Em termos amplos, é possível dizer que museus são tão antigos quanto a própria prática de agrupar objetos de valor – seja este simbólico, monetário, cultural etc. – em espaços dedicados a este fim. Essa criação de coleções, ou colecionismo, se deu em espaços que tornaram-se museus ao longo da história, como o palácio do Louvre, ou, mais recentemente, em edifícios construídos especificamente para este fim.
Nesse primeiro momento as obras eram exibidas nos salões de palácios construídos para realezas europeias e, por tanto, compartilhavam o espaço com ornamentos e decorações ali presentes. Posteriormente, com museus construídos já com o objetivo de serem espaços dedicados à exposição de obras, foi possível que novas propostas arquitetônicas fossem criadas para estes espaços.
Qual o espaço necessário para um museu? Seu exterior se relaciona com seu interior? Onde construí-los? Como devem ser organizados seus espaços de exposição? Seriam eles obras de arte por si só? Sua arquitetura se relaciona com as obras a serem ali expostas? A criação de projetos dedicados a museus tornou possível a abertura de um grande leque de perspectivas.
É possível dizer que a partir da década de quarenta houve uma intensificação da construção de museus ao redor do mundo, com uma evidência notável ao tipo arquitetônico – fazendo dos prédios em si símbolos dos espaços onde se encontram. Cada uma dessas construções se relaciona de maneira mais ou menos particular com a trama cultural de onde se inserem, com seus arredores imediatos e com o conteúdo artístico que ocupa seus interiores. Aqui temos uma breve lista de alguns museus cuja arquitetura e as propostas desta podem ser consideradas destaques por si só.
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) situa-se no seu atual prédio-sede, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi, desde 1968. O termo de cessão do terreno para a construção do museu possuía uma cláusula que exigia a manutenção da função de belvedere (mirante) livre. Em razão disto, o edifício foi elevado sobre pilotis, havendo apenas os acessos no nível da rua. Daí o conhecido vão de mais de 70 metros que se estende sob quatro pilares. Os pilares são as extremidades de duas vigas destacadas pela cor vermelha e que envolvem a estrutura do museu. Lina Bo Bardi também projetou os cavaletes de concreto e vidro que suportam parte do acervo fixo do MASP.
Muito alinhado com as noções brutalistas, o projeto tem uma nítida intenção de manter a estrutura do prédio à mostra. Nos pisos elevados o MASP conta com uma área livre para a exposições. O vão livre, pensado pela arquiteta para ser uma praça, é frequentemente utilizado pela população – seja para a organização e realização de manifestações, shows, feiras de artesanatos ou até mesmo exposições temporárias.
O MASP hoje possui um projeto de expansão, com a construção de um edifício de 14 andares ao lado do projeto de Lina Bo Bardi, ligados por uma passagem no subsolo. A entrega do prédio-extensão está prevista para janeiro de 2024.
O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), projetado por Affonso Eduardo Reidy, teve sua construção do bloco de exposições de sua atual sede concluída em 1968. Assim como o MASP, sua concepção estava muito ligada à arte moderna – vale apontar, porém, que as primeiras exposições do museu, anteriores à construção de seu prédio atual, rompiam com a tradição de 22 e traziam a arte abstrata como representação de modernidade.
Hoje, o prédio do MAM-Rio possui um vão livre, assim como o museu paulista, e é sustentado por pilotis em forma de V. Os pilares fazem do térreo do bloco de exposição uma área para variadas intervenções e diferentes aproveitamentos do espaço. O museu está localizado no Parque do Flamengo, próximo ao centro da cidade e do mar – onde se descortinam os elementos de uma das mais belas paisagens do Rio de Janeiro: a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar. Reidy se preocupou em não agredir visualmente a natureza, em função dessa privilegiada vista, e utilizou artifícios como a horizontalidade e a transparência do edifício. O uso dos pilares de sustentação libera grande parte do pavimento térreo e, consequentemente, possibilita que a paisagem do local seja vislumbrada.
O projeto deste museu, tinha uma proposta de iluminação que conjugava as luzes natural (vinda zenitalmente e lateralmente, pelas fachadas de vidro) e artificial, que daria condições ideais de iluminação para todo o tipo de obra de arte. A planta da sala de exposições é livre e isenta de pilares – graças aos pilotis em V – e existem, para as exposições, painéis móveis que podem organizar o espaço livre de formas variadas. Em sua série sobre arquitetura, o SESC TV possui um episódio dedicado ao museu.
Localizado em Bilbao, na Espanha, o Guggenheim é um museu de arte moderna e contemporânea desenhado por Frank Gehry. Inaugurado em 1997, com uma exibição de 250 peças de arte, é um dos maiores museus da Espanha.
Projetado para se integrar com os arredores urbanos de Bilbao, mas não deixar de ser uma peça de destaque, o museu conta com 24.000 metros quadrados, dos quais 9.000 são dedicados a espaços de exibição. Situado à beira do Rio Nervión, o museu também impulsionou a economia de Bilbao com o seu surpreendente sucesso. Gehry recorreu a um software de computador para realizar os cálculos dos pontos de fixação, das estruturas de suporte e dos ângulos das estruturas curvas e retorcidas.
Como na foto anterior, o museu costuma ser representado pelo lado oposto do rio. O que, sem dúvidas, eleva a dramaticidade da obra e demonstra o esplendor do museu. A entrada, porém, está do outro lado do prédio, ao fim da Calle Iparraguirre, uma estreita rua residencial.
Em sua parte interna, um grande e iluminado átrio serve como centro organizador do museu, distribuindo 11.000 metros quadrados de espaços de exposições em dezenove galerias. A série de galerias possui espaços mais tradicionalmente retangulares – no que vai na direção do “cubo branco” – enquanto outros espaços têm formas variadas. Destaca-se a galeria de área livre, com 130 metros de comprimento, onde está a obra permanente “The Matter of Time” de Richard Serra. Nesta última galeria, a iluminação zenital é predominante. Assim como a obra de Richard Serra, o museu costuma receber exposições de larga escala e projetos site-specific – elaboradas especificamente para o museu.
Inaugurada em 2002, em Turim, na Itália, a Pinacoteca Agnelli está localizada no topo do complexo Lingotto – antiga fábrica da Fiat que leva o nome do bairro onde se localiza. A galeria de arte é uma estrutura de metal quadrada de 450 metros quadrados.
Projetada por Renzo Piano, sua característica estrutura é chamada de “Scrigno” (caixa de jóias). A Pinacoteca foi fundada para preservar e potencializar a coleção de obras doadas à cidade pelos colecionadores Giovanni e Marella Agnelli. O prédio traz uma vista privilegiada para a antiga pista de testes da FIAT que fica na cobertura do Lingotto.
Pensando na iluminação dos pisos superiores, Piano projetou um teto de vidro semi-transparente sob um conjunto de chapas de alumínio motorizadas com sensores e luzes artificiais que mantêm uma iluminação constante do interior independentemente das condições externas.
A coleção permanente da Pinacoteca conta com obras de Renoir, Picasso e Matisse. A partir de 2022 a programação de exibições da Pinacoteca se estende também para a velha pista de testes. Muito em função da sua estrutura, as galerias de cada piso da Pinacoteca são salas retangulares.
O Zeitz Museum of Contemporary Art Africa (Zeitz MOCAA) é um museu público sem fins lucrativos localizado na Cidade do Cabo, na África do Sul. Inaugurado em 2017, é o maior museu de arte contemporânea do continente. Projetado por Thomas Heatherwick, o museu foi construído a partir da conversão de um complexo de silos datado de 1921 para o armazenamento de grãos.
Se o exterior do edifício, com suas paredes de vidro geodésicos acima da estrutura de concreto dos silos, é capaz de chamar a atenção no horizonte da Cidade do Cabo – dividindo o famoso “skyline” da cidade com as formações montanhosas da região –, o seu interior traz por si só uma visão fascinante do que já foi o prédio.
Heatherwick comenta que parte do desafio de ressignificar o edifício foi lidar com as restrições estruturais que os silos e seus “tubos” apresentavam. Como solução, o arquiteto trouxe a ideia de fazer com que o interior do museu tivesse sido esculpido diretamente no interior das estruturas de concreto.
A decisão arquitetônica criou um átrio catedralesco – amplo e bem iluminado pela luz exterior – na entrada do prédio. Sem dúvida, a característica mais marcante do átrio do Zeitz MOCAA é a possibilidade de visualizar as estruturas dos silos por um novo ângulo.
O Zeitz MOCAA conta com pouco mais de 6.000 metros quadrados de espaço para exibições. As galerias estão espalhadas pelos andares de forma periférica e com salas ligadas por passarelas das quais é possível observar o átrio da construção.
Os museus adquiriram uma nova importância econômica e social, tornando-se uma das formas de cidades e países se incorporarem nas rotas turísticas internacionais. Da curta lista aqui explorada, o exemplo mais notório é o Museu Guggenheim, que levou a cidade às páginas da imprensa internacional.
A criação de prédios dedicados exclusivamente a serem museus permite, também, que arquitetas e arquitetos tragam já em seus projetos concepções artísticas que possam integrar vezes mais e vezes menos o próprio conceito do que se pretende exibir no interior de suas paredes. Com a evolução da arquitetura, os projetos de museus ganharam liberdades estruturais que permitem abordar as perguntas levantadas no início desse texto por ângulos antes inexplorados, resultando em verdadeiras obras de arte de gigantes proporções.
Matheus Paiva é produtor cultural e internacionalista, formado pela Universidade de São Paulo.
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