A quarentena é um período delicado para todos os setores do mercado. O mercado da arte não está imune. Não é fácil pensar em manter as atividades a partir do distanciamento social, dentro de instituições que exploram a sociabilidade e a aproximação física e afetiva entre a arte e o público.
Museus, galerias e todos os tipos de instituições culturais estão se reinventando e repensando maneiras de atuar que estejam adaptadas às relações estabelecidas pelo isolamento. As programações são voltadas ao público e à permanência do diálogo com a instituição. Porém, há um outro agente nessa equação que é diretamente impactado: o artista.
Cada artista tem seu processo de criação próprio, mas um denominador comum entre a produção artística é a relação com a sociedade, sejam as relações do artista com seu entorno e suas vivências pessoais, ou os anseios do artista com o amplo contexto político do país e do mundo.
De qualquer maneira, as movimentações políticas e sociais sempre encontram um reflexo nas produções artísticas. É sempre possível uma leitura social das obras de arte.
Mas, se é assim, como entender o trabalho do artista dentro da ausência quase que completa de sociabilidade e de constante ameaça política ao campo da cultura?
Há, por parte de alguns, a esperança de que grandes obras sejam produzidas representando os desafios de todos os recentes acontecimentos. Por outro lado, profissionais como Jochen Volz, diretor da Pinacoteca de São Paulo, entendem que essa esperança é pautada em uma visão romântica da arte. Não se pode esperar que os artistas produzam mais em momentos de declínio nos incentivos públicos à produção artística. Se a arte se mantém mesmo em momentos difíceis, é exclusivamente por seu caráter resiliente e por sua potência afetiva.
Recentes demonstrações de resistência puderam ser vistas através de projetos que buscam pensar e incentivar os artistas a partir de suas obras feitas no período de quarentena.
O primeiro da lista é o evento Arte Da Quarentena que vai acontecer na plataforma da Artsoul entre os dias 27 de julho e 02 de agosto. É um projeto que tenta traduzir o sentimento dessa época, apresentando apenas obras feitas nos últimos 120 dias. As galerias envolvidas poderão expor até 20 obras sendo 10% da venda direcionada ao IAC (Instituto de Arte Contemporânea), a ABACT (Associação Brasileira de Arte Contemporânea) e ao Projeto Horizontes via Brazil Foundation.
No formato de um perfil do Instagram, o Museu do Isolamento Brasileiro foi criado como uma maneira de divulgar diversos trabalhos visuais voltados pra demonstrações de sensações causadas pelo isolamento. Foram diversos trabalhos selecionados e postados até que o projeto tomou grandes proporções. A organizadora do projeto, Luiza Adas, foi convidada para uma reportagem no SPTV há algumas semanas para divulgar a plataforma e contar sobre o processo curatorial.
Os trabalhos postados vão de desenhos simples e minimalistas até fotografias, colagens e bordados.
Perfil no Instagram criado pelos publicitários espanhóis Irene Llorca, José Guerreiro e Emma Calvo. Tem o mesmo princípio do Museu do Isolamento, selecionar obras que sejam feitas durante a quarentena e que expresse fortemente as sensações de estar vivendo essa experiência. É, porém, mais abrangente ao selecionar obras de diversas nacionalidades em sua curadoria. As técnicas também são bastante variadas e incluem releituras de obras famosas e arte digital.
Aqui está uma iniciativa diferente. O projeto, encabeçado pela 55SP em parceria com a Casa Chama, consiste em uma espécie de associação de artistas. As obras feitas durante a quarentena serão vendidas com exclusividade para o comprador, ou seja, sem ser reproduzida por nenhum outro meio. Todas as obras terão o mesmo valor e, quando vendidas, serão repartidas entre todos os artistas envolvidos, com uma cota extra doada para o fundo emergencial de apoio às pessoas trans afetadas pelo Covid-19 e assistidas pela Casa Chama. A ideia é incentivar a produção do artista e estimular a venda de seus trabalhos, além de desenvolver uma parceria necessária neste período.
O Empena na Quarentena é o projeto mais externo dentre todos estes. Foi elaborado pela Lona Galeria e apesar de ser feito internamente, é na rua que ele pode ser encontrado. Como uma forma de transformar a visualização das empenas de São Paulo, laterais cinzas de grandes edifícios da cidade, foram pensadas diversas projeções de vídeo pra ocupar esse espaço em um edifício específico da Barra Funda. E não se vê apenas quando se está na rua, mas nas janelas das próprias casas, o público pode se demorar e refletir sobre todas as nuances apresentadas nas exibições.
Chamada oficial para o projeto – imagem: instagram da Lona Galeria
Projetos, eventos e plataformas como essas reforçam a importância do artista como elemento central na cadeira produtiva da cultura. Afinal, não existiriam museus, galerias, curadores ou público, se não fossem todos os trabalhos artísticos feitos até hoje. As políticas públicas e privadas de incentivo à cultura são necessárias pro desenvolvimento do trabalho dos artistas principalmente agora dado que é notável como a arte pode nos ajudar a passar por momentos de crise.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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