Com o início das Olimpíadas de Paris, no final de julho, os olhos do mundo inteiro se voltaram à prática de esportes. A capital francesa, conhecida como a cidade do amor e das luzes, precisou abrir espaço para receber as mais de 40 modalidades presentes no evento. Agora, com as atenções apontadas para os jogos, o momento é ideal para entender a aproximação do exercício físico com a arte.
Há quem diga que atletas são artistas. Para este ponto de vista, utilizar técnicas tão precisas para que o corpo humano execute movimentos plásticos e estéticos só pode ser mesmo uma atribuição de quem tem habilidades extraordinárias. Do mesmo modo, tanto o esporte quanto a arte produzem efeitos estéticos, afinal, são experiências que mobilizam os sentidos. Mas para além disso, é possível pensar em como o universo das artes representou e celebrou os esportes, tornando-se peça-chave para eternizar a memória dos jogos.
As Olimpíadas surgiram ainda na Antiguidade, por volta de 776 a. C., quando um grupo de gregos se reuniu em Olímpia para fazer uma corrida dedicada a Zeus. O lugar, localizado na península do Peloponeso, era sagrado, e as competições estavam associadas a rituais religiosos: antes de correr uma distância de 630 pés (192 metros), faziam-se juramentos e homenagens a deuses. A partir daí, os corredores passaram a competir a cada quatro anos, sempre no final do verão europeu. Os jogos tornaram-se essenciais para a cultura da Grécia e, ao longo das décadas, outros esportes foram adicionados à disputa. Atualmente, são 45 modalidades ao todo.
Neste período inicial, na Grécia Antiga, não importava o segundo ou terceiro colocado, apenas o primeiro era considerado vitorioso. Os que venciam as partidas ganhavam uma coroa feita de ramos de oliveiras selvagens, folhas que cresciam em Olímpia. Para a mitologia grega, a planta representava a vitória. Segundo ela, o deus Apolo era apaixonado por Dafne, uma linda ninfa, mas seu sentimento não era recíproco. Para fugir da perseguição de um amor não correspondido, Dafne fugiu para as montanhas e pediu a seu pai, o deus Peneio, que a protegesse. Ele então transformou a filha em um loureiro. Apolo, entendendo o que havia acontecido, anunciou que aquela seria sua planta preferida, e começou a usar a coroa de louros, que se tornou um símbolo de vitórias.
Os gregos competiam sempre nus. O físico saudável, para eles, representava uma mente imaculada. E para retratar essa idealização do corpo humano perfeito, a arte foi fundamental. As esculturas de atletas não apenas os imortalizavam, como também serviam para celebrar a própria competição. Nelas, a beleza dos movimentos, a força e a agilidade eram exaltadas, criando um ideal de beleza que influenciou a cultura ocidental por séculos.
Um dos maiores artistas da Grécia Antiga foi Polykleitos. Apelidado de “pai da teoria da arte” do ocidente, foi o fundador do classicismo escultórico, junto à Fídias. Entre 450 e 420 a. C, ele produziu esculturas que estabeleciam regras de harmonia e proporções geométricas para o “nu masculino perfeito”. Nenhuma das obras originais sobreviveu, mas seu trabalho é conhecido até hoje por meio de cópias de mármore. Um de seus trabalhos mais famosos, por exemplo, é a estátua de “Doríforo”, que foi produzida originalmente em bronze. Apesar de ter se perdido ao longo dos anos, réplicas feitas no período helenista e na Roma Antiga foram conservadas e, atualmente, uma delas pode ser vista no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles.
Outra imagem importante para pensar os símbolos do esporte olímpico é a escultura de Discóbolo (“O arremessador do disco”), de Miron, feita em mármore e datado de 450 a.C. Ela destaca a perfeição dos movimentos corporais, apresentando a força e o dinamismo necessários na educação física. Atualmente, sua cópia romana em mármore está no Museu Nazionale Romano, na cidade de Roma, na Itália.
A admiração dos gregos sobre o corpo físico – sobretudo o masculino -, contudo, não se restringiu às esculturas. Da mesma maneira, a cerâmica foi utilizada para retratar cenas esportivas e a expressão da beleza interior e exterior dos atletas. Ilustrando os corpos talhados pelo exercício físico, elas celebravam o ideal de equilíbrio entre corpo e mente.
Alguns vasos mostraram, também, novas modalidades olímpicas. Em 680 a. C., a corrida de bigas entrou para a disputa. Tratava-se de um dos mais populares esportes iranianos, gregos antigos, romanos e bizantinos. Nele, entre quatro e dez bigas (cada uma puxada por quatro cavalos) competiam dando voltas em torno de um hipódromo com curvas em cada extremidade, na quais os atletas precisavam completar 12 voltas. As corridas eram perigosas tanto para os homens quanto para os cavalos, que muitas vezes se machucavam e até morriam, mas os riscos só aumentavam o interesse dos espectadores.
Em meados do século II a. C, quando a Grécia esteve sob o domínio romano, a popularidade das olimpíadas diminuiu, mas os jogos não foram encerrados. Somente em 393 d.C é que a competição foi totalmente abolida, por ordem do imperador romano cristão Teodósio. Mais de 1500 anos depois, em 1896, foram inaugurados os primeiros Jogos Olímpicos modernos, em Atenas.
O espírito olímpico foi resgatado pelo francês Charles Freddye Pierre, o Barão de Coubertin, que tinha como objetivo aproximar os diferentes países por meio do esporte. Ao lado do americano William Sloane, do inglês Charles Herbert e de representantes de mais 15 países, ele fundou a Sorbonne, na França, órgão precursor do Comitê Olímpico Internacional. Naquela época, as mulheres ainda estavam proibidas de participar dos jogos – elas só passaram a competir em algumas modalidades a partir de 1900 e, desde então, têm marcado disputas com um alto nível de excelência.
Além das competições esportivas, em 1912, Pierre de Coubertin incluiu ao evento um programa cultural paralelo, em que artistas amadores podiam competir entre si. Pintura, escultura, música, arquitetura e literatura eram as modalidades que também concorriam a medalhas. O evento, no entanto, nunca teve grande aceitação do público ou repercussão para eternizar seus vencedores. Com o tempo, as disputas artísticas perderam força e foram descontinuadas após 1948.
Mesmo assim, com a ressurgência das Olimpíadas na era moderna, a conexão entre arte e esporte continuou – seja com os esportes olímpicos, ou com outros. O passar dos anos, entretanto, fez com que a arte ultrapassasse a representação dos corpos musculosos e atingisse também as transformações culturais e tecnológicas do mundo todo.
No século XIX, por exemplo, durante o impressionismo, Édouard Manet retratou as tradicionais corridas de cavalos na Europa, captando a movimentação do público ao redor das ruas. Mais adiante, em 1918, o cubista André Lhote representou o futebol e o rúgbi em quadros como “Os futebolistas” (1918) e “Os jogadores de rúgibi” (1918).
Já em 1966, o fotógrafo americano Charles McCullers captou cenas de corrida durante os Jogos Olímpicos de Atlanta. Dentre os borrões que a velocidade causou na foto, é possível ver a musculatura avantajada dos atletas, que se movimentavam rapidamente.
Na década de 1970, no auge da Pop Art, Andy Warhol fez uma série de quadros sobre grandes atletas. Dentre eles, selecionou nomes como o jogador de futebol Pelé, o pugilista Muhammad Ali, o jogador de basquete O.J. Simpson e a tenista Chris Evert. A composição das imagens enaltecia os atletas como ícones da cultura popular.
Mais recentemente, para integrar uma exposição coletiva em ocasião das Olimpíadas de Paris, Jeff Koons produziu “Gladiador Borghese”. A obra é uma extensão de sua famosa série “Gazing Balls”, inspirada no Gladiador Borghese no Louvre (cerca de 110 a.C.). Trata-se de uma interseção entre decoração e os cânones do nu da antiguidade grega. A escultura masculina e as esferas coloridas (típicas de seus trabalhos) retratam a perfeição a partir de diferentes referenciais históricos, resultando em uma obra que brinca com referências clássicas e contemporâneas.
Assim, é possível compreender a arte como um poderoso instrumento de representação e propagação do esporte. A arte olímpica, em particular, desempenhou um papel fundamental na construção da identidade dos Jogos Olímpicos e na promoção de valores como a união, a paz e a excelência. No decorrer das décadas, porém, essa produção artística deixou de ser apenas uma celebração e se tornou, também, uma forma de refletir sobre os jogos, as disputas e a cultura do esporte.
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