“O meu desafio é sempre pegar um material duro e transformar esse material em uma coisa mais leve”.
Mary Carmen Matias em entrevista para Artsoul
Mary Carmen Matias é uma artista que trabalha essencialmente com escultura e pintura. Entre os materiais mais presentes em sua produção está uma variedade de metais, trabalhados para adquirir aspectos de leveza e movimento.
Seu primeiro contato com a escultura veio através de aulas com Caciporé Torres, importante escultor e professor paulista. Depois, frequentou aulas do MuBE e da FAAP com o escultor Nicolas Vlavianos. Perguntada sobre sua primeira fase de produção artística, quando trabalhava com modelagem, a artista comenta que sua poética era permeada por questões da humanidade:
“Na hora que você está fazendo a modelagem, quase que vem, né? Explode dentro de você. Então eu fiz várias coisas muito ligadas a guerreiros, mulheres, maternidade: as coisas que nos rodeiam e no meu mundo eram importantes”.
Mary Carmen Matias. Enrosco, 2013.
Ao longo de sua carreira, a artista vem buscando soluções formais para transformar percepções sobre o mundo em obras visualmente leves, porém alicerçadas em bases consistentes e extremamente resistentes.
Sobre seu processo criativo, a artista afirma que tem ideias na rua, com formas da vida cotidiana e, após observá-las, as transforma dentro do ateliê. Vida e trabalho se atravessam constantemente no ateliê de Mary Carmen, que possui duas salas: uma voltada à escultura e outra à pintura, além de um cômodo reservado para os materiais.
Mary Carmen Matias em seu ateliê. Foto: Diogo Barros.
É neste cômodo que se encontram materiais maleáveis que a artista utiliza para ensaiar suas formas que, depois de um longo processo, são transformadas em materiais brutos como o metal. Entre os mais utilizados como molde estão isopor, conduítes, arames e espumas.
As esculturas mais recentes da artista são compostas pelo diálogo formal de pedras encontradas em áreas livres com metais refinados trabalhados em ateliê. Essa pesquisa se iniciou no período de quarentena da pandemia, no qual a artista permaneceu isolada.
Mary Carmen afirma que o artista nunca deve temer a mudança, a experimentação: “eu acho que essa insatisfação tem que ser uma constante no artista”, o que, segundo ela, exige uma busca constante: “[…] ter a coragem de mudar, procurar, estudar, de viver novos conhecimentos e novas técnicas, novos materiais […]”.
Já em seu ateliê dedicado à pintura, encontramos um trabalho em andamento. O metal, tão utilizado na escultura, é pensado pela artista também como base para a pintura, em um processo que envolve investigações complexas de aderência da tinta e conservação.
Aço, alumínio e cobre são alguns dos metais já utilizados como base para a pintura – esta base reflexiva ou de aspecto corrosivo, que é revelada em partes propositalmente não pintadas pela artista. Neste processo, Mary Carmen conta que a pintura em metal é como uma continuação das suas investigações escultóricas.
Obra de Mary Carmen Matias em produção. Foto: Diogo Barros.
Quando o assunto é a visibilidade de sua obra, a artista acredita na democratização do acesso à arte e que suas esculturas precisam estar em locais de alta circulação. Entre os espaços em que já expôs, menciona a área expositiva da Fiesp, instituição com sede localizada na Avenida Paulista e próxima a estações de metrô, configurando-se um lugar de passagem em um dos principais centros culturais de São Paulo.
Sua visão social da arte pode estar fortemente ligada ao fato de ter lecionado por 28 anos antes de decidir se dedicar exclusivamente à produção artística em 2008. Formada em sociologia, Mary Carmen deu aulas de história e sempre reafirma sua formação humanística, que reverbera em sua poética e visão sobre a arte.
Com uma trajetória consistente, a artista finalmente ganha uma publicação integralmente dedicada à sua obra. O livro “Os caminhos da forma”, escrito pelo crítico de arte Jacob Klintowitz e publicado pela editora do Instituto Olga Kos de Inclusão Cultural, reúne ensaios críticos e uma visão panorâmica sobre a obra de Mary Carmen.
Mary Carmen Matias com o livro “Os caminhos da forma” em seu ateliê. Foto: Diogo Barros.
O lançamento do livro ocorreu no Museu da Imagem e do Som de São Paulo junto à abertura da exposição homônima, reunindo trabalhos da artista e de participantes do Instituto Olga Kos – uma associação dedicada a projetos direcionados a pessoas com deficiência. Neste processo, os frequentadores do instituto participaram de oficinas com a artista e se inspiraram em sua poética para produzir esculturas abstratas em arame.
Vista da exposição de Mary Carmen Matias no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Foto: Larissa Maluf.
Sobre o livro, a artista comenta:
“É a concretização de um trabalho, é importante. Mas não significa o fim do caminho para mim, na realidade”, completando: “ele me leva já a pensar quais outros caminhos eu vou trilhar, quais projetos eu vou ter, o que eu quero daqui para frente…”.
Expor um conjunto de obras é sempre uma oportunidade de compartilhar os avanços de uma pesquisa intensa. Para a artista, cada exposição é um novo encontro, e um novo passo. Sobre projetos futuros, Mary Carmen afirma:
“Há a busca de sempre melhorar, de aperfeiçoar, estudar mais e mostrar coisas diferentes dentro da minha verdade que é essa transformação do material mais duro em algo mais leve, mais suave. É transformar as pedras que atravessam em nosso caminho”.
No final da visita, a artista encerrou a conversa com a seguinte frase:
“Dizem que quando você pergunta para um artista qual é a obra que ele mais gosta, ele sempre diz ‘é a próxima'”.
Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
*Os depoimentos mencionados nesta matéria foram coletados em entrevista concedida pela artista em seu ateliê em maio de 2022.
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