A ArtSoul conversou com a artista Mariana Martins. Interessada em arte desde a infância, cresceu acompanhando seu pai no ateliê e desenvolveu grande personalidade em todas as suas produções. Hoje, uma das artistas referência no circuito da arte contemporânea, Mariana fundou em 2004 a Galeria Choque Cultural junto ao seu marido, o curador Baixo Ribeiro e desde então participam assiduamente no cenário contemporâneo expandindo os conceitos de arte para a inserção de diversas linguagens da arte urbana.
Conte um pouco sobre o começo da sua carreira. Sendo filha de um grande artista, como entende a influência do trabalho dele no seu?
É difícil estabelecer um começo. Minha casa sempre teve todo tipo de material artístico, eu tinha um prazer enorme em ver meu pai desenhando. Tenho saudades do cheiro de madeira, papel e nanquim e do jeito dele fazer os traços. Sempre fui a que sabia desenhar na escola. Aos 11 anos pintei murais no ginásio estadual onde eu estudava – estão lá até hoje, quase 50 anos depois. Parecia que era o que eu sabia fazer melhor e continuei fazendo.
Falando um pouco do trabalho dos diplomas, você já comentou em outras entrevistas que o fez como um “presente” ao seu pai que dizia nunca ter adquirido um diploma. De onde surgiu a ideia de construir os diplomas dessa forma, e quais os pontos centrais dessa estética?
Os diplomas começaram como uma brincadeira. Ríamos muito dessas formalidades, meu pai não tinha formação acadêmica, mas conversava de igual para igual com professores como Antônio Candido ou Paulo Emílio Salles Gomes e fazia parte de uma geração que estava definindo a identidade nacional. Então resolvemos brincar com essa formalidade, fazendo documentos onde os carimbos são flores, os selos são rótulos, o texto não diz nada e as assinaturas são falsas. Mas belos esteticamente! Sempre tive carinho por selos e lacres, e tanto eu quanto meu pai sempre fomos admiradores da gráfica popular de rótulos e tickets.
Sobre essa linguagem das caligrafias – conte um pouco como surgiu esse interesse e as ideias que envolvem a ausência de significado nas palavras e frases criadas.
Considero a caligrafia um desenho primordial. Isso é mais evidente na caligrafia árabe e oriental, na fraktur alemã também. Mas se perdeu um pouco com a tipografia. Diplomas mais sérios sempre recuperam a bela caligrafia e eu comecei a treinar a caligrafia como um gesto, um desenho, sem me importar com significado ou palavra. Sempre achei que o importante num diploma era a pompa que lhe conferia significado, as palavras seriam secundárias.
Quais os maiores desafios que já enfrentou durante a carreira como artista e como galerista?
Acho que o maior desafio para um artista é ter de vender não só sua obra, mas também sua imagem, e isso está bem exacerbado nos últimos tempos. Não adianta ser boa só no que faz, tem de aparecer, cuidar da imagem, fazer conexões certas. Isso vale também para o galerista.
Como foi o processo de surgimento da Galeria Choque Cultural e como você definiria a proposta principal?
A Choque Cultural foi surgindo. A primeira ideia é que tínhamos de fazer alguma coisa, renovar o mercado de arte. Temos um filho, que na época era adolescente e muito bom desenhista, e me preocupava muito o mercado de trabalho que ele ia encontrar. Foi basicamente pensando nele que a primeira ideia surgiu. Eu tinha trabalhado num estúdio de tatuagem, o Baixo trabalhava numa marca de roupas de streetwear e lidava com muitos artistas ligados ao grafitti. Os amigos do meu filho adoravam as estampas, stickers, fanzines e me veio essa vontade de mostrar que ali também tinha arte e que investir nisso era pavimentar um caminho para o público apreciar qualquer arte.
Quando diz em outras entrevistas que quer uma galeria que pareça a rua, em que sentido essa ideia vai?
Foi engraçado. Estávamos na inauguração da exposição de um amigo numa bela galeria, uma antiga oficina mecânica reformada, e notei que ele estava extremamente incomodado. Perguntei o que era e ele disse: “Ahh! Não suporto esse ambiente! Muito branco, árido e limpo, me sinto mal!”
Então, pensei, temos de ter um ambiente mais acolhedor, mais saturado de informações, afinal, é uma geração que fica no computador com quatro ou cinco janelas abertas ao mesmo tempo e estão acostumados ao caos das ruas.
As obras em resina adotam uma estética diferente dos outros trabalhos e não é um material tão comum de se encontrar em obras de arte, qual a particularidade deste material para você?
Comecei a usar resina porque eu precisava dar um jeito de proteger algumas colagens volumosas – achei essa resina liqui vidro e foi perfeito. Mas daí vem a vontade de pesquisar o material. Minha primeira coleção foi de pesos de papel de vidro, e me encantava aquele pequeno universo encapsulado no vidro, como uma outra dimensão. Comecei daí a encapsular minhas caligrafias e colagens na resina, pra obter o mesmo efeito dos pesos de papel.
Você é uma grande colecionadora de objetos. Qual a motivação para ter iniciado a coleção e como o ato de colecionar se relaciona com a sua produção?
Quando você faz uma coleção, você agrega valor ao colecionável. Uma coisa é um chaveiro, algo que se usa e se joga fora, outra coisa é uma coleção de chaveiros, que evoca épocas diversas, classes sociais diferentes, estéticas variadas. Um bom colecionador conhece as fábricas, a origem dos moldes, o nome científico, a história, e explica tudo com prazer! Eu sou uma colecionadora de coleções, admiro muito os verdadeiros colecionadores com quem aprendo coisas incríveis, antes de passar para uma nova coleção.
Teria alguma dica para um artista iniciante que está tentando se inserir no mercado de arte?
Ah! Seja chato, insista, não desista, faça boas conexões…e arrume um jeito de ganhar dinheiro enquanto isso.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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