A Bienal de Arquitetura de Veneza, uma das mais prestigiadas plataformas internacionais para a reflexão sobre espaço construído, chega à sua 19ª edição em 2025 com uma proposta ambiciosa: explorar como diferentes formas de inteligência — natural, artificial e coletiva — podem orientar a arquitetura diante dos desafios contemporâneos. Sob a curadoria do arquiteto e engenheiro Carlo Ratti, a mostra, intitulada Intelligens. Natural. Artificial. Collective, reúne mais de 750 participantes e mais de 300 projetos, refletindo uma diversidade de tecnologias e abordagens para um futuro sustentável e adaptável.
Criada em 1980, a Bienal de Arquitetura de Veneza é uma extensão da Bienal de Arte, fundada em 1895. Desde então, a Bienal de Arquitetura tem sido um espaço de experimentação e debate, reunindo arquitetos, urbanistas, artistas e pensadores de todo o mundo. Cada edição é marcada por um tema central que reflete as questões mais iminentes do momento, oferecendo uma visão panorâmica das tendências e inovações no campo da arquitetura.
O tema proposto por Carlo Ratti busca ampliar o entendimento da arquitetura para além dos limites tradicionais, incorporando diversas formas de inteligência que influenciam o ambiente construído. A exposição está organizada em quatro seções interconectadas.
Intelligens refere-se à capacidade humana de criar soluções inovadoras e sensíveis para os desafios do presente e do futuro levando em conta as variáveis que nos compõem; Natural enfatiza a importância de aprender com a natureza, adotando práticas sustentáveis e biomiméticas; a Artificial por sua vez explora o papel e a potência da tecnologia, incluindo inteligência artificial e robótica, na transformação dos processos arquitetônicos de criação e estruturação; por fim Collective pretende destacar a inteligência coletiva das comunidades, reconhecendo o valor do conhecimento compartilhado e das práticas colaborativas.
“Durante décadas, a resposta da arquitetura à crise climática tem se centrado na mitigação – projetar para reduzir nosso impacto no clima. Mas essa abordagem não é mais suficiente. Chegou a hora de a arquitetura abraçar a adaptação: repensar como projetamos para um mundo alterado”, explica o arquiteto italiano Carlo Ratti, curador deste ano da Bienal.
O arquiteto japonês Kengo Kuma apresenta o projeto Living Structure, que investiga o uso da inteligência artificial para transformar madeira irregular em material estrutural. Combinando técnicas tradicionais de carpintaria japonesa com inovações tecnológicas, o projeto propõe uma arquitetura que aprende com a natureza e utiliza recursos de forma eficiente.
Já Boonserm Premthada, arquiteto tailandês, propõe uma abordagem inovadora ao utilizar esterco de elefante reciclado para a produção de tijolos. O projeto Elephant Chapel questiona os materiais convencionais da construção e promove uma reflexão sobre o ciclo de vida dos recursos naturais.
A colaboração interdisciplinar The Other Side of the Hill de Beatriz Colomina, Geoffrey West, Roberto Kolter, Mark Wigley e Patricia Urquiola, investiga o impacto do declínio populacional e das comunidades microbianas no consumo de recursos. Através de uma abordagem que combina biologia, física e design, o projeto propõe uma nova visão sobre os fundamentos da vida na Terra.
Outros projetos também chamam atenção. A Grace Farms Foundation apresenta a exposição Design for Freedom, que aborda a erradicação do trabalho forçado e infantil na cadeia de suprimentos de materiais de construção. A instalação destaca práticas laborais antiéticas na indústria da construção e promove a rastreabilidade ética dos materiais, alinhando-se à proposta de uma arquitetura que respeita a dignidade humana e a justiça social.
Em colaboração com parceiros italianos, o MIT Future Heritage Lab exibe o projeto Urban Heat Chronicles, que explora como as cidades podem sobreviver e prosperar diante do aumento das temperaturas. A instalação utiliza tecidos reciclados e estampados com padrões inspirados em estratégias adaptativas de plantas, oferecendo uma reflexão sobre o uso inteligente dos recursos urbanos.
E localizado no coração da Bienal, o Speakers’ Corner assinado por Christopher Hawthorne, Johnston Marklee e Florencia Rodriguez, serve como um espaço para painéis, workshops e discussões, promovendo o diálogo entre diferentes formas de inteligência e incentivando a participação ativa do público nas questões apresentadas.
(RE)INVENÇÃO é o tema do Pavilhão Brasil, que apresenta uma reflexão profunda sobre a relação entre arquitetura, natureza e cultura. Sob a curadoria do grupo Plano Coletivo, formado pelos arquitetos Luciana Saboia, Matheus Seco e Eder Alencar, a exposição propõe um diálogo entre saberes ancestrais e práticas contemporâneas. A mostra é dividida em dois atos: o primeiro revisita descobertas arqueológicas recentes na Amazônia, revelando como povos indígenas moldaram a paisagem há mais de 10 mil anos por meio de infraestruturas sofisticadas que integravam conhecimento técnico e manejo ambiental equilibrado. O segundo ato explora projetos contemporâneos que ressignificam espaços urbanos valorizando o uso de técnicas tradicionais.
A proposta expositiva também se distingue pelo uso consciente de materiais e pela estruturação do espaço interno do pavilhão. Os elementos da instalação são projetados para serem reaproveitados ou reciclados após a mostra, alinhando-se ao conceito de sustentabilidade. A estrutura do pavilhão é organizada em duas salas: a primeira apresenta os elementos apoiados diretamente no chão, criando um diálogo direto com o espaço existente; a segunda utiliza painéis, pedras como contrapeso e cabos de aço, formando um sistema tensionado suspenso por forças de ação e reação. Essa abordagem não apenas reforça a relação entre leveza e estabilidade, mas também permite que os materiais utilizados possam ser remontados ou reciclados.
E além das exposições no Arsenale e nos Giardini, a cidade de Veneza se transforma em um laboratório vivo, com projetos espalhados por diversos bairros. Iniciativas como o Manameh Pavilion, que também combinam conhecimento indígena e pesquisa científica para desenvolver soluções sustentáveis de construção, e a colaboração entre a Fundação Norman Foster e a Porsche, que propõe novas formas de mobilidade aquática sustentável, exemplificam como a Bienal integra a cidade ao debate arquitetônico.
A edição de 2025 é uma resposta ousada às questões urgentes do nosso tempo. Ao reunir uma vasta gama de perspectivas e abordagens, o evento oferece uma plataforma para o debate e a reflexão sobre como a arquitetura pode contribuir para um futuro mais inteligente, sustentável e inclusivo. No entanto, também levanta questões sobre a complexidade e a diversidade de soluções apresentadas, desafiando os profissionais a encontrar caminhos que integrem as múltiplas inteligências em um discurso coeso e eficaz.
A Bienal de Arquitetura de Veneza, sob a curadoria de Carlo Ratti, propõe assim uma visão inovadora e abrangente da arquitetura, convidando-nos a repensar as formas como construímos e habitamos o mundo. Ao explorar as interseções entre inteligência natural, artificial e coletiva, o evento destaca a importância de uma abordagem integrada e colaborativa para enfrentar os desafios globais. Em um momento em que as questões ambientais, sociais e tecnológicas se entrelaçam de maneira complexa, a Bienal oferece um espaço para a imaginação e a ação, inspirando arquitetos, urbanistas e cidadãos a construir um futuro de inteligências plurais.
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