Mural NSA (No Strings Attached), realizado pelo artista Rodrigo Moreira durante a sua residência no AnnexB (2017). Foto: Cortesia do Artista.
As residências têm ocupado um papel de destaque no cenário da produção em arte contemporânea. O interesse dos artistas por estes programas pode ser explicado de diversas formas, desde a busca por um tempo voltado à criação, a chance de desenvolver novos projetos e pesquisas, até a procura por experiências de intercâmbio cultural. O deslocamento, a oportunidade de sair de seu espaço habitual para atuar em um novo território, também possibilita o contato com outros artistas, curadores e instituições, bem como a imersão em novos contextos culturais. Aspecto que é favorecido, particularmente, pelas residências sediadas fora do país.
Para artistas brasileiros, em início, ou no meio de suas trajetórias, as residências representam oportunidades, muitas vezes decisivas, para uma inserção no cenário artístico internacional. Diante do interesse crescente por estes programas, o AnnexB tem ganhado evidência. Projeto criado em julho de 2016 pela Administradora Larissa Ferreira, este espaço transgride fronteiras geográficas e econômicas habituais, propondo vínculos entre o influente contexto artístico de Nova York e a produção contemporânea brasileira. Desde o segundo semestre de 2017, o AnnexB conta no time com a curadora Tatiane Schilaro, como diretora criativa, e com a consultora americana Paola Francisquini.
Em entrevista à plataforma Artsoul, Larissa Ferreira, diretora executiva e fundadora do projeto, e Georgiana Rothier, colecionadora e integrante do conselho da instituição, destacam a diversidade, a abertura à propostas múltiplas, como aspectos fundamentais deste programa de residências, desde o princípio de suas atividades. Larissa menciona a preocupação da curadoria do programa em buscar por artistas de “diferentes regiões do Brasil, com práticas e propostas distintas.”
Ao refletir sobre o recorte feito pelo programa de residências do AnnexB, o convite exclusivo à artistas de origem brasileira, a diretora executiva pontua: “parece que estamos querendo definir o que é arte brasileira. E a gente fala muito sobre isso, que não é essa a ideia do programa (…). Pelo contrário, pretendemos mostrar a pluralidade da arte brasileira”. Comentando o caráter diverso da produção dos artistas selecionados, Georgiana Rothier, complementa: “Faz parte da missão do AnnexB ter essa diversidade no seu portfólio, que conta com grafiteiros, artistas de performance, pintores, e artistas de diversos níveis, ou seja, aqueles que já estão em galerias, consagrados, e outros que não têm galerias, bem jovens, em um estágio inicial”
O projeto já recebeu trinta artistas de nosso país, entre eles, nomes de destaque na cena contemporânea como Dalton Paula, Regina Parra, Nino Cais, Ivan Grilo, Verena Smit, Carla Chaim e Santídio Pereira. Ao longo de seus três anos de atividades, tem sido reconhecido por garantir um importante espaço para a produção de artistas emergentes, no contexto decisivo de Nova York. A instituição, independente e autogerida, conta com o apoio de um ativo conselho, responsável por firmar parcerias que viabilizam a continuidade do projeto.
O processo de seleção para o programa de residências, geralmente realizado em um processo interno, já estabeleceu também uma importante parceria com o Parque Lage, lançando um edital voltado à alunos ou ex-alunos de sua Escola de Artes Visuais. A chamada aberta, que atraiu cerca de cem inscritos – e contemplou o jovem artista paraense Rafael Bqueer – dá dimensão do interesse pelo programa e do prestígio que tem alcançado entre artistas brasileiros.
Durante a estadia de dois meses na cidade, inteiramente garantida pela Bolsa de Residência – New York, EAV Parque Lage + AnnexB, Rafael Bqueer realizou o mural “UóHol”, além de uma performance no espaço público. Apresentada na monumental Grand Central Station, nesta proposta dois corpos negros, posicionados frente e frente, sustentavam um lustre de cristal apenas com a força de seus cabelos. Artista cuja investigação se liga a questões identitárias, relativas à visualidade do corpo negro, indígena e LGBTQ, Bqueer é um dos últimos à retornar ao Brasil, após a experiência de intercâmbio e trabalho.
Além de oferecer a oportunidade de vivenciar uma cidade cosmopolita e multicultural, como Nova York, o AnnexB promove o desenvolvimento de projetos artísticos, em um dos contextos mais relevantes no panorama da produção em arte contemporânea. O ateliê do programa situa-se em um antigo prédio revitalizado no bairro de Bushwick, em Brooklyn. Marcada pela vida cultural vibrante, a região é notória por abrigar inúmeros ateliês e pela presença, em suas ruas, de muitas manifestações de arte urbana. Entre elas, murais de Alice Quaresma, Manuela Eichner, Rodrigo Moreira, Raul Zito e Talita Zaragoza, produzidos durante a passagem pelo AnnexB, no prédio “BX Space to Create”.
Os artistas convidados podem permanecer em residência por até três meses, período em que desenvolvem seus projetos individuais, além de terem a chance de participar de atividades que integram a programação pública do espaço. Estes eventos incluem conversas, oficinas, workshops, dias de ateliê aberto, exposições, assim como encontros com outros artistas e curadores. Segundo Larissa Ferreira, os programas públicos são momentos importantes, pois permitem que outras pessoas se envolvam nas propostas dos residentes:
“Há um ano começamos um grupo de encontros, que foi um projeto de residência da artista Bel Falleiros, destinado à mulheres latino-americanas que moram em NY, que podem ser curadoras, artistas ou profissionais de arte e cultura. A nossa ideia ao criar esses encontros era estabelecer uma troca, fomentar esse grupo.”
A ligação com a cidade e com a arte urbana é outro aspecto relevante dos projetos desenvolvidos pela instituição. De acordo com a fundadora do programa “Nova York já tem essa relação direta com a arte pública (…) se a gente quisesse se inserir na cidade, esse era um caminho muito claro”. Os murais garantem, deste modo, uma relação próxima com o território e seus públicos. Segundo ela, têm “um alcance e um diálogo com a cidade muito interessante”, sendo projetos com uma duração maior, que reverberam ao longo de um ano inteiro.
Para os artistas, a residência no exterior, também tem a vantagem de facilitar novas relações com curadores, museus e instituições, no cenário de Nova York. Entre os espaços que já foram parceiros, desde a criação do AnnexB, incluem-se instituições prestigiadas como Residency Unlimited, Pioneer Works, BRIC House, e eventos públicos destacados, como o SPRING/BREAK Art Show.
O interesse pelo período de residência não se limita, no entanto, à visibilidade proporcionada por essa experiência. Nesse sentido, Larissa Ferreira observa que parte expressiva dos artistas que passaram pelo ateliê do AnnexB já tem trajetórias consolidadas fora do Brasil, enquanto outros, por sua vez, não almejam necessariamente uma inserção direta no mercado de artes dos EUA.
Assumindo que as residências contribuem para a visibilidade internacional da produção contemporânea brasileira, também devem ser compreendidas nos desdobramentos específicos, para a pesquisa poética e produção dos participantes. Exemplo deste sentido é oferecido pela trajetória de Dalton Paula, particularmente na relação com a cidade de Nova York, durante sua residência no AnnexB, em 2018. Se, por um lado, é visível a presença internacional do artista goiano – com a exibição de suas obras na Trienal do New Museum, em Nova York – por outra parte, é interessante observar reverberações mais sutis da residência em sua produção.
Em uma série iniciada nos ateliês de Bushwick, Dalton Paula registra alguns dos objetos encontrados em suas caminhadas pela cidade: uma cadeira, um hidrante e uma bandeira à meio mastro. O artista elabora visualmente sua primeira experiência nos EUA, atribui sentidos poéticos ao contato com este território estrangeiro.
Além da oportunidade de uma dedicação integral a práticas e pesquisas, no contexto de uma cidade efervescente como Nova York, o AnnexB promove à artistas brasileiros – sejam eles residentes ou não em nosso país – a aproximação de novos espaços e repertórios culturais. Experiência, por si só, relevante.
O período de residência favorece situações de troca, momentos propícios à experimentação e um tempo significativo, destinado à criação artística. Para Larissa Ferreira, fundadora do projeto: “A residência já começa desde o caminho até o ateliê, no fato de ser diferente do trajeto de todos os dias, no Brasil, até quais organizações estão visitando. Para muitos foi a primeira vez no MoMA, no Whitney Museum. Conhecendo pela primeira vez obras que só viam em livros. Tudo isso acaba influenciando a prática dos artistas”.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.
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