A primeira geração do grafite pode ser vista pela ótica da liberdade de ocupar espaços e a necessidade de afirmar a potência da ocupação. A segunda geração é voltada pra liberdade de criar a sua identidade enquanto artista e tratar de temas mais complexos. Aqui, Daniel Melim ultrapassa a segunda fase e passeia por suportes como experimentação a partir do que o atrai.
A técnica mais desenvolvida nos seus trabalhos é o estêncil. Se é pra estudar essa técnica, Daniel Melim é referência.
O estêncil nada mais é do que um molde vazado em papel. É simples assim como ele demonstra nas aulas que ministra para jovens engajados em grafite em São Bernardo do Campo, sua cidade natal.
Mas, a simplicidade da técnica é levada ao limite na mão do artista. Um dos maiores murais do mundo, feito em um prédio próximo à Pinacoteca de São Paulo por Melim e sua equipe, foi feito inteiramente em estêncil e tem cerca de 25×30 metros.
Foram utilizados 37 moldes apenas para a figura principal da mulher, cerca de 200 latas de spray e 80 litros de tinta látex, sendo finalizado em 23 de junho de 2011.
Esse mural, conhecido internacionalmente por sua magnitude e por sua estética pop, foi patrocinado pela empresa KLM e eleito pelos leitores da VEJA-SP como a obra mais representativa da cidade de São Paulo na época.
Quanto à sua estética, é evidente a influência da pop art, vertente da arte visual do final da década de 50. Na pop art, o visual é construído a partir de muitas cores e texturas, bem como as histórias em quadrinhos que também fazem parte das preferências de Daniel Melim.
A cultura do punk rock e a forte autonomia do pensamento “faça você mesmo” também foi grande motivação para o artista ao sair e fazer experimentações na rua.
O hibridismo do artista se manifesta ao expandir o suporte tradicional do muralismo e ao construir sua poética em outros materiais. As habilidades aprendidas quando trabalhava como metalúrgico em São Bernardo do Campo o fez desenvolver, em sua arte, a matemática das construções visuais e também os suportes de metal. Em The Dirty Suburbs, obra de 2012, explora os cortes no metal, e, mesmo que na ausência de cores e de texturas, a identidade quadrinista e pop permanece pela hierarquia e sobreposição das formas.
Na linha de diversificação dos suportes, um paralelo é claro com a obra do artista gráfico curitibano Jorge Torres Galvão que usa, além de telas, materiais de descarte como, por exemplo, tampas de caixas de luz. Em ambos os casos, as obras trazem muita cor e vivacidade. Em Daniel Melim, há uma preocupação com a construção racional de sobreposição de elementos, em JTG, há uma sobreposição mais orgânica e com limites tênues. Nas duas produções, porém, há uma vontade de estabelecer uma relação saudável e harmônica entre a “arte de rua” e a “arte de museu”.
Para Melim, a arte não como mercado, mas enquanto potência afetiva ao público geral e o acesso à essas poéticas é o mote. O potencial externo e o interno do museu são explorados e o artista ultrapassa a dicotomia entre ambos os espaços sem afetar a linguagem urbana. É um artista que desafia a discussão sobre a arte urbana dentro de instituições tradicionais ao colocar as duas em diálogo.
Daniel Melim participou de exposições no MASP, na galeria Choque Cultural, no Museu Afro Brasil, no Memorial da América Latina e fora do Brasil na Bienal de Valência, na Espanha e The Cans Festival, evento produzido em 2008 pelo grafiteiro Banksy.
Dentro ainda da buscar por acesso à arte, Daniel Melim participa do Projeto Jardim Limpão, uma realização dos moradores e artistas da região de São Bernardo do Campo com crianças e adolescentes para a criação de serigrafia e produção de stickers.
Essa movimentação educativa é característica da arte urbana, que tendo a rua como uma espécie de ateliê, disponibiliza o processo criativo à todos e amplia a possibilidade de aprendizagem, compartilhamento e desenvolvimento de técnica em grupo. Muitas vezes a questão discutida nas obras também traz a profunda reflexão sobre o entorno como Ausência, feita em São Bernardo e traz informações sobre as estatísticas de violências entre casais.
A nova onda de arte urbana tem muitas camadas a serem lidas. Daniel Melim é exemplo da amplitude desse novo movimento que expande cada vez mais os limites e abre espaço para leituras artísticas, mas também educativas e sociais, além de atenuar as fronteiras entre o público e o privado.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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1 Comment
Achei muito interessante essa Arte de Grafite