Após realizar sua estreia em 2022, em uma casa projetada por Oscar Niemeyer em São Paulo, a plataforma ABERTO apresenta sua segunda edição entre agosto e setembro. Com curadoria de Claudia Moreira Salles, Kiki Mazzucchelli e Filipe Assis, a iniciativa busca integrar arte, design e arquitetura em espaços pouco ou nunca frequentados pelo público. Em sua primeira edição, a plataforma integrou produções do Brasil e exterior, incluindo artistas emblemáticos como Picasso, Renoir, Klimt e Bourgeois.
Agora, a plataforma destaca a presença de um nu feminino pintado pelo impressionista Edgar Degas, em diálogo com uma obra da pintora modernista Suzanne Valadon, que segundo a curadoria, recebeu reconhecimento tardio.
A residência que recebe a nova edição de ABERTO foi projetada em 1974 pelo arquiteto João Batista Vilanova Artigas no bairro Alto da Boa Vista, na capital paulista. O projeto arquitetônico possui características próprias de um movimento liderado por Artigas, a Escola Paulista ou Brutalismo Paulista, como o concreto armado evidente, que em muitos momentos possibilita o protagonismo das obras através de sua tonalidade cinza e neutra.
Com quase 700 metros – e reformada especialmente para essa exposição -, a propriedade oferece ao projeto expográfico um dinamismo entre ambientes que podem ser vistos de diferentes perspectivas, de dentro e de fora da casa. As esculturas de Ivens Machado, por exemplo, expostas em um nível intermediário da casa junto às obras de Adriana Varejão e Cildo Meirelles, adquirem diferentes profundidades e percepções de volume quando o visitante pode transitar entre elas, ou observá-las de um andar acima desse espaço.
O percurso entre os diversos níveis da residência ocorre através das rampas desenhadas por Artigas – uma marca dos projetos do arquiteto. As rampas, que também tornaram-se espaços expositivos, trazem fluidez nas passagens entre andares em um aproveitamento único realizado pela curadoria. Em um espaço de passagem surge o trabalho têxtil de Sônia Gomes, pendente do teto até o encontro entre duas rampas. Em perspectiva, o trabalho dialoga com a obra de Ernesto Neto que também é caracterizada por uma longa extensão em ascensão, podendo ser vista pelo vidro que demarca a área externa da casa.
A presença marcante da vidraçaria nos contornos da casa convida a luz natural a invadir o espaço e adicionar outras camadas de visualização a algumas obras. “However” de Maria Martins, por exemplo, está exposta ao lado de uma janela no último andar. O reflexo da luz natural ascende a superfície metálica da obra, um efeito que não seria possível somente através de iluminação artificial. A escultura é um dos destaques dessa exposição e pode ser vista de uma longa distância no corredor que precede a sala de estar – posição estratégica da obra que convida o público a um espaço repleto de esculturas e pinturas.
Na mesma sala estão obras de Lygia Clark, Tunga, Anna Maria Maiolino, Francisco Brennand, entre outros. O ambiente integra obras que se relacionam com a terra, seja em suas escalas cromáticas terrosas ou na própria poética, em harmonia com a presença marcante do concreto das paredes da sala – tensionando aspectos de acolhimento e dureza. Nesse conjunto das obras, as superfícies compostas de cerâmica e metal são os elementos de maior destaque e contraste.
Algumas características da residência foram especialmente exploradas pela curadoria para integrar os trabalhos de design de forma harmônica. As “Cadeiras Tronco”, de Campana, por exemplo, estão dispostas em um dos jardins localizados nos níveis intermediários da casa. A materialidade mais crua das cadeiras estão em sintonia com a dureza do acabamento externo desse ambiente, de onde algumas plantas surgem para circunscrever o entorno.
De forma próxima, os bancos desenhados por Claudia Moreira Salles e Domingos Tótora são dispostos na parte interna e externa da casa. O desenho geométrico do “Banco Convívio” acompanha a extensão do mezanino que dá vista para as obras de Varejão, Meirelles e Machado. Ao mesmo tempo, a composição de tons quentes dos bancos se destaca em meio ao ambiente monocromático.
Esse encontro entre a geometria e uma sensação de conforto é vista também em um dos quartos, onde um projeto inédito de Artigas é encontrado. Trata-se do conjunto de estantes desenhado pelo arquiteto para sua família em 1983, sendo reeditado para a ABERTO quarenta anos depois. Com inspiração no estilo geométrico colorido de Mondrian, os móveis são módulos que podem adquirir inúmeras combinações e funcionalidades. No mesmo ambiente, a curadoria pensou na configuração desses blocos coloridos tanto na arquitetura como na arte, dialogando com trabalhos de Luiz Sacilotto e Lygia Pape, por exemplo.
Um ponto alto da exposição certamente é o jardim da casa, onde peças de design e esculturas foram integradas de forma pouco vista em outros ambientes. A resistência de obras compostas por metais, por exemplo, possibilitam uma exposição dos objetos em ambientes abertos, sujeitos a diferentes condições climáticas. Nesse setor, a curadoria apresentou obras de Tomie Ohtake, Laura Vinci, Los Carpinteros, entre outros.
Um dos destaques é a obra comissionada de Davi de Jesus do Nascimento, um barco a vela com desenhos de carrancas – presentes também em desenhos expostos em outra parte da exposição. Projetada para esse espaço, a obra está à deriva na piscina e possui dimensões que estabelecem diálogo com os diferentes desenhos ao seu redor: os limites da piscina e perspectiva formada pelas colunas e pela marquise.
O trabalho de Nascimento é um entre outros vinte que foram produzidos a partir da perspectiva de artistas sobre a casa de Artigas. Outro resultado interessante são as obras desenvolvidas por Ana Elisa Egreja focando em detalhes dos banheiros da casa. A artista investiga através da pintura os ambientes domésticos e suas particularidades no contexto brasileiro. Para a ABERTO, duas obras site specific foram produzidas, ressaltando as cores vibrantes presentes nesses espaços.
A experiência da arte e do design é sempre mediada pela arquitetura e o ambiente por ela proposto – mesmo que isso não esteja em discussão. A possibilidade de presenciar a inserção de trabalhos de artistas e designers consagrados em um ambiente íntimo é rara e abre espaço para experiências mais próximas da vida cotidiana. A proposta da plataforma ABERTO é uma oportunidade para que colecionadores possam ter novos pontos de partida para visualizar essas produções em ambientes reais.
Gostou desta matéria? Leia também:
SP-Arte Rotas Brasileiras reúne galerias e projetos de todas as regiões do país