Sob um tema clássico de quadro floral holandês, uma artista retrata suas mãos numa fotografia colorida e quase surreal. A simetria da sua vitiligo que se alastra pelo seu pulso é capaz de expressar a sua história em tom de poesia e admiração. Essa obra da série “Hand Masters” de Violeta Sofia foi uma das pinturas que abriu a inaugural feira de Londres “Women in Art Fair” (WIAF), que aconteceu entre 11 e 16 de outubro deste ano.
Com o objetivo de equilibrar a representatividade de gênero na indústria da arte, a WIAF foi pensada pela empresária Jacqueline Harvey como uma feira global a partir da qual as mulheres e aqueles que se identificam como mulheres teriam a oportunidade de mostrar o seu trabalho e contribuírem para o desenvolvimento da troca de ideias em torno do gênero e da cultura.
Os números destacam a urgência dessa questão, já que apenas 15% das obras vendidas em leilões e galerias de arte de prestígio em todo o mundo representam artistas mulheres, de acordo com um relatório da Art Basel e do UBS Global Art Market Report de 2021. Isso mostra uma disparidade significativa no reconhecimento e comercialização das obras de artistas do sexo feminino em comparação com seus colegas do sexo masculino.
Além disso, o relatório também apontou que as obras de arte criadas por mulheres têm um preço de venda significativamente inferior às obras de artistas homens, sendo vendidas, em média, por apenas 72% do preço das obras masculinas. Isso ressalta não apenas a desigualdade na representação, mas também a desvalorização econômica das obras de arte produzidas por mulheres.
Em resposta a essas preocupações, a WIAF emergiu tentando ser uma agente de mudança, desafiando o status quo e oferecendo uma plataforma exclusiva, composta por três seções distintas: a Galeria Oeste, espaço que abrigou galerias em estilo estande; a Galeria Norte, onde foi exibida a exposição “O Mundo é uma Família”; e a Galeria Leste, com a mostra “Unnatural Woman”, curada pela artista Rowena Easton.
A seção principal, localizada na Galeria Oeste, abrigou 21 galerias notáveis. Entre elas, a VVA Virginia Visual Arts se destacou ao expor a obra da artista Wen Wu, intitulada “Venus as a Boy”, que foi premiada em 2011 pela National Portrait Gallery. Outra novidade foi a Black Cicle Gallery, que trouxe o trabalho de artistas jamaicanas, como Nova Williams, selecionadas pela galerista Theresa Roberts, também embaixadora jamaicana de Artes e Cultura.
Na Galeria Leste, quando Rowena Easton organizou “Unnatural Woman” [mulheres fora do padrão ou não natural], sua curadoria buscou questionar e entender o papel da mulher na relação entre natural e selvagem. Nesta mostra foi explorado o trabalho de artistas seminais, como Paula Rego, ao lado de nomes consagrados e também emergentes. A artista em ascensão Abigail Norris foi destaque ao apresentar o seu trabalho “Mother Tongue” (língua materna), de 2022. Nesta obra abjeta, Norris investiga as relações complexas e emaranhadas entre os humanos e outros seres vivos, evidenciando as memórias assustadoras e a desconstrução da feminilidade nas formas.
Um pouco mais à frente, o público pode contemplar a série “Mulheres Rebeldes dos Apócrifos”, criada pela consagrada artista contemporânea Marcelle Hanselaar. Sob uma perspectiva feminista, a série de desenhos reconta a história de mulheres historicamente conhecidas por serem a antítese do que seria um bom exemplo de mulher, incluindo figuras como Judite, que decapitou o general Holofernes, e a bruxa de Endor.
Na Galeria Norte, foram expostos trabalhos de diferentes linguagens selecionados a partir de uma chamada pública para que novas artistas mulheres tivessem a oportunidade de divulgar suas obras. Denise Felkin, fotógrafa e educadora, foi uma das selecionadas com seu trabalho intitulado “Mum’s Not the Word”, de 2019, que retrata mulheres que, por diferentes motivos, optaram por não ter filhos e enfrentam o julgamento de uma sociedade que considera a maternidade como o único caminho para as mulheres.
Na mesma sala, também chama atenção um delicado trabalho de cerâmica feito pela artista Liz Watt. Usando a antiga técnica japonesa de reparar cerâmicas com laca dourada, a insegurança diária de muitas mulheres é sensivelmente manifestada nesta obra.
Em síntese, a WIAF apresentou inúmeras outras artistas que se destacaram na cena artística de Londres. Ocupando quase 450m² da Mall Gallery, a iniciativa de Jacqueline Harvey abriu caminhos para muitos talentos que experimentarão, sem dúvidas, um mercado que ao menos questiona sobre qual o gênero que mais domina e a importância de alternar essas dinâmicas.
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