É certo que, em toda a história da arte, o corpo e a sexualidade foram temas amplamente trabalhados pelos artistas, em diferentes níveis. A expressão da sensualidade ou da carnalidade atravessou diferentes culturas, tendências, movimentos e escolas, sendo fundamental para a elaboração de percepções sociais e estéticas. Essas imagens – que, por serem sempre sedutoras, são frequentemente cerceadas e encobertas – retratam questões primordiais da vida humana, como o sexo, o gênero e o desejo, e ganham destaque na Artsoul com a Seleção Corpos.
Embora o “erótico” seja associado imediatamente à atividade sexual, o termo erotismo, na verdade, significa mais do que isso. De origem grega, ele deriva de “Eros”, o filho de Vênus e de Mercúrio. Na arte, Eros (também conhecido como Cupido) simboliza o amor e, por extensão, a sexualidade. É o deus-menino do amor sensual físico. Assim, podemos pensar o erotismo como o conjunto de representações culturais e humanas ligadas ao sexo, ou seja, que podem ser explícitas ou não.
Entre 1987 e 1990, Iberê Camargo produziu uma série de litografias intitulada “Erótica”. Nesses trabalhos, o artista gaúcho não se preocupa com a perfeição estética da cena, mas com a expressão emocional dos personagens. Riscos difusos em marrom e preto formam figuras esguias de rostos impessoais. Os traços orgânicos dão aos desenhos a noção de dinamismo e movimento, além de uma carga poética que expressa o desejo em sua forma mais íntima.
A ideia de explorar a intimidade entre duas pessoas aparece também em “Solidão Compartilhada”, de Bruna Rinaldi. Aqui, porém, o que acontece é a falta de conexão – ou, talvez, a conexão pela falta: ao centralizar a fotografia em dois braços que não se encostam, a artista parece querer explorar o sentimento de solidão e o vazio que dois corpos podem sentir quando a distância é emocional. Ao mesmo tempo, a imagem pode ser interpretada como um afago, o registro de alguém que encontrou companhia em um momento de introspecção.
Nem todas as obras da Seleção Corpos, no entanto, demonstram alguma carga emocional. Em alguns casos, o que está em jogo é puramente estético. Ainda no campo da fotografia, por exemplo, Guido Argentino brinca com a luz e as formas do corpo humano para construir uma cena conceitual e sexy. Em “Epona”, obra que faz referência à deusa celta dos cavalos e da fertilidade, a iluminação cuidadosamente projetada sobre a figura cria um brilho prateado que destaca suas curvas e texturas, formando uma atmosfera de poder e mistério. Aqui, o que se pretende não é a objetificação do corpo, mas sim um tipo de valorização e “empoderamento” de um físico forte e confiante.
Essa noção de domínio sobre o próprio corpo aparece também nas obras de Marius Sperlich. Embora o artista se utilize de cenas explícitas e altamente sexualizadas, o que se pretende não é reduzir as personagens a objetos de desejo, mas justamente explorar a liberdade sexual. Com títulos menos românticos e mais bem humorados, ele evoca o que há de mais obsceno no sexo.
Em “Dinner for one” [“Jantar para um”, em tradução nossa], o corpo feminino é colocado propositalmente como uma refeição, criando uma atmosfera de desejo e convite ao outro. Em “Turn me on” [Me excite], a mesma lógica de provocação e interesse é empregada. Em ambos os casos, a “indecência” das palavras é não apenas mostrada, mas estimulada. Carregadas de libído e excitação, as imagens provocam sensações únicas ao espectador, capazes de aquecer a pele e abrir os poros. É a celebração de um sexo sem pudor.
Tratando de liberdade, atração e fantasia, “Succubus: O Início”, de Monica Piloni, é indispensável. A escultura retrata o corpo humano feminino distorcido e em escala reduzida. É uma referência à cultura popular e às mitologias, em que “Succubus” é uma entidade sobrenatural ou demônio feminino que aparece nos sonhos de homens para seduzi-los e roubar-lhes a energia vital.
A multiplicação de elementos da figura – membros como pernas e braços – questiona a sexualização da mulher e, ao mesmo tempo, instiga a sensualidade. A forma tradicional da escultura é deixada de lado para que características como o equilíbrio e a simetria (ligadas às belas artes) sejam respondidas com espelhamento e multiplicação de partes, na criação de um ser fictício.
Em uma esfera ainda mais política, Flávia Ventura se aprofunda sobre a discussão do corpo como dispositivo mutável de experimentação sensível. Em suas pinturas, ela pesquisa o deslocamento de discursos e protagonismos em relação à sexualidade, gênero, poder e violência. Com pinceladas grossas que transitam entre o figurativo e o abstracionismo (com o segundo se sobressaindo), ela produz imagens complexas que questionam a obviedade da pornografia convencional.
Em suas telas, o rastro de tinta, o erro, os borrões, a imperfeição e o inacabado não são defeitos, mas sim características que remetem à subjetividade dos corpos retratados. As pinturas aludem ao orgasmo feminino como resistência às múltiplas formas de violência de gênero, entendendo o potencial erótico como uma espécie de chave para a libertação pessoal. Assim, o erotismo não seria apenas uma solução para os desejos e aprisionamentos físicos, mas também psicológicos. Para além do ato sexual explícito, os trabalhos de Ventura propõem um olhar para o que é mais subjetivo em cada um.
Confira estas e outras obras na Seleção Corpos.