Na pedra fria repousa a imagem inacabada que, dolorosa parece trabalhar contra o tempo: a cena de Maria confortando um Cristo cansado e ferido, mas desta vez – não tão silenciosa e de outra forma iluminada.
Robert Wilson é o artista americano que compõe o quadro de destaques da programação cultural do Salone Del Mobile.Milano 2025. Com a instalação luminosa e sonora Mother, propõe uma nova retina para Pietà Rondanini, obra não finalizada de Michelangelo Buonarotti. O projeto coloca a escultura em diálogo com Stabat Mater, um canto-oração medieval do compositor estoniano Arvo Pärt, resultando em uma peça visual sensorial de 30 minutos de duração composta por luzes, músicas e imagens em movimento.
“Pretendia criar minha própria visão da obra-prima de Michelangelo, que permaneceu inacabada no momento de sua morte, dividida entre um sentimento de admiração reverente e um maravilhamento perpétuo”, diz Robert Wilson sobre a intenção que moveu a criação de Mother. “É uma sensação de serenidade, de estar em paz consigo mesmo, mesmo diante da tragédia, é algo que prevalece […] É uma imagem universal, uma experiência espiritual que move algo mais profundo dentro de nós que não precisa de explicação.” continua ele, tornando explícito para nós exatamente onde sua produção e o pensamento por trás do Salone Del Mobile.Milano neste ano se encontram – na dimensão afetiva.
Reunindo mais de 2.000 expositores de 37 países na Fiera Milano Rho, entre 8 e 13 de abril, o Salone del Mobile.Milano consolida-se outra vez como o mais influente evento internacional da indústria moveleira. Em 1961, fundado como plataforma para pensar mobiliário italiano, hoje se estabelece enquanto vitrine criativa global para o design, a arquitetura e outros setores que fomentam o cenário.
Se no ano passado o pensamento que costurava o Salão parecia voltado para discussões ao redor da neurociência, a 63ª edição, Thought for Humans, parece querer se aprofundar em uma camada mais sentimental, na conexão entre o ser humano e a criação do design. Tendo como ponto de partida discussões sobre a importância da luz e da inteligência emocional, as programações de talks, exposições, prêmios e instalações refletem essa preocupação na proposição de espaços que possam não somente prefigurar o convívio humano mas aprimorar a camada sensível de uma experiência cotidiana.
“Após anos de distanciamento físico, a nova campanha celebra o retorno ao toque, trazendo a atenção de volta para a conexão entre o corpo humano e o design . A escolha dos materiais utilizados – madeira, metal, tecido e bioplástico – não é aleatória, mas profundamente ligada aos valores do Salone del Mobile. Thought for Humans é exatamente o que um bom design deve ser. Como seres humanos, somos confrontados com o design todos os dias . Tudo ao nosso redor é projetado por alguém para alguém. Um bom design não é apenas estéticamente agradável, ele traz alegria às nossas interações diárias […] Projetando móveis, aprendi como os designers estudam o corpo humano, nossos movimentos, nossas habilidades, nossas posturas, tudo para facilitar a vida. O design está enraizado na anatomia humana e se alimenta da interação contínua com ela.” explica o artista nova-iorquino Bill Durgin, responsável pela campanha fotográfica que protagoniza a comunicação visual deste ano.
A Euroluce, Exposição Internacional de Iluminação, realizada pela primeira vez em 1976 e desde então firmada como um dos pilares da discussões presentes no setor, retornou nesta edição. Reunindo mais de 300 expositores entre marcas que são líderes mundiais, a mostra apresenta a evolução da luz nos ambientes domésticos e impulsiona a pesquisa, a inovação e a reflexão sobre o design de iluminação. A luz, cada vez mais relevante no mundo hiperconectado em que vivemos, assume esse papel fundamental nos debates sobre sustentabilidade, digitalização e bem-estar, influenciando percepções, comportamentos e estados de espírito.
A exibição implica na sugestão de que o trabalho dos designers de iluminação hoje vai além da tecnologia: envolve também uma abordagem filosófica e holística. Essa perspectiva se reflete na diversidade de produtos apresentados na Euroluce, que abrange desde sistemas de iluminação para ambientes internos, externos, industriais, teatrais e hospitalares até soluções para usos especiais, incluindo fontes de luz, softwares e tecnologias integradas.
Em 2025, o Euroluce recebe ainda mais destaque com a primeira edição do “Euroluce International Lighting Forum”, um debate internacional sobre os principais temas do design de iluminação. O fórum é um evento de dois dias que inclui conferências, mesas redondas e workshops, que conectam designers de iluminação, arquitetos, cientistas, criativos e profissionais na Arena “The Forest of Space”, projetada pelo arquiteto japonês Sou Fujimoto, dentro do Salone del Mobile. A abertura será conduzida por Robert Wilson, reconhecido por transformar a luz em expressão artística e o restante da programação fica por conta de convidados como DRIFT, AJ Weissbard, Marjan van Aubel e Kaoru Mende.
A 26ª edição do Salone Satellite, vitrine de lançamento para jovens designers, aconteceu sob a curadoria de Marva Griffin que trouxe como tema “O Novo Artesanato: Um Mundo Novo”, reunindo cerca 700 designers com menos de 35 anos e mais de 20 escolas internacionais de design, destacando a evolução dos artesanatos tradicionais para práticas contemporâneas.
Durante o evento, o Salone Satellite Award 2025 também premiou os projetos mais notáveis, reconhecendo o impacto potencial dos jovens designers no cenário global e a importância da pesquisa e colaboração entre criadores e indústria. A mostra foi organizada no Pavilhão 5 da Fiera Milano, onde os visitantes puderam explorar protótipos inovadores que mesclavam técnicas artesanais com soluções emergentes.
Ao todo, 33 nomes nacionais estiveram presentes no Salão, expondo a partir de uma cenografia assinada pelo escritório de arquitetura efêmera Estojo e com curadoria de peças na exposição “Design + Indústria” pela arquiteta Liana Tessler. O intitulado Espaço Brasil é encabeçado pela Abimóvel (Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário) em parceria com a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), através do projeto Brazilian Furniture. A exposição pretendeu não somente sublinhar a singular excelência do design brasileiro mas também traçar um diálogo direto com a temática da edição, ressaltando a demanda e interesse por criações que priorizam a conexão e experiência humana por através do design sem deixar de olhar para produções responsáveis de baixo impacto ambiental.
Breton, ArboREAL, by Kamy, Century, CGS, IBTW, Modalle e St. James são algumas das empresas que contaram com áreas exclusivas de exposição no Espaço Brasil, compondo um panorama sensorial da produção nacional entrelaçando tecnologia e natureza.
As peças nacionais, outra vez, se destacam ao ponderar bioeconomia e sustentabilidade. A cadeira Ipanema do designer Victor Niskier, que busca inspiração no abraço das areias do Rio, é exemplo desse pensamento que instiga um exercício de ressignificar a presença do Brasil no iSalone. Explorando não somente a aparição de uma madeira brasileira já celebrada, mas também a apresentação de materiais inovadores outros — como fibras extraídas de folhas de árvores ou tramas tradicionais reimaginadas por tecidos orgânicos e possibilidades mais sustentáveis.
A participação ativa de outros setores criativos no iSalone não é novidade, mas na edição deste ano, a presença de grandes casas do design de moda e da indústria têxtil marcam destaque. Presenças essas que reforçam e reformulam a intersecção crescente entre esses universos.
A Gucci apresentou a exposição “Bamboo Encounters”, convidando artistas a reinterpretar o bambu, material icônico da marca. A Prada transformou a estação Milano Centrale e um trem restaurado de Gio Ponti em um palco para discussões sobre infraestruturas globais. A Louis Vuitton trouxe de volta a coleção Objetos Nomades, com peças como uma mesa de pebolim de luxo. A Saint Laurent homenageou a designer Charlotte Perriand, executando seus esboços de móveis arquivados. E a Dolce & Gabbana Casa apresentou uma coleção de porcelanas inspiradas na Sicília, destacando o artesanato italiano.
Em 2025, o Salone del Mobile Milano reassegura seu papel como epicentro global do design, não apenas como território comercial, mas como espaço de atravessamento, inovação e celebração da criatividade humana. Ao integrar arte, arquitetura, moda e tecnologia, o evento proporcionou uma plataforma viva e relacional provocadora para troca de saberes e o desenvolvimento de soluções que moldarão os ambientes do futuro. Continuando a inspirar profissionais e entusiastas do design a pensar e produzir para além do conforto, um design de calor e cuidado.
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