
Pesquisadores da Universidade de São Paulo lançaram, no final de outubro, um navegador digital que conecta coleções de diferentes museus do Brasil. Intitulado Meta Acervos, o programa consiste em uma plataforma virtual que permite consultar e explorar mais de quatro mil obras, por meio de filtros visuais que organizam as peças de acordo com características como cor, tipologia, elementos figurativos e período histórico.
O site foi desenvolvido no âmbito do projeto temático Acervos Digitais, uma iniciativa da USP que busca elaborar metodologias e repertórios teóricos para museus e documentos digitais, utilizando prototipagem de interfaces acessíveis e sustentáveis. A ação é realizada em parceria com o Museu de Arte Contemporânea da USP e o File – Festival Internacional de Linguagem Eletrônica.

Com recursos de inteligência artificial que identificam e relacionam aspectos visuais entre obras de arte, o Meta Acervos possibilita que peças de instituições distintas sejam vistas lado a lado, podendo revelar afinidades que escapam à curadoria convencional. O internauta pode buscar por ordem cronológica ou agrupamento cromático, além de criar mosaicos das obras a partir de recortes temáticos específicos, como flores, árvores, animais ou geometrias. Ao clicar em uma pintura, por exemplo, o seletor de elemento gráfico indica, por meio de marcações de visão computacional, a localização deste determinado elemento no quadro.

Giselle Beiguelman, artista e professora da USP, define o navegador como uma ferramenta para “pesquisa visual e curadoria exploratória”. É ela quem lidera o projeto na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design – mais um de seus experimentos na área das interfaces digitais. Em abril deste ano, Beiguelman apresentou a exposição Venenosas, nocivas e suspeitas, no Centro Cultural Fiesp, na qual utilizava a IA para criar trabalhos que relacionam plantas historicamente demonizadas ou proibidas a mulheres apagadas da história da ciência e da arte.
Antes disso, em 2021, ela integrou o grupo de professores e pesquisadores da FAU-USP que criou o Demonumenta, uma iniciativa que explorava realidade aumentada para repensar narrativas históricas e simbólicas presentes nos monumentos públicos de cidades do Brasil. A artista é também autora de livros como Políticas da imagem: Vigilância e resistência na dadosfera (UBU Editora, 2021), em que defende a ideia das imagens como um campo de tensões e disputas políticas da atualidade.
Dentro dessa gama de discussões sobre a imagem, o projeto Acervos Digitais – do qual se originou o Meta Acervos – pode ser compreendido como um estudo alinhado aos debates atuais sobre colonialidade nas instituições de memória. Isso acontece porque parte da investigação se volta para a crítica à colonialidade dos arquivos e ao que alguns pesquisadores chamam de “datacolonialismo das redes”, isto é, o modo como algoritmos e bases de dados podem reproduzir desigualdades e silenciar certas narrativas históricas.

A reflexão sobre os arquivos digitais implica problematizar os modelos tradicionais de catalogação. Não se trata apenas de brincar com filtros, mas de adotar um pensamento crítico sobre os meios de circulação, armazenamento e acesso no contexto digital. A cooperação entre museus e centros culturais de diversas regiões do país amplia o alcance das coleções, democratizando o acesso à cultura. Essa participação coletiva nos ajuda a entender que, como afirma a página online dos Acervos Digitais, “documentar, nos dias atuais, é questionar a lógica de um repositório digital estático”.
Além disso, a equipe também propõe a ideia de uma ‘documentação social’, voltada a reconhecer acervos em construção. Registros, memórias e visões de mundo que ainda não foram incorporados pelos museus e que, portanto, exigem novas formas de catalogação e curadoria digital.
Até o momento, estão cadastradas 4.200 obras, agregadas a partir de repositórios com dados abertos e estruturados, como a Wikipédia, o Wikidata, a plataforma Museus do Ibram e um recorte do acervo do MAC USP. As coleções pertencem ao Museu Regional Casa dos Ottoni, Museu Victor Meirelles, Museu Regional de São João Del Rei, Museu Regional de Caeté, Museu Casa da Hera, Museu Casa de Benjamin Constant, Museu de Arqueologia de Itaipu, Museu do Diamante, MASP, Museu da Inconfidência, MAC USP, Museu Nacional de Belas Artes, Pinacoteca de São Paulo, Museu Paulista da USP, Museu Histórico Nacional, Instituto Hércules Florence e a Coleção Brasiliana Itaú.
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