À direita, trabalhos de Vivian Suter, da galeria Proyectos Ultravioleta (Guatemala). Ao fundo e à esquerda, trabalhos de Steve Bishop, da galeria Carlos Ishikawa (Londres). Condo na Galeria Jaqueline Martins (SP)
Domínio conjunto. O Condo se apropria do termo em latim condominium para descrever a colaboração entre galerias internacionais. O programa, fundado em 2016 por Vanessa Carlos, brasileira radicada em Londres, propõe que galerias abram suas portas para receber exposições de galerias de outros países. Diferente das feiras de arte, o Condo é uma experiência mais generosa e reafirma o espaço da galeria como local expositivo. São Paulo foi sede do Condo nos meses de abril e maio de 2018, com a Galeria Jaqueline Martins recebendo sete galerias internacionais, de Londres, Dubai, Berlim, Porto, Vigo, Cidade da Guatemala e Nova York. Em 2019, uma nova edição está programada para o mesmo período, dessa vez com mais galerias anfitriãs. Em entrevista, Jaqueline Martins, representante do Condo no Brasil, explica o projeto e avalia sua experiência como galeria anfitriã e visitante.
ARTSOUL – Em que contexto foi criado o Condo?
JAQUELINE MARTINS –Existe uma geração de galerias que surgiram no início dos anos 2010, da qual fazem parte a minha galeria e a Carlos Ishikawa, da Vanessa Carlos. Somos de uma geração diferente das galerias dos anos 1990 e 2000. O mercado de arte tem mudado radicalmente seu comportamento, seus meios de vender, de representar artistas, de incorporar artistas a museus. Há muitas mudanças em curso, algumas mais óbvias, outras mais invisíveis. A Vanessa e eu fazemos parte da geração que está tentando encontrar modelos alternativos, não só replicar o modelo de negócio que herdamos. A galeria, o espaço expositivo, o programa anual, as feiras internacionais. Todas essas ideias muito claras que formatam a galeria estão sendo repensadas pela nossa geração. Porque elas não são tão eficientes no mundo e no mercado de hoje.
AS – Como surgiu o Condo?
JM –A Vanessa teve a ideia de colaboração entre galerias. Ela está em Londres e propôs que galerias de lá recebessem galerias internacionais pelo período de um mês. Assim, as galerias visitantes teriam uma relação com a cidade, com os museus, com os colecionadores e com os curadores mais ampla do que só cinco dias numa feira. Na feira, estão todos se esforçando para estar com as mesmas pessoas num curtíssimo período. O Condo te proporciona 30 dias. E ainda custa muito menos se comparado ao investimento de fazer uma feira internacional. O Condo é a ideia de buscar um lugar mais fresco, para todas as galerias atuarem juntas, com custos muito reduzidos e a oportunidade de alargar o tempo naquela cidade. Você tem um mês de exposição numa galeria que está inserida no mercado local de Londres, Cidade do México, Nova York, Shangai, Atenas ou São Paulo.
AS – O intercâmbio ocorre de maneira voluntária ou há fins lucrativos?
JM –As galerias que estão recebendo precisam da predisposição de generosidade de receber o outro. É generoso, o projeto traz isso na sua identidade. Quando eu recebo o Condo aqui, ninguém me paga aluguel. Existe uma taxa, um valor simbólico, para cobrir os custos da logística, designer, gráfica, festa de abertura. Apenas para custear que o movimento aconteça com conforto para todos trabalharem.
AS – O Condo é uma alternativa às feiras de arte?
JM –Existe um certo esgotamento na relação entre galeria, colecionador e curador na feira de arte. Eu acho que a feira ainda é uma plataforma essencial para o desenvolvimento comercial e de relacionamento de uma galeria, porque consegue concentrar muita gente interessada no mesmo assunto. É uma oportunidade de desenvolver relacionamentos, conhecer gente nova, se reaproximar de clientes, curadores, jornalistas. Ao mesmo tempo, eu acho que o mundo inteiro se empolgou demais com as feiras. Antes existiam cinco ou 10, hoje são 100. As galerias, movidas por uma certa ansiedade de expandir, foram fazendo feiras e mais feiras, sem se dar conta de que poderíamos estar alimentando um colapso. Um colapso financeiro, porque é caríssimo, um colapso físico, porque é exaustivo, e um colapso produtivo para os artistas. Como fazer para todos os artistas produzirem tanta coisa interessante o tempo todo? Mesmo que o artista produza muito, não quer dizer que seja bom, você precisa editar. Precisa de mais tempo. Não diria que seja um problema, mas criou-se uma sensibilidade. Os colecionadores se queixam que não aguentam mais as feiras, são muito chatas. O galerista se queixa porque é cansativo e caro. O curador se queixa porque está vendo sempre as mesmas coisas. E os artistas também ficam cansados e frustrados porque você os coloca numa situação em que precisam produzir mais e mais rápido e não necessariamente aquilo volta em vendas. Saímos da galeria de arte e fomos para um cassino. Desvirtuou um pouco a ideia de ver e comprar arte.
AS – É diferente ver uma exposição na galeria e ver um estande na feira.
JM –Queremos voltar ao espaço da galeria. O Condo propõe no seu conceito que galeristas, colecionadores, jornalistas, curadores e artistas deem mais atenção à galeria. Ver a exposição do artista na galeria, não um fragmento de 3 a 5 obras num estande na feira. Ler o texto da exposição.
AS – Como foi a experiência de receber?
JM –Para mim foi ótimo receber. Foi tranquilo, todas são galerias que eu conheço. Foi uma troca rica, espontânea.
AS – O público gostou de ver exposições internacionais aqui?
JM –A gente teve muita visitação, foi muito legal. Participaram artistas que não se vê muito em São Paulo, galerias que as pessoas não conhecem, ou conhecem pouco. Para o público, eu considero uma oportunidade incrível. As pessoas podiam ver sete artistas internacionais de sete galerias que não fazem SP-Arte ou outras feiras no Brasil. Em outras condições, seria pouco provável que elas se deslocassem para cá.
AS – Além de receber, você também já foi galeria visitante em outros países?
JM –A gente já participou do Condo de Londres três vezes. Em Londres, assim como Nova York, Shangai e Cidade do México, muitas galerias aderiram ao projeto. Em Londres, são 15 galerias que recebem. Fiquei impressionada. Na abertura, parece uma feira, uma enorme quantidade de gente em fluxo. Em Nova York é parecido. São cidades de transporte público fácil, você pode pegar um mapa e fazer um circuito. É bem impressionante como as pessoas vão ver as exposições. Foi uma experiência ótima. Na primeira edição de São Paulo, não conseguimos uma adesão significativa, só recebemos na galeria Jaqueline Martins. Mas para o próximo ano já temos adesão de outras galerias, devemos conseguir receber entre 15 e 20.
Maria Silvia Ferraz é jornalista e apaixonada por arte contemporânea
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