Michelangelo foi um dos grandes ícones artísticos do renascimento. O criador de Pietá e David e de pinturas como o teto Capela Sistina, também era arquiteto e poeta. O que sabemos sobre sua trajetória? O que o levou a fazer seus mais famosos trabalhos e fez seu nome figurar nos livros de história da arte?
Michelangelo, nasceu na cidade de Caprese, na Itália em 1475. Apesar de ter expressado a seu pai sobre sua vontade de se tornar um artista, foi desencorajado pelo mesmo que esperava que o filho seguisse os estudos acadêmicos tradicionais como matemática, literatura e poesia.
Entretanto, seu amigo Francesco Granacci, estudante de arte, o levou para a oficina para ver os trabalhos dos outros artistas e o encorajou a criar os próprios desenhos. Ao mostrá-los para o professor Domenico Ghirlandaio, o mesmo reconheceu a habilidade de Michelangelo e demonstrou interesse em tomá-lo como aprendiz.
Eventualmente começou seus estudos artísticos na oficina onde aprendeu técnicas de desenho, como preparar a madeira para pinturas e a técnica conhecida como Afresco.
The Seated Man
Apesar de Michelangelo ter destruído vários de seus trabalhos, alguns de seus antigos desenhos sobreviveram até os dias de hoje. Em 2019, o desenho nomeado The Seated Man (1487-88), foi analisado por Timothy Clifford, um dos especialistas sobre Michelangelo.
Este desenho, possivelmente uma representação do Deus Romano Júpiter, é o mais antigo já encontrado do artista e especula-se que ele tenha feito aos 12 anos de idade, antes de iniciar seus estudos artísticos.
Os trabalhos de Michelangelo chamaram a atenção de Bertoldo di Giovanni, um escultor especializado em peças de bronze que foi pupilo de Donatello. Ele estava visitando a oficina buscando novos talentos a pedido de seu patrono, Lorenzo de’ Medici, episódio no qual conheceu Michelangelo.
Giovanni era um artista favorecido pela família de’ Medici, foi escolhido para ser o instrutor do Jardim de San Marco, local que abrigava as esculturas antigas que pertenciam à família. Por intermédio de Lorenzo de’ Medici, o maior patrono das artes na Itália, o lugar havia se tornado uma academia informal, um dos pontos de encontro mais famosos para artistas de Florença estudarem, treinarem e se inspirarem na extensa coleção.
Michelangelo inicia os estudos com o Giovanni aos 13 anos e cria suas primeiras estátuas com argila, aprendendo também a entalhar e a esculpir criando peças como Battaglia dei Centauri e Madonna della Scala.
Quando lhe concederam uma peça de mármore ele fez o trabalho que chamou a atenção de Lorenzo, e lhe assegurou um lugar no círculo mais íntimo dos de’ Medici.
A máscara de um fauno (1491-92) é tido como o primeiro trabalho de Michelangelo em mármore, esculpido a partir de uma antiga estátua de Sátiro do jardim dos Medici.
Lorenzo de’ Medici, impressionado com o trabalho do jovem artista, comentou que um sátiro tão velho não teria todos os dentes em sua boca. Michelangelo aceitou a crítica e rapidamente extraiu um dos dentes. A habilidade dele se tornou inquestionável para Lorenzo e assim Michelangelo ganhou seu primeiro patrono.
A escultura é bem expressiva, sua risada revela um tom de malícia através do cenho franzido e do ângulo dos olhos do personagem. É notável a idade avançada pelas rugas próximas de seus olhos e as linhas de expressão profundas em seu rosto, além de ter dentes faltando em sua boca. O trabalho remete às máscaras utilizadas no teatro grego no século V, a.e.c.
Após período de mecenato para o trabalho de Michelangelo, Lorenzo de Medici morre e o fomento à produção do artista chega ao fim.
Em 1794, Michelangelo conhece Gianfrancesco Aldrovandi, que lhe comissiona a finalização de três esculturas da Arca di San Domenico, em Bologna, incompletas devido à morte de seu primeiro autor.
Essa estátua se destaca das outras porque foi a primeira criada para ser apreciada de todos os ângulos e não apenas da visão frontal. A figura da divindade está relaxada com o vinho em suas mãos e apresenta uma aparência andrógina, jovial, com um ar distante e embriagado.
Segura uma pele de leão em sua mão esquerda, seguido por um pequeno sátiro que come as uvas que o deus distraído não parece dar falta. A uvas e a pele de leão são um simbolismo para a vida e a morte, pois ele também era relacionado aos ciclos e a reencarnação.
O sátiro comendo as uvas alegremente pode ser uma forma de mostrar que ele aproveita os prazeres da vida, proporcionados por Baco, antes que o seu momento final chegue, não por estar preocupado com a morte, mas por querer celebrar a vida, assim como a divindade que ele segue.
Michelangelo passou algum tempo tentando encontrar novas comissões ou um novo patrono e finalmente em 1497 ele foi comissionado pelo cardeal Jean Bilheres de Lagraulas para criar um de seus trabalhos mais conhecidos.
A mais famosa representação da virgem Maria com Jesus morto em seus braços, a peça traz os ideais do Renascimento, utilizando uma técnica popular da época, apresentando uma composição piramidal, criando equilíbrio e harmonia nas proporções, ao mesmo tempo que guia o olhar dos espectadores.
Michelangelo motivou uma ligação empática entre os observadores, que se compadecem pela dor de Maria e pela morte de Jesus, e sua obra.
Maria possui um olhar distante, apesar do ar triste permanece com uma postura elegante e contida. A aceitação da morte de seu filho, faz com que observe a cena com desesperança e serenidade.
Jesus se encontra no colo dela, da mesma forma que um filho pequeno estaria adormecido no colo da mãe. Seu corpo se apresenta sem vida, magro e maltratado pela jornada árdua e humilhante até seu fim.
As duas figuras criam uma natureza oposta, Maria foi esculpida de forma vertical em contrapartida a Jesus deitado na horizontal. Ela está completamente vestida com tecidos drapeados, enquanto Jesus usa apenas um pequeno tecido cobrindo suas genitais.
A obra aparenta ser desproporcional pelo tamanho de Maria em contraste com Jesus, porém, há duas hipóteses sobre a escolha de Michelangelo.
Acredita-se que ela foi feita para ser vista por um ângulo contra-plongée e ficaria em perfeita proporção quando observada pelo público. A segunda hipótese sugere que o escultor buscava representar Maria, com a dor da perda, imaginando que segurava seu filho como um bebê, uma última vez em seus braços.
Pietá foi a única estátua que Michelangelo assinou com seu nome. Essa estátua levou dois anos para ser concluída mas a parte de trás não foi esculpida porque seria vista apenas de frente.
Eventualmente Michelangelo foi comissionado para esculpir David (1501), um dos heróis da mitologia cristã, em Florença. Dois escultores haviam tentado trabalhar com o mármore anteriormente, mas não tiveram êxito e o deixaram quase inutilizável.
A ideia inicial era que o personagem tivesse a cabeça de Golias em seus pés, entretanto, devido às condições do bloco de mármore, Michelangelo esculpiu David em uma postura heróica, momentos antes da batalha.
A veia saltada em sua mão que repousa ao lado do corpo retrata o quão tenso ele estava no momento, prestes a enfrentar seu grandioso oponente, até então considerado invencível.
Os olhos de David foram esculpidos de forma que apontavam para Roma, acredita-se que foi uma forma sutil de demonstrar que Florença estava atenta e pronta para se defender de qualquer ataque.
Apesar de parecer anatomicamente perfeita, a cabeça e as mãos dele são maiores do que deveriam ser para uma escultura realista. Uma teoria sobre o motivo é a de que todos possam enxergar os pequenos detalhes de longe já ela possui 5 metros e é sempre vista de um ponto inferior.
Michelangelo levou 3 anos trabalhando para completar essa obra, um símbolo que mostrava a força e coragem não apenas do personagem, mas de Florença em meio às adversidades da época.
Michelangelo foi comissionado pelo novo papa Julius II, requisitando a criação de uma tumba para fixá-la no centro da Basílica di San Pietro, que o papa estava planejando reconstruir.
O pedido foi para que o artista criasse 40 estátuas de grande estatura. O projeto era tão trabalhoso e grandioso que ele passou os primeiros 8 meses apenas escolhendo os blocos de mármore que utilizaria.
Porém, por diversas desavenças entre o artista e o papa, Michelangelo chegou a abandonar a obra várias vezes, eventualmente coagido e obrigado a voltar a trabalhar. No fim, apenas 3 estátuas foram da sua autoria, as figuras da mitologia cristã Raquel, Moisés e Léia respectivamente.
No meio do projeto de sua tumba, o papa decidiu que queria que algo diferente fosse feito no teto da Capela Sistina, e escolheu Michelangelo para tomar a frente do projeto.
O artista por sua vez não queria ser responsável pela pintura da capela por não se ver como um pintor, mas sendo um pedido direto do papa, aceitou a contragosto.
A preparação para criar o afresco levou cerca de um ano, sendo necessários ao todo quatro anos para a obra ser finalizada. As pinturas da capela contam a história do início da humanidade, segundo a visão cristã, até o juízo final.
Um andaime havia sido providenciado para que pudesse fazer o trabalho, porém ele era pendurado no teto e consequentemente deixaria furos onde estivesse posicionado. Como tais furos teriam que ser cobertos depois, Michelangelo destruiu a estrutura e criou uma passarela que facilitasse sua locomoção e seu trabalho. Ele também teve que revestir o teto e preparar os pigmentos.
O filme Agonia e Êxtase, lançado em 1965, nos EUA, foi dedicado a sua extensa e exaustiva jornada para finalizar essa pintura, focando nos reveses e desavenças que enfrentou com o Papa Julius II.
Os frescos da capela sistina sofreram com problemas de infiltração, salitre e algumas rachaduras que começaram a surgir e estavam causando problemas às pinturas. A extensa obra de arte passou por 5 restaurações, desde 1547 até a restauração mais recente, que teve início em 1980 e durou 14 anos, liderada pelo artista e restaurador Gianluigi Colalucci, morto recentemente em 2021.
A entrada na capela sistina hoje em dia acontece mediante reserva de ingresso e o visitante deve seguir um restrito código de vestimenta como a proibição de roupas curtas e sem mangas. Tatuagens e jóias de qualquer tipo que o Vaticano considere como uma ofensa contra a moral e contra a religião católica podem resultar na entrada do visitante ser negada.
Também há regras de conduta, como silêncio dentro da capela, o uso de celulares é desencorajado, fotos podem ser tiradas apenas de celulares sem flash, etc. Todas as regras servem tanto para proteger a integridade das obras de arte como para seguir e respeitar os preceitos católicos.
Michelangelo teve uma vida cheia de comissões, intrigas, disputas, brigas, curiosidades e trabalhos fascinantes. Todas essas informações são, em grande parte, graças a duas biografias que foram escritas sobre o artista ainda em vida. Uma delas é de autoria de Giorgio Vasari, e a outra é de seu assistente Ascanio Condivi e contém os pontos de vista mais pessoais do artista.
Ele nunca se casou, e conforme os anos se passaram começou a se dedicar mais aos seus poemas. Porém, de todas as suas criações, uma de suas estátuas chama a atenção de forma peculiar, parecendo estar muito à frente de seu tempo.
Michelangelo criou várias peças mostrando a cena da morte de Jesus com Maria segurando-o em seus braços, variações da cena de sua obra prima Pietá (1498-99). Uma delas, Pietá Rondanini com certeza é uma das obras mais excêntricas do artista.
Até mesmo non finita, exala todo o drama e a dor de Maria segurando o corpo de seu filho, ainda nos primeiros estágios do luto, a negação e a raiva. Ela o segura como se fosse capaz de fazê-lo se levantar, voltar para si de alguma forma. Tal desespero faz contrapartida com a serena tristeza e desesperança da Pietá que criou anos antes. Essa foi a última obra de Michelangelo, na qual ele trabalhou até o dia de sua morte.
Hakai S. Ghilardi é graduado em Design Gráfico e pesquisador independente de História da Arte.
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