Câmera lenta, transições inusitadas e telas divididas. Estas são algumas das principais características do trabalho de William John Viola Jr., conhecido como Bill Viola. Inspirado pelos grandes pintores renascentistas, o norte-americano marcou o campo do audiovisual ao levar beleza e espiritualidade às cenas, sendo considerado um dos pioneiros da videoarte no mundo. Na última sexta-feira, 11 de julho, Viola nos deixou aos 73 anos de idade, em Long Beach, na Califórnia. Segundo Kira Perov, sua esposa, diretora de estúdio e colaboradora artística, a morte foi causada por complicações da doença de Alzheimer, com a qual ele havia sido diagnosticado precocemente.
No início da década de 1970, quando artistas de diferentes partes do globo criavam suas primeiras experiências em vídeo, Bill Viola já conquistava certo destaque no circuito das artes. Com a experiência que adquiriu trabalhando como assistente audiovisual em museus e galerias dos Estados Unidos, o jovem pôde desenvolver suas habilidades como técnico de gravação e edição, abrindo espaço para novos tipos de mídias.
Nesta primeira fase, suas produções refletiam o gosto por efeitos especiais. Recursos narrativos como o looping – isto é, a sequência de elementos que se repetem no filme – eram explorados como uma maneira de preencher a tela com distorções visuais. Na obra “Chott el-Djerid: A Portrait in Light and Heat” [Um retrato em luz e calor], por exemplo, paisagens são gravadas em planos bastante abertos, e a captura de objetos sob o reflexo da luz causa efeitos de “miragem”, aparecendo de forma distorcida na tela.
De 1979, ano em que Chott el-Djerid foi produzido, até aqui, o padrão de vida nas cidades se tornou cada vez mais acelerado e ditado pelos avanços tecnológicos. Nesse período, sua carreira tomou força com trabalhos que exploraram noções de tempo. O ritmo desacelerado das imagens dava ao espectador a consciência de sua presença física, chamando atenção para a ideia de que a vida acontece a cada segundo. Assim, com um olhar voltado às questões mais existenciais, Viola foi se aproximando, progressivamente, de temáticas religiosas – muito interessado e influenciado pelo Zen Budismo, pelo Sufismo Islâmico e pelo misticismo cristão.
A religiosidade aparece em várias de suas obras. Em 1983, na vídeo-instalação “Room for St. John of the Cross” [Quarto para São João da Cruz], uma sala foi preenchida por barulhos perturbadores de ventos e tempestades criados digitalmente. A obra representava a cela onde João, um místico espanhol do século XVI, escreveu poesias apesar de ter sido torturado por meses.
Mais recentemente, em 2014, “Martyrs“ [Mártires] foi produzida para a Catedral de São Paulo, em Londres. A obra retrata quatro pessoas passando por diferentes tipos de provações: uma ventania de terra, uma tempestade de ventos, o fogo queimando a labaredas e um dilúvio surgindo aos poucos. O uso de atores em cena e a passagem gradual do tempo tornaram a imagem ainda mais ritualística e dramática. Em 2018, ela foi exibida na mostra “Bill Viola: Visões do Tempo”, no Sesc Avenida Paulista.
Momentos como o nascimento e a morte ou emoções como o amor romântico e a agonia também foram abordados pelo artista. A partir dos anos 1990, com o falecimento de sua mãe e a vinda de um segundo filho, estes aspectos pessoais ficaram ainda mais visíveis em seus trabalhos.
Em “Nantes Triptych” [Tríptico de Nantes], de 1992, três telas apresentam imagens distintas: na primeira, uma mulher em trabalho de parto dá à luz a seu filho; na segunda, bem ao meio, um homem flutua sobre águas; e na terceira, a mãe do artista em seu leito de morte. Os acontecimentos, quando mostrados simultaneamente, enfatizam a ideia de ciclo da vida (nascer, viver e morrer) e reforçam a presença de elementos naturais na obra de Viola – como em Martyrs, com os quatro elementos.
O modelo de tríptico também pode ser entendido como mais uma referência ao Renascimento, dado que pintores do século XV costumavam fazer conjuntos de três pinturas unidas por uma moldura tríplice. Em Londres, tal aproximação fez com que a Royal Academy exibisse o vídeo de Bill Viola junto a desenhos de Michelangelo. Em 2001, para o The Guardian, a jornalista e crítica britânica Laura Cumming afirmou que Viola era como “o Rembrandt da era do vídeo, um artista que fez mais do que qualquer um de seus contemporâneos para promover o conteúdo emocional e estético de seu meio”.
Embora tenha sido fortemente influenciado por escolas e movimentos da história da arte, o apreço do artista pela espiritualidade surgiu muito antes. Sua mãe, Wynne (Lee) Viola, foi uma episcopalista que se mudou da Inglaterra para os Estados Unidos e criou os filhos na igreja. Mais adiante, aos seis anos de idade, passou por um episódio traumático que lhe fez confirmar a sua fé: sobreviveu após quase se afogar ao cair de uma jangada em um lago.
Descendente de famílias de imigrantes italianos e alemães, Bill Viola foi criado no Queens, em Nova York, com mais dois irmãos. Se formou como bacharel em belas artes na Universidade de Syracuse. Em 1977, conheceu sua esposa, Kira Perov, com quem se casou em 1980. Depois de passar mais de um ano estudando o zen budismo no Japão, o casal voltou para os Estados Unidos e montou um estúdio na Califórnia, onde produziram diversos trabalhos. Além de Kira, Viola deixa também os dois filhos, Andrei e Blake, a irmã, Andrea Freeman, e o irmão, Robert.
Bill Viola deixa uma marca incontornável na história da arte internacional. Combinando tecnologia e sensibilidade, o artista parte da lentidão hipnotizante das imagens para adentrar na essência da existência humana. Seus vídeos sem começo nem fim, em eterno looping, acompanham a evolução da videoarte desde a década de 1960 e continuam a inspirar novas gerações de artistas e espectadores de todo o mundo.
Gostou desta matéria? Leia também:
Conheça a equipe conceitual da 36ª Bienal de São Paulo