imagens já conhecidas.
Em 1970, Carl Andre recebeu sua primeira grande exposição individual, composta por esculturas e poemas, realizada pelo Museu Solomon R. Guggenheim, em Nova York. Na ocasião, não houve vernissage, pois o autor solicitou que não fizessem nenhum tipo de abertura privada. Ele pediu, ainda, que as taxas de cobrança fossem canceladas e que o público não pagasse pelos ingressos. Sobre as produções exibidas, o crítico Peter Schjeldahl escreveu: “Andre não é muito divertido. Puritanicamente severo, seu trabalho recompensa a leitura sensível com alguns belos efeitos de superfície e uma certa sensação de desconforto”, sintetizando o caráter minimalista e cru de suas composições.
Apesar de ter sido muito elogiado e aceito pela crítica de arte até a década de 1970, a carreira de Carl Andre foi atravessada por um acontecimento que o marcou para sempre – a morte de sua terceira esposa, Ana Mendieta, em setembro de 1985. Acusado de ter assassinado a ex-companheira, que morreu ao cair da janela do apartamento onde morava, no 34° andar, Andre confirmou à polícia que havia tido uma briga entre o casal naquela noite, mas defendeu que foi apenas uma discussão. Em sua versão, contou que Ana tinha deitado sozinha para dormir e que ele só notara sua ausência mais tarde.
O porteiro do edifício testemunhou que ouviu gritos de “Não, não, não!” momentos antes do corpo chegar ao chão. Carl Andre chegou a ser preso por suspeita de homicídio, mas depois foi julgado e absolvido, em 1988. Durante todo o processo de acusação e julgamento, o mundo da arte se dividiu entre pessoas que levantaram defesas ao homem e pessoas que o condenaram. Embora tenha sido inocentado pela justiça estadunidense, o caso de Ana Mendieta retardou a ascensão da carreira de Andre, que se enfraqueceu por algumas décadas.
Em 2014, o artista recebeu uma retrospectiva no Dia Art Foundation, uma organização sem fins lucrativos que inicia e apoia projetos de arte, e um grupo de mulheres se uniu para protestar em frente à instituição. Jogaram sangue de galinha na porta e penduraram cartazes escrito “We Wish Ana Mendieta Was Still Alive” [Gostaríamos que Ana Mendieta ainda estivesse viva]. Depois, entraram no espaço expositivo e começaram a chorar conjuntamente, como uma forma de compadecimento em nome da vítima.
Em 2023, a curadora Helen Molesworth produziu o podcast “Death of an Artist” [Morte de uma Artista], que investiga o envolvimento de Carl Andre na morte de Ana Mendieta. Ao longo dos episódios, são abordadas as obras da artista cubana, sua morte trágica, o julgamento da corte americana, a atuação dos advogados do acusado e a maneira como o mercado de arte reagiu (ou não) a este escândalo.
Mais recentemente, em seus últimos anos de vida, Carl Andre manteve uma rotina tranquila. Continuou morando no apartamento da Mercer Street, de onde a ex-esposa caiu, e continuou tendo suas obras expostas e veneradas em exposições de arte. Aos 88 anos, ele deixa sua quarta esposa, a artista Melissa Kretschmer, e sua irmã, Carol.