Não é possível falar da arte indígena contemporânea sem considerar a centralidade da relação de grupos como os guarani, yanomami, wapixana, makuxi, tubinambá, krenak, pankararu, com seus territórios, modos de vida e das diversas pressões que os ameaçam. Trabalhos recentes de artistas visuais de origem indígena revelam gestos de resistência e a luta pelo respeito à suas cosmovisões e culturas. Discutem, também, tensões identitárias e ecológicas.
Nos últimos anos, algumas exposições estiveram mobilizadas em visibilizar essas narrativas, discutindo a produção da arte indígena contemporânea. Disto são exemplos as exposições “Ser essa terra: São Paulo terra indígena” (2018), no Memorial da Resistência (Pina luz), “Dja Guata Porã: Rio de Janeiro indígena” (2017/2018) no MAR, que contou com a co-curadoria da indígena guarani Sandra Benites, e o aguardado ciclo “Histórias indígenas”, que ocupará o MASP em 2021.
Tratam-se de mostras que apresentaram aos públicos, linguagens e discussões que revelam a pluralidade da arte produzida atualmente pelos povos indígenas no Brasil. Esforços críticos, publicações e páginas na internet também tem apresentado a produção cultural indígena contemporânea e abordado o estatuto da imagem nestas culturas. Além disso, artistas visuais de origem indígena ocupam, finalmente, espaço em curadorias contemporâneas, articuladas em torno da noção de decolonial.
Na atualidade, muito tem sido dito e discutido sobre a centralidade das florestas e o papel das comunidades tradicionais, para a manutenção de uma linha tênue de equilíbrio ecológico, da qual depende a vida de todos. Sobretudo no momento em que a humanidade enfrenta uma pandemia, de caráter global. Aílton Krenak, o pensador e porta-voz do grupo krenak, situado na região mineira do Rio doce, aborda em ensaio publicado em 2019, o esforço dos povos indígenas para “adiar o fim do mundo”. Busca que se traduz na preocupação com a ecologia, acompanhada da crítica à noção de progresso ilimitado, das sociedades ditas civilizadas.
Outra formulação importante, nessa discussão, é o conceito de perspectivismo ameríndio, proposto pelo antropólogo carioca Eduardo Viveiros de Castro. Ideia que joga luz sobre o pensamento xamânico, e seus modos de questionar a superioridade do humano, em relação à natureza. Nessa direção, Krenak critica as corporações “que devoram florestas, montanhas e rios” e a “humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô”. No livro A queda do céu, o conhecido porta-voz dos yanomami Davi Kopenawa, relata a história de seu povo, situado na região amazônica. Fala de uma floresta viva, mas também do embate permanente com os forasteiros, chamados pelos yanomami de “povo da mercadoria”.
A produção de arte indígena contemporânea atual é identificada à relação indissociável com territórios, florestas e rios, mas também com o esforço renovado em reelaborar identidades, que não são estáticas. Alguns destes trabalhos buscam pensar, portanto, as contradições colocadas no mundo globalizado. Nesse contexto, despontam no Brasil artistas visuais como: Denilson Baniwa, Sallisa Rosa, Jaider Esbell, Gustavo Caboco e Natália Lobo.
Trabalhos como os autorretratos, fotografias e performances que integram a série “Identidade é ficção”, da artista goiana Sallisa Rosa, buscaram discutir os impasses colocados aos indígenas, no mundo atual. Performances e registros fotográficos, que dizem das concepções do senso-comum sobre os indígenas. Como aquela que os percebe como existências presas a um outro tempo. Algumas das fotografias dessa série aproximam a artista visual de dinossauros de brinquedo, ironizando justamente essas concepções.
Outros artistas, por sua vez, procuram dar visibilidade a tradições culturais ancestrais dos povos indígenas. Sejam elas os padrões geométricos, pinturas corporais, objetos de uso cotidiano, que remetem a cosmovisões singulares. Sejam imagens que reposicionam, ou reencenam imaginários ligados à relação com a terra ou com os rituais de cada grupo. Considerando que a arte, no contexto indígena, é um conjunto de práticas que não se separa da vida cotidiana.
Estes artistas atuam nas mais diversas regiões, desde reservas de difícil acesso, como a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, ou áreas próximas a territórios urbanos, nos estados de Rio de Janeiro, Goiás, Paraná, etc. Suas obras falam dessa relação com seus lugares/territórios, mas também da articulação com vozes e narrativas plurais.
Nem todos se dedicam exclusivamente à produção visual. Nesse sentido, é possível dizer que a arte indígena contemporânea, é mais um dos espaços de articulação e visibilidade desses grupos.
Sallisa Rosa e Gustavo Caboco, em seus respectivos trabalhos em fotografia ou desenho, falam da relação com sua ancestralidade e territórios de origem, ao remeterem aos facões usados nas roças e florestas, Brasil adentro. Sallisa diz de uma referência de resistência indígena conhecida: a indígena kayapó Tuíra, que em 1989, se rebelou contra o então presidente da Eletronorte, para barrar a construção de uma usina. Por outra parte, em sua série de fotografias de facões, chama a atenção para estes instrumentos, enquanto símbolos de sobrevivência dos povos da floresta, utilizados para abrir caminhos e também nas colheitas.
Utilizando diferentes linguagens, Caboco se volta às narrativas de seus antepassados. Como os relatos de sua mãe, que foi desterrada do grupo wapixana, de Roraima, quando criança, passando a viver na cidade. Trata também da sua tomada de consciência a respeito dessas estórias e dos apagamentos históricos que estão ligados a realidade dos indígenas nos contextos urbanos. Gustavo Caboco é um dos nomes confirmados para a próxima Bienal de São Paulo. Além dos seus trabalhos visuais também escreveu um livro, que aborda o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2018.
Denilson Baniwa, Yawareté.[Lambe-lambe na parte externa do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica], RJ, 2019. [Foto: Rafaela Campos]. (DIVULGAÇÃO)
Denilson Baniwa é um dos nomes mais conhecidos da arte indígena contemporânea,tendo participado de diversas exposições e eventos, dentro e fora do país. Realizou murais na cidade de Bordeaux, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nascido em Barcelos, na região amazônica do Rio Negro, atualmente vive em Niterói. Seus trabalhos indagam a questão da identidade e também as dinâmicas históricas da colonização. Já participou de ações do coletivo xilográfico, da Casa do Povo, no bairro do Bom Retiro.
Jaider Esbell Macuxi e Natália Lobo, são artistas visuais da região amazônica. Nátalia Lobo, vive no Amapá e é estudante do curso de Artes Visuais da UNIFAP. Divulga seus trabalhos no Instagram. Entre eles, fotografias, performances, ações coletivas e desenhos. Jaider Esbell além de artista visual é produtor cultural e escritor. Já participou de diversas exposições e em 2016, foi um dos indicados ao Prêmio de arte contemporânea PIPA.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.
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