Cinco foram os ataques a obras de arte e monumentos históricos nas últimas semanas de outubro. Desde sopa de tomate arremessada na pintura de Van Gogh e purê de batata na obra de Monet, até a torta na estátua de cera do Rei Charles.
Grupos de ativismo ambiental escolheram tornar os museus palco para a manifestação com o objetivo de publicizar o que consideram o tema de maior urgência: a responsabilização por parte do governo sobre a interrupção do uso de combustíveis fósseis e a crise climática.
“O que vale mais, arte ou vida?”, disse uma das manifestantes em frente aos Girassóis de Van Gogh. “Você está mais preocupado com a proteção de uma pintura ou com a proteção do nosso planeta e das pessoas?”. A responsável pelas afirmações é Phoebe Plummer, integrante do grupo Just Stop Oil, que está há mais de 30 dias ocupando as ruas de Londres, nos quais integrantes uniformizados interrompem o trânsito com cartazes e faixas.
Com esses protestos, “ainda estávamos apenas na página oito ou nove da imprensa nacional. Precisávamos mudar as coisas e pegar a mídia de surpresa. A ação artística foi exatamente a mudança de ritmo que precisávamos. Isso chocou as pessoas por ser tão inesperado”, afirma o portal da organização.
De fato, a proposta teve êxito. A repercussão na internet foi acalorada reunindo críticas sobre a legitimidade das ações, o caráter criminoso da depredação de um patrimônio cultural e as consequências que podem trazer ao funcionamento das instituições.
O impacto nas redes sociais é peça fundamental para os objetivos dos manifestantes. Segundo a pesquisadora brasileira Giselle Beiguelmann, este é um típico caso de ativismo orientado por redes sociais, no qual a validação decorre da circulação que as imagens terão. Há, no projeto desses ativistas, a instrumentalização da imagem, uma vez que se entende que a imagem é exatamente o lugar onde a política acontece, é através dela que o ativismo se constitui.
Ainda segundo a pesquisadora, houve o cuidado de não destruir as pinturas em si, mas “simular o que seria a destruição”, em direta referência à destruição do meio ambiente num futuro próximo.
Se torna clara essa afirmativa quando observamos como os vídeos da organização são feitos; registram do início ao fim do ato e são pensados exatamente para a circulação nas redes sociais.
Não existe tal coisa como publicidade ruim; a frase de origem inglesa parece fazer sentido para estes ativistas. Podemos olhar para os protestos com maus olhos e tecer críticas inúmeras. É preciso, porém, concordar que, se feito de outra forma, não estaríamos comentando e talvez este texto que escrevo não existisse.
Se o discurso ambiental vigente causa ruído, de que outra forma o contradiscurso poderia ser silencioso? Ou seja, se o uso do petróleo é corrosivo para a permanência da humanidade na terra, de que forma protestar silenciosamente resolve o problema? Ao mesmo tempo, não se pode fugir da pergunta oposta: de que forma o protesto dentro do museu soluciona o problema ambiental? Afinal, não são os museus as instituições com poder de deliberar sobre tais assuntos.
Segundo Pablo Lafuente, diretor do Museu de Arte Moderna (MAM-Rio), “as pessoas tiveram o cuidado de fazer de um jeito que não danificasse as obras, (mas) não sei qual efeito que se espera dessas ações. Você chama atenção para uma agenda específica, mas também pode trazer uma visão negativa. Ninguém pensa na pessoa que faz faxina ou a segurança da sala”.
A resposta é clara, o protesto não resolve. Quase nenhum protesto isolado tem o poder de solucionar uma situação tão complexa que envolve política, empresas e instituições que movimentam de forma estrutural a economia do mundo. Mas é através da repetição que se espera conquistar o número de pessoas suficiente para que alguma mudança de fato aconteça.
“A implacabilidade é definitivamente uma estratégia viável. Foi assim que Greta finalmente conseguiu que sua mensagem chegasse com tanta força”, afirma a Just Stop Oil, em referência à jovem ativista Greta Thunberg, conhecida mundialmente.
Há quem afirme que a repetição também carrega um lado obscuro. É possível que quanto mais notícias do mesmo tipo apareçam ao público geral, mais enfraquecedor o argumento, suscetível a se tornar banal e de baixa relevância.
Outra consequência que se pode prever é o reforço ao código de segurança das instituições que hoje já contam com grossos vidros em frente às peças do acervo, demarcações no chão que distanciam público e obra e a revista aos pertences dos visitantes na entrada. Essas já são medidas existentes, mas pode-se projetar que as instituições se tornem ainda mais rígidas com a recorrência desses atos.
Na última quinta-feira (27), por exemplo, o Museu D’Orsay impediu um protesto ao perceber uma movimentação irregular. Os seguranças da galeria do museu perceberam quando uma mulher acompanhada por pessoas com câmeras retirou o suéter mostrando uma camiseta com os dizeres Just Stop Oil.
Segundo o Estadão, “As ações preventivas colocadas em prática desde a proliferação deste tipo de protesto, que envolvem também a polícia, impediram que ela se aproximasse da tela de Van Gogh. Depois, ela se dirigiu a um Paul Gauguin com uma garrafa na mão, mas foi detida por um segurança. A polícia estava preparada para agir, caso ela tivesse êxito”.
As obras de arte, porém, não são o foco principal. Outro grupo de ativistas, o Letzte Generation (em tradução livre, Última Geração) também planejou protesto no Museu de História Natural de Berlim, na Holanda, no último dia (30), ao ter as mãos de duas ativistas coladas ao esqueleto de um dinossauro de 6 milhões de anos, a organização afirma “se não queremos enfrentar a extinção, devemos agir agora”.
Esta ação foi a segunda que a Letzte Generation promoveu em um museu. A primeira veio quase dez dias depois da ação do Just Stop Oil na obra de Van Gogh que serviu de inspiração aos ativistas holandeses. Segundo a organização, os ativistas que jogaram purê de batatas na tela de Monet no último 23 de outubro, “ao fazer isso, eles estão fazendo à sociedade a mesma pergunta que duas jovens corajosas com sopa de tomate na National Gallery de Londres há uma semana: O que vale mais, arte ou vida?”. A partir disso, é evidente o impacto desses atos de grande repercussão midiática no público geral e nos diversos grupos ativistas ao redor do mundo.
De acordo com a jornalista Kelsey Ables, o museu como lugar de revisão histórica, “atingiu um pico nos últimos anos, com manifestantes pedindo às instituições que repensassem suas coleções, diversificassem sua equipe, devolvessem artefatos saqueados e expurgassem doadores tóxicos. Nesse momento em que os museus se tornaram o marco zero para reescrever narrativas do passado, não deveria ser surpresa que os ativistas climáticos também tenham se voltado para eles na esperança de reescrever o futuro”.
O impacto real dessas manifestações, só o futuro para demonstrar com precisão. A certeza é a demonstração de como os museus deixaram há muito de ser representantes imaculados do passado, para se tornarem articuladores e ativadores das mais diversas pautas contemporâneas.