O deslocamento de museus e galerias, em direção à espaços abertos, é reconhecido como tendência importante da produção artística contemporânea. No contexto brasileiro, propostas que incorporam, transformam ou dialogam com elementos da paisagem natural têm ganhado visibilidade em, ao menos, três espaços: Inhotim (Minas Gerais), A Usina de Arte (Pernambuco) e Fazenda Serrinha (São Paulo). Localizadas em diferentes regiões do país e abrigando projetos distintos, estas três iniciativas permitem observar relações entre a obra e o ambiente, e o destaque que têm assumido em pesquisas e processos artísticos contemporâneos.
A expansão da obra de arte, para além dos limites impostos pelos espaços expositivos convencionais, é colocada em jogo de modo decisivo por artistas atuantes entre os anos 1960 e 1970. Nestas duas décadas, uma série de trabalhos articularam críticas ao mercado, ao sistema de circulação e validação das obras, buscando novos espaços de inserção para a arte. Obras que mobilizaram, não apenas a própria redefinição do estatuto da arte, mas articularam outros modos de relacionamento com o público. O espectador passa a ser considerado não somente como aquele que observa: pode experimentar, percorrer e até mesmo participar do trabalho. Seu ponto de vista, a presença de seu corpo, as formas como afeta e é afetado pela obra, são diretamente convocadas.
O impulso em direção aos espaços abertos, pode ser identificado em movimentos como o minimalismo, a arte conceitual, a land art, e desdobra-se também nas experimentações em performance, nos happenings, earthworks, site-specifics e em instalações, que recorrem à linguagens e meios construtivos, dos mais diversificados.
Diante destas indagações, a Land Art é reconhecida como marco importante, ao estabelecer novos modos de abordar a relação entre corpo, espaço e a natureza. Em trabalhos fundamentais deste movimento, realizados por artistas como Robert Smithson, Richard Long, Nancy Holt, Walter de Maria, Michael Heizer e Dennis Oppenheim, a paisagem deixa de ser motivo, a ser representado, para transformar-se em espaço de intervenção. Em 1971, Robert Smithson constrói a emblemática obra “Spiral Jetty” (1971) uma enorme espiral criada a partir de rochas, areia e outros elementos naturais, sobre o Great Salt Lake, em Utah, nos Estados Unidos. Entre 1973 e 1976, a artista Nancy Holt realiza, também no estado de Utah, os “Sun Tunnels”, gigantescas estruturas em concreto e aço, que criam um preciso alinhamento com nascer e o pôr-do sol, em diálogo com a paisagem desértica e o horizonte.
“The Lightning Field”, obra de Walter De Maria, é outra produção emblemática deste movimento. Construída na região desértica do Novo México – a partir de 400 hastes metálicas dispostas, geometricamente, em uma área de um quilómetro quadrado – esta intervenção na paisagem, produz a incidência de raios, atraindo centenas de descargas elétricas naturais durante as tempestades na região. Artista com trajetória ligada ao minimalismo, De Maria, também é responsável por grandes esculturas no espaço urbano, tais como “Vertical Earth Kilometer” (1977). Instalada na Friedrichsplatz Park, em Kassel, a obra consiste em uma barra metálica, que se estende por um km, no interior da terra. Vista de cima se assemelha à uma moeda, permanentemente esquecida sobre o solo. A obra penetra a terra construindo um interessante jogo entre o visível e o não-visível.
Os earthworks, muito difundidos entre artistas norte-americanos, nos anos 1960 e 1970, posicionam a arte em um espaço real e preciso. Suas dimensões monumentais, em geral, exigem que os espectadores percorram ou incluam-se no interior da obra. De modo amplo, tratam-se de intervenções que ativam o campo da percepção, se distanciando de um sentido metafórico da arte. Lidam diretamente com elementos como: espaço, paisagem, vegetação, tempo geológico, luz, geometria, transformação, e indagam os vínculos entre Homem e Natureza. Outros trabalhos, muito influenciados pelos earthworks, investem em intervenções sutis e efêmeras na paisagem, como oferecem exemplo propostas de Richard Long.
Em “A line made by walking” (1967), o artista inglês, cria um desenho na grama, através da ação constante e deliberada de seus passos. Após a ação, o vestígio produzido pelo ato de caminhar, é documentado em fotografias.
A produção em Land Art e os Earthworks, dos anos 60 e 70, permanecem como referências importantes para pesquisas artísticas atuais. Neste sentido, podemos identificar em espaços e museus brasileiros, uma série de trabalhos que dialogam com estes processos, transformando-os, e atribuindo a eles outros sentidos contemporâneos.
Em Inhotim, o “Sonic Pavilion”, de Doug Aitken, é concebido enquanto obra site-specific. Afinada aos earthworks inclui, no entanto, em sua realização novos elementos sonoros e tecnológicos. A obra consiste em uma abertura de 200 metros de profundidade, no interior do solo, que abriga uma série de microfones capazes de registrar, amplificar e reproduzir o barulho da Terra. Estes sons são transmitidos em tempo real em um espaço de vidro, cilíndrico e vazio, no alto de uma colina. O pavilhão proporciona a seus visitantes, à um só tempo, experiência sonora e visual, estabelecendo um diálogo entre a paisagem e o ambiente geológico de Brumadinho, região em que a obra está situada.
A Usina de Arte, parque artístico-botânico instalado nas antigas dependências da Usina Santa Terezinha, na Zona da Mata Pernambucana, à semelhança de Inhotim, propõe que o público percorra espaços abertos e galerias. Este ambiente estabelece, no entanto, uma relação íntima com a economia da cana-de-acuçar, enraizada nas estruturas da sociedade colonial. Muitas das obras exibidas na Usina de Arte, revisitam esta história, propondo vínculos com a paisagem da antiga usina e com vestígios de suas atividades. Este aspecto, é revelado em trabalhos do artista José Rufino, que recorre poéticamente à memórias dos operários e à antigos objetos de trabalho, construindo instalações que operam na paisagem arquitetônica e natural da Usina.
A Fazenda Serrinha localizada na cidade de Bragança Paulista, propõe à seus visitantes a experiência de transitar por um parque de instalações, em constante movimento de transformação e recriação, em um ambiente incrível. Desenvolvidas por artistas convidados a participarem das atividades anuais do Festival de Arte Serrinha, as instalações e obras site-specifics, que integram o parque, dialogam com a paisagem e o processo de recuperação ambiental em curso, propondo uma reflexão ativa, acerca das relações entre ação humana e ambiente. Este sentido é sugerido, pela obra de Jean Paul Ganem, que constrói uma intervenção de grandes dimensões, sobre o espaço de um antigo descampado. Informada pela Land Art, a obra pode ser observada desde o mirante da Fazenda Serrinha. Destaca-se também a instalação “Eu te como”, de Aguillar, que compõem a série de portais de fogo do artista. Ativada em um happening, sua estrutura permanece, propondo diálogos renovados com a paisagem, a presença do corpo e o percurso dos visitantes.
Anna Luísa Veliago Costa é Mestre pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, é graduada em História pela mesma universidade, com intercâmbio acadêmico na Universidade Sorbonne-Paris IV.
Foto da capa: Jean Paul Ganem, Site-Specific (2017), Fazenda Serrinha (Foto: Divulgação).
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