Ocupar o histórico Pavilhão da Bienal – edifício projetado por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera – é um grande desafio por suas dimensões físicas e pela relevância social e histórica da maior exposição de arte do Hemisfério Sul. Criada em 1951, a Bienal de São Paulo já apresentou edições com diversos tipos de curadoria – desde o modelo mais comum com a figura central do curador-chefe até curadorias compostas por artistas e coletivos. O modelo de curadoria adotado para essa nova edição é marcado pela horizontalidade, já visto nas edições de 1989, 2010 e 2014.
Intitulada de coreografias do impossível, a 35a Bienal de São Paulo está a cargo do coletivo formado por Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel. Com formações, experiências e atuações distintas no mundo da arte, cada curador possui contribuições próprias em um projeto que já dá sinais de ser uma edição emblemática da exposição. A seguir, conheça um pouco da trajetória de cada curador desse coletivo.
Curadora independente, escritora e pesquisadora, Diane Lima (Mundo Novo, Bahia, 1986), é Mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. O tema de sua tese de mestrado foi Fazer sentido para fazer sentir: ressignificações de um corpo negro nas práticas artísticas contemporâneas afro-brasileiras – título que sintetiza o norte de suas pesquisas. Lima trabalhou na co-curadoria de duas publicações sobre arte contemporânea, uma pela Act. e outra pela Brook, editora francesa. Também participou de residências como pesquisadora e curadora na Espanha e Alemanha. Atualmente integra o comitê curatorial responsável pela nova exposição de longa permanência do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP).
Articuladora de produções artísticas e intelectuais negras, fundou em 2014 a plataforma NoBrasil, relacionada a pesquisas dos campos da arte e curadoria – começando a fomentar projetos como o AfroTranscendence (Afro-T) no ano consecutivo. Com dois anos de existência, a plataforma passou a colaborar com o Festival de Cinema Africano do Vale do Silício, na Califórnia (Estados Unidos), com enfoque na produção audiovisual de mulheres negras.
No Itaú Cultural, desenvolveu a curadoria – ao lado de Rosana Paulino – da exposição Diálogos Ausentes, que ficou em cartaz entre o final de 2016 e início de 2017, realizando depois uma itinerância para o Galpão Bela Maré, no Rio de Janeiro, em parceria com o Observatório de Favelas. A exposição reuniu trabalhos dos campos do cinema, artes visuais e teatro, que em conjunto apresentavam narrativas negras na contramão dos estereótipos racistas presentes na sociedade brasileira. Ainda no Itaú Cultural, coordenou o programa A.Gentes, desenvolvido para promover junto aos funcionários uma reflexão em torno da estrutura institucional e questões raciais presentes.
Nos anos de 2018 e 2019, esteve à frente do Valongo – Festival Internacional da Imagem, realizado no bairro histórico do Valongo na cidade de Santos. Em 2021, foi inaugurada no SESC Sorocaba (e em espaços públicos da cidade) a terceira edição do FRESTAS – Trienal de Artes, intitulada O rio é uma serpente, na qual Diane Lima esteve a cargo da curadoria ao lado de Beatriz Lemos e Thiago de Paula Souza, com assistência de Camila Fontenele.
Em 2018, quando perguntada em entrevista sobre o motivo de ter começado a trabalhar como curadora, Lima comentou sobre sua atuação nesse meio. No seguinte trecho, encontramos algo que ressoa até hoje em seu trabalho: “Minha prática está ligada com ocupar espaços e combater a desvalorização, a negação e o ocultamento das contribuições de outras epistemologias que não encontram lugar na história e no sistema da arte tal como conhecemos”. A entrevista completa pode ser lida neste link.
Grada Kilomba nasceu em 1968 em Lisboa – possuindo raízes em São Tomé e Príncipe, Angola e Portugal. É artista interdisciplinar – transita entre os campos das artes visuais e da escrita, desenvolvendo projetos que pensam diversas formas de expressão. Doutora em Filosofia pela Universidade Livre de Berlim, Alemanha, Kilomba lecionou em diversas universidades internacionais, como a Universidade de Artes de Viena, na Áustria, por exemplo.
Foi na Pinacoteca de São Paulo, em 2019, que a artista realizou sua primeira exposição individual no Brasil. Grada Kilomba: Desobediências Poéticas consistiu em quatro trabalhos – a instalação “Table of Goods” (2017), e três videoinstalações – “Illusions Vol. I, Narcissus and Echo” (2017), “Illusions Vol. II, Oedipus” (2018) e “The Dictionary” (2019).
A primeira dessas videoinstalações já havia sido exibida na 32a Bienal de São Paulo – Incerteza Viva em 2016. Na ocasião, a artista também apresentou a videoinstalação The Desire Project [O projeto desejo].
As pesquisas e projetos de Kilomba investigam os efeitos de processos coloniais sobre a contemporaneidade – cultura e sociedade, indissociáveis. A artista se utiliza desde tradições orais africanas de transmissão de conhecimento, até referências contemporâneas de linguagens como a literatura e a música para localizar problemáticas em torno de questões estruturais, como o racismo.
Kilomba possui grande projeção no cenário internacional da arte contemporânea, tendo participando de relevantes exposições e festivais como a Documenta de Kassel e a Bienal de Berlim – sendo a última a cidade onde reside atualmente. Também expôs em instituições como a Kadist Art Foundation, em Paris; The Power Plant, em Toronto; o Museu Bozar, em Bruxelas, entre outras.
Antropólogo, curador, crítico e internacionalista, Hélio Menezes (Salvador, 1986) é graduado em Relações Internacionais e em Ciências Sociais, mestre e doutorando em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Com carreira acadêmica internacional, o pesquisador também é affiliated scholar do BrazilLab, da Universidade de Princeton, além de ter sido bolsista no Institut d’Etudes Politiques (Sciences-Po Paris, 2007) e na Universidad Autónoma de Madrid (UAM, 2013).
Entre 2019 e 2021, foi curador de Arte Contemporânea do Centro Cultural São Paulo – CCSP. Em 2021, Menezes foi escolhido pela ArtReview como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo da arte contemporânea. Nesse mesmo ano, o curador inaugurou no Instituto Moreira Salles (IMS Paulista) um de seus projetos mais importantes, a exposição Carolina Maria de Jesus: Um Brasil para os brasileiros.
A exposição, dedicada à escritora mineira conhecida pela publicação da obra Quarto de despejo (1960), além de destacar outros escritos, mostrou ao público outras faces da autora, que também desenvolveu trabalhos como compositora, cantora e circense. A exposição fez itinerância para o SESC Sorocaba (SP), Ocupação MAR, no Parque Madureira (RJ), SESC Rio Preto (SP), e encontra-se no Museu de Arte do Rio (RJ), permanecendo até novembro deste ano.
Em 2018, o curador inaugurou a grande exposição Histórias Afro-Atlânticas – uma mega exposição com 450 obras de 214 artistas, dividida em espaços do Museu de Arte de São Paulo e Instituto Tomie Ohtake. O projeto, co-curadoria de Menezes, recebeu da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) o Grande Prêmio da Crítica de melhor exposição de 2018. No mesmo ano, Menezes também realizou a curadoria da mostra de performances Eu não sou uma mulher?, no Instituto Tomie Ohtake.
Outro projeto importante de Menezes foi a curadoria da mostra Vozes contra o racismo – junto a Amarilis Costa, Ligia Rocha e Thamires Cordeiro -, que ocorreu em São Paulo, em 2020. Além de The discovery of what it means to be Brazilian, apresentada na Mariane Ibrahim Gallery, em Chicago, no mesmo ano.
Textos críticos e ensaios do pesquisador podem ser encontrados nos catálogos das exposições Histórias Afro-Atlânticas (vol. 1 e 2 – MASP e Tomie Ohtake), Rubem Valentim: construções atlânticas (MASP), 10th Berlin Bienalle for Contemporary Art e Prison to prison: an intimate story between two architectures (Bienal de Veneza).
Em entrevista para a Frieze, o curador comenta sobre a dinâmica do coletivo formado para a curadoria da Bienal das coreografias do impossível. Menezes lembra que esse coletivo não é do tipo que é formado há anos e possui objetivos unificados. Mais precisamente, são pesquisadores com diferentes repertórios e perspectivas. Nas palavras do curador, “é um coletivo de diferenças, uma experimentação”.
O historiador da arte e curador Manuel Borja-Villel (1957) nasceu e vive na Espanha. É Doutor em História da Arte pela City University de Nova York. Entre 2008 e 2023, atuou como diretor do Museu Reina Sofía (Madri, Espanha), onde realizou um intenso trabalho de reorganização da exposição permanente do acervo da instituição. Intitulada Vasos Comunicantes, sua iniciativa foi considerada ousada, olhou para a história da arte através dos conflitos – mais especificamente, a curadoria parte da história da Espanha e da Guernica de Pablo Picasso.
O curador também dirigiu o museu da Fundació Antoni Tàpies em Barcelona, da sua inauguração em 1990 até 1998, promovendo uma série de ações voltadas a um olhar crítico institucional. Nesse período, Borja-Villel organizou exposições com a participação de grandes nomes da arte como Louise Bourgeois, Marcel Broodthaers, Hans Haacke, Krzysztof Wodiczko e a brasileira Lygia Clark. Na segunda metade do seu tempo à frente da instituição, o curador passou a incentivar mais efetivamente a produção de jovens artistas.
Após deixar a Tàipes, ainda em 1998, o curador assumiu a direção do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), onde permaneceu até 2008. Ao longo desses dez anos, Borja-Villel desenvolveu uma programação cultural de cunho dissidente e experimental, pensando em aproximações com a população local.
Enquanto curador do Museu Reina Sofia, também produziu exposições com obras do acervo que realizaram itinerância a partir de 2015. Alguns exemplos são: Miró Last (1963-1981): The Experience of Looking que foi apresentada em duas cidades dos Estados Unidos da América; Val del Omar. La mecamística del cine, que itinerou pelas cidades espanholas de Badajoz, Santiago de Compostela e Gijón. Já a exposição Picasso e a modernidade espanhola, passou pelas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
Apesar de formações e trajetórias tão distintas, existem pontos de encontro entre as atuações desses curadores. Cada um possui maneiras distintas de criar movimentos contra determinadas estruturas de poder e opressão. Na encruzilhada de conhecimentos, seja no Brasil ou no exterior, em novas instituições ou há muito tempo consagradas, existe em comum a proposição da escrita de novas histórias da arte, assim como a configuração de novos espaços de participação e visibilidade de artistas dissidentes – movimentos esses que devem marcar a curadoria que será vista no Pavilhão da Bienal em setembro.
Além do coletivo principal, a Bienal de São Paulo anunciou também um conselho curatorial, que contribuiu com as pesquisas para a concepção da exposição. São eles o escritor e curador Omar Berrada, a pesquisadora e ativista Guarani Sandra Benites, a curadora e pesquisadora Sol Henaro e o pesquisador e curador Thomas Jean Lax.
Serviço
35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível
Curadoria: Diane Lima, Grada Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel
6 setembro – 10 dezembro 2023
ter, qua, sex, dom: 10h – 19h (última entrada: 18h30)
qui, sáb: 10h – 21h (última entrada: 20h30)
Pavilhão Ciccillo Matarazzo
Parque Ibirapuera · Portão 3
São Paulo, SP
Entrada gratuita
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