Neste ano o mundo da arte foi marcado pelo debate em torno de obras NFT (non-fungible token), o que permite que uma obra tenha um certificado de autenticidade ou, mais especificamente, que seja reconhecida como única no ambiente digital, ainda que haja cópias desta.
A arte criptografada renovou a discussão em torno da ideia de uma obra de arte única e exclusiva. As mídias digitais são o principal meio utilizado para a produção desse tipo de trabalho, mas uma imagem digital que se torna um NFT pode surgir de inúmeras formas, inclusive partindo do mundo real.
E o que acontece quando a obra física deixa de existir definitivamente para virar uma obra digital única?
Essa é uma das provocações em torno da Casa NFT, projeto idealizado pelos empresários Alexandre Travassos e Rodrigo Loli, que já trabalhavam com NFT’s no meio musical. O projeto foi iniciado em maio deste ano em uma mansão localizada no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. Datada de 1957, segundo Travassos, a casa, que já foi ocupada com uma família de mais de dez pessoas, está inabitada há anos e deixará de existir ainda neste mês.
De forma livre, os produtores foram convidando artistas que trabalham com grafite, um por um, para que fizessem uma obra na casa, que seria digitalizada e convertida em cripto arte. Quando a Artsoul visitou a Casa NFT, havia artistas em processo de trabalho pintando a caixa d’água, paredes e até mesmo parte do teto de um dos cômodos.
Cada artista deixa sua marca na casa com total liberdade poética na escolha dos temas pintados nas paredes do imóvel. Alguns optaram por investigar a história da casa e da família que a habitou anos atrás, antes do imóvel ser quase completamente esvaziado. É o caso do trabalho da artista plástica TEF (@tefcobalt), que pintou 12 borboletas para representar as antigas residentes da casa, em uma composição que simboliza o ato de partida realizado pela família.
O que sobrou da história da família foram alguns objetos e fotografias, reunidos em um grande quarto no térreo, além de toda informação que a arquitetura apresenta. Muitos artistas aproveitaram essa história escrita na parede para produzir seus trabalhos a partir das cores e texturas encontradas.
Os artistas possuem uma dinâmica própria no convívio e na produção visual das ruas e, nesta casa, viram um ponto de encontro, de diálogo especial, como comenta o artista Mazola Marcnou em entrevista para a Artsoul:
“A experiência do local, não só comigo, mas com outros artistas também, foi com trabalhos diferentes em sintonia, conversando… Quando a gente se encontra tem toda uma troca de experiência entre os artistas, isso foi muito válido para esse projeto”.
Segundo o produtor Travassos essa é apenas a primeira casa que servirá como suporte para a criação de obras NFT, e que outros imóveis prestes a serem demolidos passarão pelo mesmo processo. O projeto está em desenvolvimento e a fase de comercialização destas obras ainda não foi definida. Para acompanhar os próximos passos da Casa NFT, acompanhe as redes sociais do projeto.
Nas ruas, a arte urbana já está habituada com a efemeridade e com a forma como muitos trabalhos se sobrepõem ou deixam de existir rapidamente. Mas o processo é diferente quando uma obra é produzida com data para ser destruída, ou melhor, com data para ser convertida em outro formato. O que a Casa NFT comprova é a organicidade da arte urbana e sua capacidade de se adaptar a novos contextos e novas discussões no mundo da arte, sendo uma das linguagens mais democráticas que conhecemos.
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Diogo Barros é curador, arte educador e crítico, formado em História da Arte, Crítica e Curadoria pela PUC SP.
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