A história da Diáspora Galeria começa em 2019 com sua fundação realizada pelo arquiteto, arte educador e curador Alex Tso. Agora, em 2023, o projeto ganha uma sede própria e abre uma nova fase para a galeria, com viés educativo, social e mercadológico. Inspirado no pensamento de bell hooks, a inauguração acontecerá em dois atos – ambos baseados no conceito de “afeto”. O primeiro ato é a inauguração da galeria em março, focando no projeto educativo, e o segundo será a divulgação do plano mercadológico da galeria.
Promovendo o encontro da produção artística de pessoas racializadas – negras, indígenas e asiáticas -, a Diáspora Galeria sintetiza uma movimentação internacional de iniciativas que visam enfrentar a hegemonia branca do mercado, visando a equidade racial. É sabido que tal hegemonia não domina apenas o mercado de arte, mas espaços de poder de modo geral. No mercado de arte, pessoas brancas representam a maioria de artistas, curadores e galeristas em destaque. Todavia, diversos setores da sociedade passam agora por revisões, reconhecendo a predominância de pessoas brancas e, ao mesmo tempo, criando estratégias para que novos corpos acessem esses espaços de maneira efetiva.
Atualmente, a galeria representa 9 artistas que foram selecionados via edital aberto, após passarem pela seleção dos curadores Claudinei Roberto, Keyna Eleison e Sandra Benites, figuras de grande influência no circuito institucional artístico brasileiro.
Os primeiros anos da Diáspora Galeria foram marcados por estratégias de atuação durante a pandemia, especialmente no espaço virtual, enquanto o projeto não tinha sede. Nesse começo, uma das ações encabeçadas por Alex Tso foi abrir um espaço de diálogo com os artistas que não passaram na convocatória, colocando-se disponível para dar feedbacks a respeito dos portfólios enviados.
Em entrevista para a Artsoul, o curador afirmou que “Eu sentia que era uma obrigação – política – enquanto curador, dar esse feedback para os artistas. Porque a gente sabe que os artistas mandam muitos portfólios e as galerias não respondem. E esse acesso à informação é muito precarizado”. Dessa forma, o curador iniciou o caráter de formação que a galeria oferece aos artistas, tanto contemplados pelo edital, como aqueles que buscam aproximar-se do projeto.
Com a abertura da sede na Avenida Rebouças, a frente educacional da galeria poderá alcançar novas pessoas, com uma nova programação. Um dos espaços da galeria irá abrigar ações como cursos, oficinas e palestras.
Além disso, o espaço conta também com uma biblioteca comunitária que poderá ser usufruída pelos visitantes. O acervo, ainda em construção, contará com um recorte específico de obras literárias de intelectuais e artistas afro-diaspóricos, indígenas e asiáticos, seguindo a premissa da galeria. Para dar vida a esse espaço, a Diáspora Galeria lançou no primeiro ato, no dia 25 de março, a Galeria-Escola, projeto que utilizará esse novo espaço da galeria para formar e preparar coletivamente novos artistas racializados para o circuito artístico nacional.
“Esses espaços acabam sendo muito integrados porque eles tentam expandir um pouco o lugar de estar/ser que há dentro de uma galeria”, afirma o curador. Essa frente socioeducativa está em consonância com a postura institucional que museus e bienais vêm adotando, mas é novidade para uma galeria de arte. O curador ainda completa sobre a especificidade dessa frente dentro da Diáspora: “Pensando a galeria enquanto um lugar que não serve apenas ao galerista, colecionador ou ao artista representado, mas a galeria serve a uma sociedade, a uma comunidade mais ampla”.
Entre as propostas da galeria, está a criação de uma dinâmica na qual os artistas possam atuar a partir de suas complexidades. Tso lembra que muitas vezes quando um artista racializado é incorporado no mercado por agentes brancos, é esperado dele uma atuação instrumentalizada, com discursos pré-definidos pela própria branquitude.
Na contramão dessa dinâmica, o curador acredita na criação de novas formas de atuação, especialmente através da lógica do afeto: “Esse lugar do afeto vem muito da gente entender quais são nossas redes, nossas comunidades, complexidades, e como trazer isso de fato para uma produção artística”. Dessa forma, os artistas não se limitam a falar apenas sobre suas vivências enquanto pessoas racializadas, mas são livres e estimulados a produzir no atravessamento de suas vontades e indagações.
Outra linha de atuação da galeria em sua nova sede, agora pensando mais no viés mercadológico e o segundo ato de lançamento, é a criação de uma “popup store”, onde duas marcas e um projeto social ocuparão juntos parte da galeria para comercialização de produtos. Segundo Tso, as marcas terão a oportunidade de expor em um lugar estratégico, pelo fato da galeria estar localizada na Avenida Rebouças, além de desenvolver novos produtos inspirados nas exposições em cartaz, por exemplo.
“A ideia é sempre pensar a Diáspora como esse catalisador de redes e propulsor de novas conexões e possibilidades”, afirma Tso.
A postura adotada pela Diáspora Galeria desde sua fundação demonstra um posicionamento social diferente da maioria das galerias de arte, em que o espaço intimida a maioria da população. Galerias de arte não costumam ser um espaço de discussão e acolhimento, mas sim um lugar dedicado às negociações e trâmites mercadológicos. O projeto de Alex Tso, que agora ganha ainda mais materialidade, acerta ao apostar no caráter social e educativo da arte, incentivando os encontros e a possibilidade de novos artistas se desenvolverem em um lugar seguro, movido pelo afeto.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
As falas destacadas no texto foram retiradas de entrevista concedida presencialmente por Alex Tso, realizada e gravada por Victoria Louise em março de 2023.
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