A produção contemporânea em poesia visual expõe sua diversidade e a amplitude de suas indagações, ao fazer das palavras, letras e códigos verbais, recursos visuais que estabelecem diálogos com outras linguagens e meios expressivos. Em alguns trabalhos da produção recente brasileira, o uso da palavra cria novas sintaxes visuais. Em outros, a palavra poética ganha materialidade em instalações multimídias, objetos, performances, ou ocupando espaços públicos da cidade.
A palavra escrita, como matéria para a composição de pinturas, desenhos ou instalações, é objeto do interesse de dois jovens artistas brasileiros que se aproximam da cultura e visualidade das grandes cidades: Guilherme Callegari e Ale Jordão. As pinturas, serigrafias e desenhos de Callegari utilizam repertórios do design gráfico e da linguagem tipográfica. Seus trabalhos criam, por vezes, escritas ilegíveis. Outros, sobrepõem logotipos de marcas de carros luxo à logos que povoam o cotidiano urbano.
A instalação luminosa “The neon traffic dealer”, de Ale Jordão, também recorre a marcas célebres, sobrepondo e embaralhando símbolos do imaginário de consumo. Nestes trabalhos, o uso da palavra e dos signos de consumo das metrópoles dialogam com a Pop Art, lembrando propostas de artistas como Andy Warhol e Cy Towbly.
Sugerindo outros sentidos para a palavra escrita na cultura contemporânea, a produção de Paulo Aquarone, nos anos 1990, é uma das pioneiras na elaboração de uma poesia digital, destinada à ainda incipiente internet. Suas propostas dialogam diretamente com a tradição da poesia concreta, criando poesias interativas, multimídias, vídeo-poemas, poemas-objetos e poemas instalações.
A jovem artista Verena Smit, à exemplo de Aquarone, faz dos meios digitais espaço privilegiado para a difusão de sua produção poética e visual. Seus trabalhos também tem ganhado destaque fora das redes. A Ocupação Poética promovida, em 2019, pelo Centro Cultural São Paulo, exibe duas instalações concebidas por ela: o letreiro em neon “Desesperar, jamais”, e um relógio que substitui números por letras, formando sucessivamente as palavras Arte, Tempo, Medo, Mudar. Os trabalhos de Smit orbitam em torno da linguagem e da palavra poética. Também abordam, com frequência, os relacionamentos amorosos e seus desencontros.
O caráter rigoroso, sintético, conciso do poema. A possibilidade de explorar ritmos e espacialidades, produzidas a partir da experimentação com a palavra. O alcance da escrita nas comunicações de massa e a multiplicidade de sentidos provocada pela aproximação entre poesia e visualidade, são aspectos presentes na produção artística brasileira, ao menos desde os anos 50, com os debates em torno da poesia e da arte concreta.
Propostas de poetas como Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, precursores deste movimento, e dos concretistas paulistas Geraldo de Barros e Waldemar Cordeiro – um dos pioneiros nas investigações entre arte e computação – permanecem referências importantes. Parte expressiva dos artistas contemporâneos ligados à produção em poesia visual dialogam com estas contribuições.
Ridyas, Lenora de Barros, Arnaldo Antunes, Paulo Aquarone e Tadeu Jungle – em suas respectivas pesquisas – transitam por diferentes mídias e suportes, revisitando indagações da poesia concreta dos anos 50 e 60. Demonstram, assim, a influência renovada desta tradição para a geração de poetas e artistas visuais dos anos 70, 80 e 90.
Outro aspecto marcante da produção contemporânea em poesia visual, que pode ser abordado como um desdobramento deste interesse pelo espaço tridimensional, é a relação entre palavra, visualidade e arte pública. Este diálogo é desenvolvido em ao menos dois projetos de grandes dimensões, que ocupam importantes espaços públicos da cidade de São Paulo em 2020.
O primeiro, desenvolvido por Tadeu Jungle, ocupa uma das faces do monumental edifício de Oscar Niemeyer, que abriga o Museu de Arte Contemporânea (MAC/SP), com a instigante frase: “Você está aqui”. A poesia visual, de enormes proporções, estabelece um estado de observação e presença. Segundo o curador Daniel Rangel “No ato da fruição ativa-se uma auto-percepção do aqui e do agora, um dos preceitos do budismo” que leva Jungle a denominar como “poema zen” esta frase que aparece pela primeira vez, em sua produção poética e visual, em 1997.
O segundo projeto recente – realizado no Minhocão por iniciativa do MAR (Museu de Arte Urbana) – conta com dois poemas visuais de Felipe Morizoni. Mais conhecido por sua atuação no campo da fotografia, o artista transforma a empena de três edifícios, nas bordas do elevado, com a frase “Eu me vejo em você” e a sentença, espelhada em preto e branco, “Sabia que você existia”. Inscrições poéticas, que indicam vínculos de empatia e afeto, convidando a outros modos de relação com a cidade.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.
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