Em meio ao deserto da Arábia Saudita, na cidade de AlUla, acontece a terceira edição da Desert X, uma mostra de arte que reúne grandes obras a céu aberto e em diálogo com a natureza – nesse caso, com um patrimônio natural. Em 2024, a exposição foi desenvolvida sob o tema “Na Presença da Ausência” e pode ser visitada até o dia 23 de março.
Antes de se estabelecer no Oriente Médio, o evento teve sua primeira versão em outro continente: em 2017, estreou como uma “bienal de esculturas” no Coachella Valley, no deserto da Califórnia. Na época, a exposição foi recebida com duras críticas por formar uma parceria entre instituições dos Estados Unidos e da Arábia Saudita, um país antidemocrático que viola leis de direitos humanos. Com isso, a Desert X precisou de uma reformulação e, nos anos seguintes, passou a ser sediada na própria península arábica, com o intuito de transformar a imagem pública do país, frequentemente atravessada por estereótipos e noções preconceituosas.
Deste esforço para dar visibilidade ao cenário artístico local e promover uma cultura pouco conhecida mundialmente, a Comissão Real Saudita tratou de apoiar financeiramente a iniciativa. Por intermédio do “Vision 2030”, um plano de reforma econômica, cultural e social que visa abrir portas para o turismo da região, surgiu, em 2020, a Desert X AlUla, com instalações de grande porte que exploram a relação da arte com o espaço através de diferentes perspectivas.
Neste ano, os curadores nomeados convidaram artistas do mundo todo para pensar o noroeste da Arábia Saudita a partir de uma pergunta central: “O que não pode ser visto?”. Trabalhando as ideias conceituais do invisível e do inexprimível, as obras selecionadas procuram conectar o público com a natureza de seu entorno, contrapondo a ideia do deserto como um espaço descartado, vazio, mudo e estático.
De acordo com a organização da exposição, os artistas, encorajados a trabalhar com o que não é imediatamente aparente, acabam por encenar novos encontros com a paisagem, “imaginando perspectivas alternativas que apreciam as forças e atmosferas imperceptíveis do tempo, do vento, da luz, dos fluxos da história e dos mitos entrelaçados no lugar”.
Em 2024, algumas nações que nunca haviam participado da Desert X ganharam posições de destaque, como é o caso do Brasil. Nesta edição, quem comanda a curadoria da mostra, junto à libanesa Maya El Khalil, é o brasileiro Marcello Dantas. Conhecido por ter produzido exposições individuais de grandes nomes da arte contemporânea pelo mundo, o curador e diretor artístico premiado foi um dos responsáveis por colaborar com diversos museus e centros culturais da América do Sul, como o Museu da Língua Portuguesa e a Japan House. Além dele, quem também representa o Brasil no evento é a paulistana Karola Braga. É a primeira vez que uma artista brasileira e uma mulher latino-americana é selecionada para expor.
Karola desenvolve pesquisas olfativas e utiliza o aroma como elemento central em suas criações. Para a ocasião, ela preparou uma obra site-specific intitulada “Sfumato”, que teve como inspiração o período conhecido como a Rota do Incenso, há mais de 5000 anos. “Especiarias aromáticas e resinas tinham grande valor como itens de luxo. Rotas comerciais como a famosa Rota do Incenso foram estabelecidas para transportar essas mercadorias preciosas de civilizações distantes, facilitando a troca cultural, o comércio e a descoberta”, comentou.
Em uma tentativa de recriar, através dos cheiros, a experiência sensorial daquele contexto histórico, ela levou diferentes incensos ao deserto de AlUla, região em que os comerciantes realizavam algumas pausas em seus trajetos para descansar e cuidar dos camelos. “Meu objetivo é transportar os participantes de volta no tempo, permitindo que eles interajam com a herança olfativa da Rota, suas mercadorias fragrantes e as trocas culturais que ela facilitou”, completou a artista.
“Sfumato” é formada por uma estrutura oculta, escondida na paisagem arenosa do deserto, de onde saem nuvens de fumaça com fragrâncias de olíbano e mirra, as principais especiarias comercializadas nas Rotas. Conectando o presente e o passado, Karola estimula o sentido do olfato e apresenta a importância que o odor teve ao longo dos séculos.
A edição deste ano abrange três locais diferentes: Wadi AlFann, Harrat Uwayrid e a Praça alManshiyah. Cada um destes espaços possui características próprias, que foram estudadas e serviram de inspiração para os artistas. É o caso da obra “To Breathe”, da coreana Kimsooja, que discute a passagem do tempo através do vento, do espectro da luz e de elementos geográficos originais do deserto. Outra proposta notável é “Now You See Me, Now You Don’t”, que esteve na primeira edição da Desert X AlUla, em 2020, e segue sendo ativada pelos visitantes. Trata-se de uma estrutura de cama elástica presa ao chão de areia, onde o público pode pular e brincar com o jogo visual que se forma entre esconder e revelar a presença humana no local.
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