Andy Warhol (1928 – 1987) foi uma figura notável na história da arte, revolucionária e polêmica na mesma medida. Protagonista da Pop Art, movimento artístico da década de 1960, desafiou com sua obra os conceitos tradicionais de cultura, explorando a fronteira entre a arte, a mídia e a sociedade de consumo.
Warhol se apropriava de símbolos e imagens do mundo comercial e pop para produzir serigrafias marcantes e plastificadas de um mundo cada vez mais superficial. Sua produção influenciou o mundo da arte, mas também moldou a cultura popular e a noção de fama e celebridade. Sua visão única e sua capacidade de compreender o presente continuam a inspirar artistas a desafiar e subverter as fronteiras da arte.
Décadas após sua morte, é uma decisão judicial em torno de uma de suas obras que estremece novamente o mundo das artes, deixando uma reflexão que é tão cara na era digital: como definir os limites para apropriação de imagem pela arte?
Orange Prince (1984) é o mais icônico de doze trabalhos serigráficos da série Prince, realizada por Warhol. As obras foram produzidas a partir de uma fotografia de Lynn Goldsmith que registrou o músico Prince no início da década de 1980.
Este é um dos trabalhos de Warhol mais aclamado pela crítica. O historiador e crítico norte americano Thomas Crow analisa a relevância do trabalho “mostra uma liberdade de expressão muito maior, como nos primeiros retratos. Isso é especialmente evidente quando comparado ao estilo de retratos mais “de linha de fábrica” de Warhol da década de 1970 em diante, que eram principalmente encomendas”, afirma.
O uso da imagem não é tão simples, a obra possui um longo histórico. Para sua realização, a revista Vanity Fair, da Condé Nast, inicialmente licenciou uma fotografia da agência de Goldsmith para uso como “referência artística”. Eles então contrataram Warhol, que usando apenas a cabeça de Prince da foto criou a vibrante serigrafia. Essa pintura foi usada em um artigo na edição de novembro de 1984 da Vanity Fair, intitulado Purple Fame, no qual Goldsmith recebeu crédito.
No entanto, Warhol criou também outras versões do retrato de Prince para sua coleção pessoal, conhecida como Série Prince. Tais versões não foram encomendadas por Goldsmith, Vanity Fair, Condé Nast ou Prince.
Quando uma overdose de fentanil tirou a vida de Prince em 2016, a Condé Nast publicou uma série de imagens para homenagear a vida do falecido artista. A empresa incluiu Orange Prince (1984) e pagou à Fundação Andy Warhol US$10.250,00 para fazê-lo. Neste momento, Goldsmith não foi creditada ou paga.
No ano seguinte a esta publicação, a Fundação Andy Warhol entrou com uma ação preventiva, pedindo ao tribunal uma sentença declaratória afirmando que a “Série Prince” não violava os direitos autorais de Goldsmith, a fotógrafa rebateu com um contra-processo e no meio de reviravoltas, instâncias e apelações, a Fundação Andy Warhol perdeu oficialmente a briga na Suprema Corte na quinta-feira (18), resultado do parecer de sete juízes contra dois.
Argumentos não faltam nos dois lados do debate. O advogado Roman Martinez, representando a Fundação Warhol afirma que o caso “não é apenas sobre Warhol. É sobre os artistas jovens e promissores que querem ser os sucessores de Warhol. (…) a decisão pode levar a consequências dramáticas não apenas para a série Prince, mas para todos os tipos de obras de arte moderna que incorporam e usam imagens pré-existentes como matéria-prima na geração de uma expressão criativa completamente nova”.
Do outro lado, Lisa Schiavo Blatt, uma advogada de Goldsmith argumenta que uma aplicação liberal de uso justo “dizimaria a arte da fotografia ao destruir o incentivo para criar a arte em primeiro lugar”.
Os direitos autorais desempenham um papel fundamental no mundo da arte uma vez que protegem os direitos dos artistas e incentiva a criatividade e inovação. Eles conferem aos criadores o controle sobre o uso e a reprodução de suas obras. No entanto, questões como uso justo, domínio público e a evolução das tecnologias digitais têm desafiado a cada dia os limites dos direitos autorais.
Uso justo é o princípio legal que moveu toda a ação do caso Orange Prince, utilizado tanto pela defesa quanto pelos autores da ação. Este princípio da lei americana permite o uso limitado de obras protegidas por direitos autorais para fins educativos, jornalísticos ou artísticos, procurando equilibrar a proteção dos direitos com a liberdade de expressão. Contudo, a interpretação e aplicação do uso justo pode variar de acordo com o contexto e a jurisdição, se tornando um debate ainda mais complexo quando adentra o campo subjetivo da arte.
Neste caso, Orange Prince (1984) apresenta mudanças estéticas significativas que, indiscutivelmente, conferiram à fotografia de Goldsmith um novo significado artístico. No entanto, a Suprema Corte, cuja decisão se concentrou especificamente na obra licenciada por Warhol para a Condé Nast, considerou sua finalidade comercial, o que não foi interpretado como uso justo do direito. Para a Suprema Corte, o uso justo da obra seria em uma retrospectiva de Andy Warhol em uma instituição cultural sem fins lucrativos.
A obra de Warhol, especialmente sua abordagem pioneira de apropriação e reprodução de imagens, adquire uma nova importância nos tempos atuais. Ela nos convida a refletir sobre questões fundamentais da autenticidade, propriedade e originalidade em um contexto digital em transformação. A influência duradoura de Warhol serve como um lembrete de que a arte e a cultura estão sempre em transformação, demandando uma análise constante das questões éticas e legais que as envolvem. Nesse cenário, a busca por um equilíbrio entre a proteção dos direitos autorais e a liberdade criativa é um desafio para garantir um ambiente artístico inovador e crítico.
Giovanna Gregório é graduanda em Arte: História, Critica e Curadoria pela PUC-SP. Pesquisadora e crítica independente.
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1 Comment
Anteriormente os artistas se apropriavam de obras de artistas clássicos e modernos.
Essa atitude era vista como influencia de mestres sobre os novos artistas que despontavam homenageando seus antecessores, copiando, se apropriando de conhecimentos que os permitiam criar novas artes que atravessaram os tempos e chegamos onde estamos hoje.
Eu mesma utilizo como suporte de artes de terceiros como inspiração criando trabalhos que são autênticos e originais meus.