A publicação de manifestos de artistas tem uma história bem recente e sua importância está diretamente ligada ao desenvolvimento da arte no mundo.
A “era dos manifestos”, como foi chamado o início do século XX, teve seus primeiros passos com Filippo Marinetti e o Movimento Futurista. O artista italiano é conhecido hoje como o agente que encabeçou o movimento tendo suas ideias expostas e veiculadas no jornal Le Figaro, na Paris de 1909.
Esse primeiro escrito deu um pontapé inicial para uma série de manifestos que marcaram a história da arte.
Marinetti traz uma linguagem muito própria. É um escrito forte, agressivo e que não admite recusa. Procura estabelecer seus princípios de forma a rejeitar as determinações sobre a arte da época e demonstrar como esta precisa ser abandonada. Deseja romper, no sentido mais cru do termo.
Dentro dessa perspectiva, os manifestos acabam adquirindo a conotação de serem documentos carregados de vontade de se fazer eclodir uma nova maneira de fazer arte com a intenção de superar completamente o sistema já consolidado.
Esse período de grande publicação de manifestos não por coincidência se deu simultaneamente aos movimentos modernismo da arte.
Voltando alguns passos na história da arte, notamos que nos séculos anteriores ao modernismo foi construída uma mística acerca das obras de arte a partir da qual o trabalho artístico deveria falar por si. Até então, o fazer artístico estava quase que por completo dependente de atrativos visuais, o que transformava sua absorção imediata já que sua proposta era contemplativa e se preocupava em trazer satisfação visual a quem a observasse.
Quando Marcel Duchamp, o revolucionário artista francês, surge com sua proposta dos ready-mades, que foram objetos cotidianos trazidos a exposições artísticas com o intuito de questionar quais os parâmetros que definem uma obra de arte como tal, a consequência foi o descolamento entre o trabalho artístico e a estética. O artista lança à arte o compromisso de questionar seus meios e sua linguagem.
A partir disso, o mundo da arte, já não sendo mais puramente pautado no contemplativo, abriu espaço a uma série de propostas conceituais – no qual o processo e a concepção passam a ser valorizados. Se apoiando agora, na sua potência reflexiva, o trabalho artístico traz o artista para o centro do discurso.
O artista passa a ser o responsável não só por propor o projeto artístico enquanto obra, mas por rechear sua assimilação de reflexões, assumindo a apresentação sobre seu próprio fazer artístico.
Num período de constante efervescência e revisão sobre a arte e seus meios, nas quais o fazer artístico e o processo que envolve a elaboração da obra passa a estar em foco, o espaço para tratados, manifestos e escritos de artistas que recicla todos esses princípios, se alarga substancialmente.
Esses escritos adquiriram a força de determinar como serão recebidas e absorvidas as obras das quais se refere, a ponto de construir a narrativa que transforma aquele fazer em arte.
Escrito por um artista ou um grupo de artistas que se identificam em suas convicções, traz consigo o caráter de legitimação do projeto artístico.
No decorrer da história, diversas linguagens foram usadas, não seguindo necessariamente o caráter agressivo de Marinetti. Vejamos o caso brasileiro.
O Manifesto Ruptura e o Manifesto Neoconcreto, da década de 1950, são dois dos exemplos mais interessantes a ser analisados. O primeiro é intensamente construído sob a perspectiva de palavra de ordem. Repudia a arte representacionalista e comprova a necessidade de uma mudança radical na expressão artística, enquanto o segundo é desenvolvido a partir de uma linguagem didática e explicativa na qual os artistas se preocupam em desenvolver seus argumentos e explicar suas referências.
O Manifesto Pau-Brasil, lançado em 1924 no Brasil, não foge a coroar um outro formato de manifesto. Diferente dos outros, aqui, a publicação se torna particular por defender não uma quebra de parâmetros antigos ou um grito à novas ideias, mas por reforçar as raízes negligenciadas de uma cultura intensa e esquecida como a brasileira. Busca trazer de volta os princípios que dão identidade ao Brasil.
De qualquer uma das formas, os manifestos publicados no decorrer da história da arte dialogam com a cadeia produtiva da cultura de sua época e traduzem as perspectivas e emergências da nova geração.
Victoria Louise é crítica e produtora cultural, formada em Crítica e Curadoria e Gestão Cultural pela PUC-SP.
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